Café Calcinha

by | 11 Jun, 2019 | Algarve, Insólito, Lendas, Províncias

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Café Calcinha, o Café Central de Loulé – até assim já se chamou. Espaço promotor de conversa fiada e poesia afiada. Os louletanos têm-no agora de volta – a ele e aos seus Pastéis de Loulé. Ainda há boas notícias no mundo.

História

O Café Calcinha abriu portas em 1927. À altura, chamava-se Café Central. Um elogio, portanto. Por este país fora, os ditos cafés centrais eram, em cada aldeia ou vila ou mesmo cidade, o espaço de cavaqueira por excelência, o ponto de encontro da comunidade.

Contudo, por essa altura, o Calcinha, então Café Central, foi vítima do sinal dos tempos. Ali era admitida apenas gente com certa condição. E mesmo quando se aceitou a entrada de louletanos menos privilegiados, a separação entre ricos e pobres acontecia na disposição do café – uns de um lado, outros do outro. As mulher, de resto, só lá puderam meter pé sem ser olhadas de lado a partir da década de 60.

O seu dono era José Domingos Cavaco que, segundo se diz, tinha a alcunha de Calcinha – o que acabou por, mais tarde, dar nome ao espaço. Encontrei, entretanto, uma outra teoria que defende uma origem alternativa para o seu nome – aparentemente, Calcinha não era a alcunha do proprietário, e a justificação para a atribuição do termo ao espaço vem da corruptela da palavra cálice, tantas vezes dita naquele estabelecimento sempre que se pretendia uma aguardente, e isto ainda antes de José Domingos Cavaco ter pegado nele.

Contou com bilhar, o primeiro bilhar de café em todo o Algarve. Assim era o espaço, na vanguarda estilística e pioneiro no negócio. Um salão de conversa, de poesia, de debate, e de jogo. Por lá passaram muitos intelectuais de costas viradas para o Estado Novo. Por lá se elevaram discussões suportadas por ideias iluministas. Por lá se entoaram quadras na sua forma mais popular. A história de Loulé tem várias páginas que poderiam ser escritas só pelo Calcinha. Foram décadas a ver gerações de louletanos a passar.

Até que, no século XXI, fechou para obras. Virou espaço comercial público, mas mais do que isso transformou-se em imóvel de interesse público. Requalificou-se o Calcinha, entregou-se a gestão à privada (mas mantendo-se propriedade do município) e tornou a abrir portas em 2017. É hoje o que foi antes: um centro cultural da cidade com programa de Verão e programa de Inverno. Uma digna continuação do seu passado.

Tons rosados da Belle Époque, no Café Calcinha

O interior do Calcinha

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A arquitectura

Leva aquele look dos cafés dos anos 20 do passado século, na linha do que já tinha sido feito com outros como o Nicola, a Brasileira, ou o Martinho da Arcada, na capital, ou o Magestic, no Porto.

Segue um traço que nos lembra uma espécie de Belle Époque que chegou atrasada ao sul do país. Logo nas colunas da fachada vemos isso, a emoldurarem as montras, intercaladas a meio pela entrada.

Lá dentro somos tomados por um rosa suave, da cor do salmão. As cadeiras são de madeira, bem como as mesas mas estas levam tampo em mármore, de figuração burguesa. As paredes estão decoradas com quadros que ilustram momentos chave da vida do café. Há também colunas interiores a desenharem uma invisível portada entre duas salas. Um chão axadrezado, candeeiros de bom gosto e uma viola encostada mas pronta a usar completam o quadro.

Do lado de fora, a esplanada. E aí encontramos o ícone do Calcinha. O maior deles todos. É uma estátua em bronze, sentada a uma mesa. De um poeta, tal como acontece na Brasileira, em Lisboa. Mas não é Pessoa. Trata-se de um outro, algarvio e de berço humilde: António Aleixo.

António Aleixo

Nascido em Vila Real de Santo António, embora residente por boa parte da vida em Loulé, António Aleixo era pobre. Chegou a emigrar. Trabalhou como pedreiro e tecelão e até polícia. Em nenhuma destas tarefas se destacou tanto como na arte de improvisar quadras populares que, de tão boas, tornaram-se poesia.

Foi exactamente quando regressou ao Algarve, depois de terminar a sua vivência de luso-francês, que António Aleixo partiu para Loulé e começou a soltar estrofes junto ao Calcinha. Mesmo numa altura em que pobres e ricos tomavam posições distintas no café, António Aleixo, que se inseria claramente no primeiro grupo, acabava por ser tolerado pelas elites, só pela piada dos versos que dizia.

António Aleixo tinha o dom de mexer bem com as palavras, de improvisar como ninguém com a rima, e de meter um subtil humor azeirado no espírito de cada um dos seus poemas.

Morreu cedo, de tuberculose. E em Loulé. Felizardos todos os que o ouviram in loco, à mesa do Calcinha.

Hoje não o temos em carne e osso mas salva-nos a escultura de bronze que todos os dias lá espera. E louvados os que guardaram alguns dos seus ditos, num espólio que ainda não está concluído. Aqui fica uma das minhas quadras favoritas, reveladora da acutilância de um homem que não tinha pejo em dizer o que pensava.

Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei,
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.

Loulé – o que fazer, onde comer, onde dormir

​Loulé afasta-se do paradigma da cidade algarvia.

Tal e qual como Silves, fica separada do mar, embora boa parte do seu concelho apanhe a costa e nela se encontrarem parte das praias mais famosas (e mais burguesas) de todo o Algarve. Dormir pela linha de costa é quase sempre um gozar de vistas sobre o mar, embora caro, sendo mais comum o aluguer de casas (em Vale do Garrão, Vale do Lobo, Quinta do Lago...) ao invés da estadia em hotel. Ainda assim, há boas ofertas a considerar: o The Lake Resort, em Vilamoura, ou o Ancão Gardens para quem tem capacidade financeira para isso.

Se a intenção é fugir à corrida balnear, não há como não lembrar as massivas Festas da Mãe Soberana, mesmo em Loulé, no primeiro Domingo de Páscoa e no terceiro Domingo de Páscoa. Paute-se isso com uma visita ao Café Calcinha, espaço de tertúlias históricas. Nesse caso, recomenda-se o Allons-y Guesthouse (com um espaçoso terraço com vista para o castelo e quartos com varanda para a cidade), o recente Loulé Charming, ou o mais conhecido Loulé Jardim Hotel.

Escolha, adiante-se, não falta. Estamos numa das zonas com maior densidade turística do país.

Veja em baixo mais ofertas para dormidas perto de Loulé:

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=37.13959; lon=-8.02314

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