Corrida do Entrudo
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Não é apenas em Trás-os-Montes que encontramos carnavais dignos desse nome, ligando o homem ao seu contexto natural. Nas aldeias xistosas do concelho de Góis, o Entrudo, como antes se fazia, reapareceu.
O regresso do Carnaval beirão
Primeiro, uma confissão: aborrecem-me os Carnavais decalcados dos que vemos no Brasil que pululam por aí. Nada contra a versão brasileira da coisa, mas por razões óbvias – começando logo pelo clima -, em Portugal não podemos festejar da mesma forma que se faz, por exemplo, no Rio ou na Bahia. O mesmo se poderá dizer acerca daquilo que estamos a festejar. No hemisfério norte, celebram-se os primeiros ares da Primavera; no hemisfério sul, pelo contrário, estamos a contar os dias para a chegada do Outono.
Posto isto, é com grande ânimo que assisto a um renascer dos Carnavais portugueses, livres de importações marteladas e desconexas. Um dos que mais me surpreendeu foi a Corrida do Entrudo que se restituiu ao mês de Fevereiro (ou Março) no concelho de Góis, mais concretamente nas suas pequenas aldeias de xisto – Aigra Nova, Aigra Velha, Cerdeira, Pena, e outras possíveis, já que o roteiro varia de ano para ano.
A iniciativa partiu da Lousitânea que, pegando na tradição oral, resolveu fazer o Carnaval da Serra da Lousã renascer.
Os foliões
Foliões é o nome que os aldeões da Serra da Lousã dão a qualquer um que venha mascarado para o entrudo. Equivalem, por assim dizer, aos Caretos com que o nordeste português apelida os seus diabos.
Caracterizam-se por estarem tapados da cabeça aos pés (dessa forma não são identificados), vestindo trapos velhos, serapilheiras, lenços antigos, luvas e botas, e por carregarem certos adereços que os ajudem nas tropelias: guarda-chuvas, apitos, chocalhos, paus que sirvam de bengala, cajados…
Mas o que realmente os distingue dos demais carnavais portugueses é a máscara: uma casco de cortiça rapado a um sobreiro da serra. Esse rito tornou a acontecer. Uma ida às árvores centenárias e a procura de um nó no tronco que permita que o casco que se irá colar à cara tenha a forma certa. Depois de escolhido, decora-se a face da cortiça com o que a imaginação conseguir: hastes de veado ou dentes de um qualquer animal selvagem para simular cornos, barba de milho ou lã para imitar um bigode.
É também comum ver os foliões com instrumentos musicais, quase sempre desafinados, nomeadamente os mais tradicionais, como a concertina ou o acordeão.
História do Entrudo nas aldeias de Góis
A ideia de algures por esta altura do ano termos comunidades inteiras em festejo é antiga. Tão antiga que não sabemos onde começou o rasto.
O Carnaval marca uma fase em que a terra torna a dar sinais de que está viva, e as gentes que vivem dela terão todas as razões para largar confettis a esse propósito.
São dias alegres, onde é permitida uma inversão da ordem social, e por isso a máscara tem dupla função: por um lado, permite que qualquer pessoa se transforme num outro alguém, por outro, garante que as tropelias que se façam sejam anónimas.
Assim aconteceu, igualmente, nas humildes Aldeias do Xisto do concelho de Góis, onde de pouco se vivia e a austeridade que passava pela carteira obrigava a que se improvisassem máscaras sacadas à flora existente. Também por cá se faziam, no Domingo anterior à Terça-Feira de Carnaval, os serões de maldizer, onde os aldeões aproveitavam para soltar qualquer coisa que lhes tivesse ficado preso na garganta no último ano.
O desertificar de uma zona que, já de si, tinha pouca gente, acabou por ir desfiando a Corrida do Entrudo (como cá se chama o Carnaval) até ela passar de pouco concorrida a desaparecer do mapa.
Felizmente que despertou, com ajuda da Lousitânia, e hoje, embora com pequenas adulterações – as mulheres agora participam, quando antes as tropelias eram uma exclusividade dos homens -, o pequeno entrudo tem poucos foliões mas goza de inegável viço.
Um folião “rouba” uma bicicleta
Os ditos de maldizer são uma obrigação no Entrudo de Góis
Programa da Corrida do Entrudo
O programa pode variar ligeiramente, sobretudo no roteiro de aldeias a visitar. De qualquer forma, o ponto de partida é, regra geral, a aldeia de Aigra Nova, onde se juntam os foliões e os curiosos por volta das nova da manhã.
Daí para a frente, é pormo-nos ao voltante e fazer as paragens da praxe. As tropelias duram cerca de 40 minutos em cada poiso. E é preciso ter mente aberta porque os foliões não têm clemência – não é raro algumas pessoas revoltarem-se contra algumas desordens. Roubam-se bicicletas, impedem-se passagens, bloqueiam-se estradas, atira-se água, reviram-se caixotes do lixo. Há ainda tempo para os maldizeres, quando um dos foliões, pondo-se em cima de um palanque, verbaliza as agruras de muitos, apontando o dedo a alguns.
Finalizada a ronda, retorna-se a Agra Nova onde há almoço à espera. Fica o aviso: leve-se dinheiro vivo porque por lá não há multibanco. Normalmente, a comezaina é a tradicional daqueles sítios, chanfana.
Depois da refeição há baile, desfile, mostra de artesanato, e para os fortes, mais caos lançado pelos mascarados, já bem regados – nós e eles.
Góis – o que fazer, onde comer, onde dormir
O concelho de Góis é conhecido pelas aldeias de xisto que alberga. Das várias que poderíamos aqui falar, destacamos a de Aigra Nova e a de Aigra Velha, bem lá para cima, na Serra da Lousã.
Qualquer altura do ano é boa para as visitar, mas recomendamos uma visita no Outono, pelas cores e bramas dos veados-vermelhos, ou pelo fim de semana do Carnaval, com o seu imperdível Entrudo de Góis. Fazemos notar que, quer a Portantiqua Guesthouse (lindíssima moradia com bicicletas disponíveis para passeio), quer a Casa Banda de Além (uma fenomenal casa recuperada em Aigra Velha), são de poiso obrigatório.
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