Alfaiates

Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Roteiros
Correndo a linde portuguesa por alturas do Sabugal, é frequente encontrar toponímias bizarras, cómicas e exuberantes, que, como de habitué, lançam interrogações sobre a sua etimologia.
No entanto, é preciso ter cuidado e não assumir de antemão a explicação mais simplista e lógica ou cairemos facilmente no engano. E engano trará certamente Alfaiates ao visitante. Não só o nome não é aquilo que parece, como o casario esconde aos olhos incautos verdadeiras relíquias da raia, ainda à espera do estrelato que merecem.
Mas, por ordem de ideias, paremos primeiro na placa à entrada.
Um nome singular
Observando a vila, vemo-la espraiada no outeiro mais elevado da planura local. Dir-se-ia à primeira vista um lugar sem grande relevância, mas a ribeira homónima ao pé e campos férteis de roda, determinaram o assentamento humano na suposta proto-história (algo que carece ainda de estudos mais detalhados).
Segundo a tradição popular, Alfaiates chamar-se-ia Castillo de La Luna, eventualmente por influência leonesa, mas será pouco provável, nem que seja pela grande transformação lexical até ao nome actual. A verdade é que não será de descurar a possibilidade de o nome vir da profissão, pois na veiga mais próxima cultivou-se em tempos o linho e, por isso, poderia vir do árabe Al-Khayat (“o alfaite”). No entanto, a teoria com maior adesão refere que o nome virá do árabe Al-haet, que significa muro, parede ou cerca.
Mas qual cerca? Hoje já não é visível, mas em tempos o pequeno promontório terá tido uma muralha de pedra rija, que lhe terá elevado a imponência, ainda por cima num sítio tão ermo. No entanto, Deus determinou as coisas de outro modo e deixou que acontecesse a “reciclagem” da antiga cerca.
Algumas casas ainda mostram o granito antigo, outras infelizmente acumulam pirosadas arquitectónicas das décadas de 1980 e 1990. Mas isso que não desencoraje o visitante, pois basta um passeio a pé para descobrir no meio da populaça, um castelo com baluartes e exuberâncias manuelinas, solares nobres, capelas e igrejas barrocas e românicas e até estatuária glorificando os feitos dos antigos.
De onde apareceu isto tudo? Recapitulemos.
De Leão à Restauração
Alfaiates salta para as crónicas com a reconquista Leonesa (na passagem dos séc. XII-XIII). Entre 1209 e 1226, foi elevada a vila e recebeu o primeiro foral graças a Afonso IX de Leão. Nessa altura, a torre de menagem estaria numa zona diferente das torres que restam hoje, eventualmente perto da actual Igreja da Misericórdia. Será também desta época esta mesma igreja românica. Apesar dos acrescentos góticos ou outros mais tardios, preserva ainda fragmentos de pinturas murais e magníficas tropelias de gárgulas sobre os antigos abrigos laterais para peregrinos, tão tipicamente medievais (não fosse o templo um resguardo da alma e do corpo).
E foi precisamente nesta igreja que ocorreu o evento que lançou a vila na ribalta, quando Alfaiates já era lusa, graças ao brilhantismo de D. Dinis (que com um traço de pena no Tratado de Alcanizes, arrebanhou estas terras a Leão e Castela, tendo-lhe dado um novo foral e castelo).
Aqui casou D. Maria de Portugal (filha do rei D. Afonso IV) com D. Afonso XI de Castela em 1328, celebrando três décadas de paz. Camões mais tarde chamar-lhe-ia a fermosíssima, ficando, no
entanto, conhecida para a História, pela sua constante contenda com as desonras do marido e do filho (a sua vida dava um excelente filme).
E como um foral nunca vem só, Dom Manuel deu-lhe um novo em 1515, acompanhado de um pelourinho, dos paços do concelho, de feira e do estatuto de couto de homizio (funcionando como uma segunda oportunidade para criminosos).
Sobra desse tempo uma pia baptismal e o actual castelo, implantado numa nova zona mais plana, onde subsiste um exuberante brasão real sobre a porta, que incrivelmente retém ainda as cores vivazes do escudo de Portugal.
Assumindo claramente um carácter de uma fortaleza fronteiriça, Alfaiates somou alcaides de renome, como D. Diogo de Castro ou D. Pêro da Cunha. No entanto, o mais famoso de todos foi sem dúvida Brás Garcia de Mascarenhas, o famoso guerreiro, aventureiro e poeta. Na altura da Restauração, montou guarda na vila com a sua companhia pessoal dos Leões da Beira, recuperou as defesas em tempo recorde e acometeu assaltos terroríficos sobre os invasores castelhanos, apesar de isso lhe valer uma ordem de prisão no Sabugal. O que não foi de todo
mau, ou não teríamos entre nós a obra de Viriato Trágico (a vida de Mascarenhas dava outro filme também).

