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No Algarve e, muito pontualmente, na costa alentejana, um rito desperta curiosos e mobiliza residentes. Um banho colectivo e purificador acontece todos os dias 29 de Agosto – daí o nome, Banho 29.

O ritual

Genericamente, esquecendo para já as particularidades implantadas em cada terra, o Banho 29, igualmente conhecido por Festa do Banho 29, é uma celebração que acontece anualmente, sempre no dia 29 do mês de Agosto. Tem lugar em variados concelhos do sul do país mas será nos de Sines, de Lagos, e de Vila Real de Santo António que achamos as suas melhores empreitadas.

Uma das justificações para tal acto encontra paralelo no norte do país, concretamente nos Banhos Santos de Esposende: segundo crença popular, o diabo anda à solta neste dia e o banho serve como antídoto da coisa. Contudo, em Esposende, a data é antecipada: os banhos são no dia 24 de Agosto. Na verdade, o norte parece ter sido mais criterioso com a escolha do dia do que o sul, visto que 24 de Agosto é, na realidade, aquele que o povo associa à diabrura, isto é, à libertação do moço (vulgo, o diabo) por parte de São Bartolomeu (e como exemplo podemos dar, também, a Festa dos Diabos realizada no mesmo dia em Amarante, cidade igualmente nortenha).

A acreditar existir uma semelhança no propósito do Banho Santo esposedense e do Banho 29 das povoações sulistas – e eu acredito que há uma possível base cultural comum a ambos -, alguma razão desconhecida fez com que algarvios e alentejanos empurrassem a celebração do dia 24 para o dia 29 de Agosto. Uma possível explicação podemos encontrar no calendário festivo cristão, que aponta 29 de Agosto como o dia em que é festejada a Paixão de São João Baptista (caso raro no mundo dos santos, São João Baptista é celebrado em duas datas distintas do ano). Poderá ter sido pressão de responsáveis clericais, que não terão visto com bons olhos uma festa no dia do diabo, remarcando-a para um outro dia, não muito longínquo, e claramente menos controverso? Eventualmente.

Certo é que o banho (o mergulho no mar, que é uma imersão na escuridão seguida de um regresso à luz), foi desde tempos eternos uma forma de expiação. Jean Chevalier sugere-o quando afirma que o mar é um “lugar de nascimentos, transformações e renascimentos”, sendo ao mesmo tempo “imagem da vida e da morte”. Curiosamente, os algarvios ao descreverem o momento em que decidem mergulhar nas ondas no dia 29 de Agosto, asseguram que esse mergulho vale mais do que 29 banhos comuns (segundo algumas opiniões divergentes, o número pode ser 9 em vez de 29). Há, assim, um valor simbólico no Banho 29 que o torna maior. Estaremos próximos daquilo que Henry Beston fala quando caracteriza o acto como um afundar “numa névoa sem fundo, fria, sepulcral”, cuja volta traz uma limpeza do corpo mas também da alma.

É certo que a rapaziada que aflui às praias nesta altura tem tudo na cabeça menos este tipo de revelações, mas a simbologia está toda lá, quer se queira, quer não.

 

O Banho 29 de Lagos

Lagos, porventura, será quem mais atenção dá ao evento. O banho é o epicentro da festividade, e guardam três sítios principais para a celebração: o Cais da Solaria, na zona sul da cidade, junto ao forte; a Praia da Luz, a oeste; e a Meia Praia, a este. Há concertos, os tradicionais comes e bebes, concursos de fatos de banho antigos, recriações históricas, fogo de artifício, e claro, o banho, que no caso é nocturno, marcado para a meia-noite – diz o povo que o mergulho deve ser dado de noite porque de dia o diabo anda por aí…

A escolha da hora, à meia-noite, sublinha o carácter transgressor do acto, numa passagem de dia, voltando a trazer o simbólico ao de cima.

Jovens tomam o Banho 29

Jovens no banho da meia-noite

O Banho 29 de Sines

Sines vive o dia 29 de Agosto na Praia Vasco da Gama, na cidade, e na Praia Grande, junto de Porto Covo.

Ao contrário de Lagos, o banho é tomado pela manhã, bem cedo, seguindo o procedimento histórico, quando gente do interior aqui vinha abençoar-se a si e aos seus animais. As pessoas têm por hábito ir ao mar trajando os fatos de banho à antiga, com camisas de dormir nas mulheres e ceroulas arregaçadas até aos joelhos nos homens.

Mulheres em camisa de noite preparam o seu Banho 29, em Sines

O Banho Santo da Manta Rota

Na Manta Rota, o Banho 29 ganha o nome de Banho Santo, remetendo-o para o evento homónimo que tem lugar, cinco dias antes, em Esposende. É feito por ocasião das Festas de São João da Degola, em celebração ao martírio do santo, e, tal como em Sines, dá-se pela manhã e toma contornos de recriação histórica também.

Uma roda no meio do mar

Na Manta Rota, uma roda é feita quando o Banho Santo toma o lugar da festa

Outros Banhos 29

Ao longo da costa algarvia, eram muitos os lugares que tinham por tradição a ida ao mar no dia 29 de Agosto – a maioria perdeu adeptos com a modernização que a província sofreu, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, mas uns poucos conseguiram fazer finca-pé à presumível extinção. A Praia do Vau ou a Praia da Amoreira são disso exemplo. Porém, o melhor é estar atento aos calendários municipais à medida que a data se vai aproximando de nós.