Vila do Touro
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Certas terras em Portugal têm origem certa. Outras difusa, nos meandros da História. Mas todas passaram por fases ascendentes e descendentes, triunfando algumas por décadas ou séculos, para depois caírem numa desgraça momentânea ou degradarem-se lentamente com o tempo. Com sorte, voltam à ribalta económica, ou geoestratégica, ou até cultural. Ou então aguardam ainda que os ventos das Eras do Homem soprem a seu favor.
Um castelo que nunca foi feito
Ora, o local sobre o qual nos vamos debruçar ainda não viu a sua glória, e talvez nunca a veja, embora tenha a sua fundação sido feita com promessas de desenvolvimento que, com o tempo, nunca se vieram a concretizar em pleno.
De que falamos? Falamos, pois, do passado suis generis de Vila do Touro, uma localidade camuflada na raia portuguesa.
Mas vamos por partes. Qual é a sua origem? Bom, embora se enquadre naquele conjunto de terras com uma data certa, a verdade é que não há um metro quadrado em Portugal que não tenha antecedentes de ocupação humana, tão longo é o nosso Passado. Com vestígios da idade do bronze, surge definitivamente nas crónicas históricas em 1220, quando Pedro Alvites, Mestre Templário, lhe concedeu carta de foral obrigando a população a construir um castelo.
O objectivo era claro. A fronteira leonesa estava logo ali e convinha munir os limites do reino com fortalezas decentes e com a populaça que a sustentasse. Ao contrário de hoje, os líderes portugueses de outrora percebiam que um território só é verdadeiramente soberano se for ocupado e tiver pulsação humana no terreno.
Não é, pois, de estranhar que, numa altura em que a Raia beirã ainda não avançava pelo planalto ibérico central, a Ordem do Templo fosse agraciada com as zonas mais voláteis e pouco atractivas à fixação de colonos agrícolas. Dir-se-ia que, sobre o jugo dos cavaleiros salomónicos, cedo a povoação iria florescer. Mas tal não aconteceu, por vários motivos.
Primeiro: embora os templários tivessem comendas espalhadas pelo país, concentraram esforços na chamada Linha do Tejo, o que fizeram em boa hora, pois não tornariam os islâmicos a recuperar terreno perdido acima do rio (nem sequer na investida de Iacube Almançor). No fundo, repetiam a estratégia da anterior Linha do Mondego. Ora, Vila do Touro estava fora desse circuito e, talvez por isso, se tenha dado pouca atenção ao segundo factor principal para o não crescimento da terra.
De facto, a Guarda, cidade major da região, com um carácter claramente fronteiriço à época, via com maus olhos erguer-se no seu horizonte um castelo que poderia muito facilmente vir a usurpar-lhe o protagonismo da zona. E assim, com o puxar de favores aqui e pressões ali, logrou que não só as obras da fortaleza parassem, como até que desmantelassem parte da estrutura.
E foi assim que Vila de Touro ficou para sempre com a promessa de um castelo que nunca aconteceu e que pode confundir o visitante incauto a pensar que se tratam de ruínas, quando na verdade são pedras de um esboço. E que pedras magníficas são! É de facto uma pena, que nunca se tenha erguido.
A muralha que nunca se completou
Chegada a Vila do Touro
Janela manuelina
As pedras inacabadas da Vila do Touro
A perfeição do trabalho de pedreiro é notória. Não só os alicerces se mantêm, como a mais cénica das portas medievais que há em Portugal continua teimosamente com o arco erguido.
O próprio pano de muralha a Norte, com a sua curva perfeita de blocos talhados ao milímetro, demonstra a sapiência dos mestres iletrados que dariam umas boas lições a noventa por cento dos empreiteiros de hoje em dia.
Mesmo sobrando pouco, é ainda possível ver dentro do recinto amuralhado, onde estariam as casas e oficinas dos pedreiros. Mais fascinante ainda é a profusão de jogos de tabuleiro talhados directamente na rocha, uma prática secular e muito em voga no Portugal do antigamente, onde o povo passava parte do seu ócio a jogar à trilha e ao alquerque.
No alto, onde não se chegaram a erguer torres, avistam-se vastos quilómetros ao redor, incluindo a própria Guarda, o cume de São Cornélio, o Cabeço das Fráguas, entre outros.
Do suposto castelo ramifica a povoação, recheada com igrejas, ruas airosas com janelas manuelinas, bebedouros enormes de gado (cheios de água numa região dada à secura), sepulturas medievais cravadas nos penedos, cruzeiros…
Destaco dois mimos. Um é um penedo, perto da capela de São Gens, rachado ao meio pela katana de gelo do senhor Inverno. O outro é a Casa do Barroco, que me lançou expectativas e confusão, pois não se trata do barroco do séc. XVII, mas barroco de pedregulho (a língua portuguesa, é de facto traiçoeira).
Apesar de alguma sangria de gentes, ainda no tempo de D. Dinis (com o avançar da fronteira para Leste ao abrigo do tratado de Alcanizes) e com o êxodo rural de há umas décadas, Vila do Touro consegue ainda ter um café esteticamente muito acolhedor e um chalé para turismo de habitação.
Curiosamente, apesar do touro que lhe está no nome, não faz parte do circuito da Capeia Arraiana. Inserida na rota dos 5 Castelos do Sabugal, aguarda apenas um esforço autárquico decente ou um plano turístico que lhe restaure a faceta medieval e a ponha no mapa como deve ser, aproveitando, claro, a proximidade com as já famosas Termas do Cró.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=40.41538; lon=-7.10499