Gárgulas românicas da Igreja da Misericórdia

Pelourinho e Paços do Concelho

Igreja da Misericórdia
A paz, o êxodo, e o futuro
Após estes momentos de glória, Alfaiates serviu de aquartelamento a tropas inglesas e portuguesas, que assediaram Masséna na sua retirada.
Depois da paz instalada a população foi crescendo, o que não impediu, no entanto, a extinção do concelho em 1836, que ao fim de seis séculos de autonomia, viu as suas freguesias de Aldeia da Ponte, Alfaiates, Forcalhos e Rebolosa serem anexadas aos concelhos de Sabugal e de Vilar Maior (este último também entretanto extinto).
Quando em 1846 se proibiram os enterramentos dentro do recinto das igrejas, a população resignada mudou o poiso eterno para dentro do castelo já desmazelado. Para trás ficou a Igreja
Matriz, medieval, mas com elementos seiscentistas e barrocos, exibindo ainda na porta lateral gravuras simbólicas de pregos das caravelas, uma insígnia da Companhia de Jesus e sete ventanas na torre do sino.
A sangria do êxodo rural no fim do Estado Novo delapidou ainda mais a vila, que atingira um zénite de quase 1800 pessoas nas décadas de 1940 e 1950. Hoje, sobram os testemunhos de glórias passadas.
Que se perspectiva então para esta relíquia da raia?
Felizmente existem notícias felizes de progresso. Não só o castelo está a ser restaurado (e prestes a ser dotado de um miradouro), como a Albufeira de Alfaiates já conta com um parque de caravanismo e uma praia fluvial que foi galardoada recentemente com “Zero Poluição” (atribuído pela ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável).
Mas isto fica ainda aquém.
Inserida na rota dos Cinco Castelos do Sabugal, a vila merece uma intervenção profunda que elimine os horrores de casas descaracterizadas da traça medieval, limpando o terreno em volta do castelo, quiçá fazer da própria fortaleza um Escape the Room para atrair as gentes. Com o eventual restauro das praças desmazeladas, das casas beirãs com balcões, acrescidas de pesquisas arqueológicas extensas e embelezamento com ainda mais estatuária, Alfaiates poderia vir a ser facilmente um foco de turismo, uma força importante para complementar a agricultura.
Não basta o Forcão. São necessárias feiras temáticas (da Guerra da Restauração ou do Casamento da Infanta) e reforço do alojamento local, com bungalows, usando o enorme potencial da albufeira e da magnífica floresta de carvalho-negral que existe em seu redor numa grande extensão. Aliás, este carvalhal com ar ancestral (e onde subsistem sepulturas rochosas antropomórficas da Alta Idade medieval) está bastante bem preservado, e é um local perfeito para um eventual parque-aventura e um parque de campismo.
Resumidamente, quem anda pela zona, vale-lhe a pena apontar a Alfaiates, parar e fazer o peddy-paper de descoberta dos seus segredos escondidos. E daqui, claro, partir à descoberta dos restantes castelos do Sabugal (como Vila do Touro ou Vilar Maior) ou seguir para as misteriosas ruínas de Sacaparte.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=40.39025 ; lon=-6.91224