Torre de Vilar

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É ponto assente que, durante a Idade Média, a Lousada foi manta de retalhos de feudos de toda a espécie. Com efeito, reguengos e honras e coutos de linhagens de primeira e segunda categoria ocuparam praticamente todo o seu território assim que a Reconquista cristã se ia fazendo para sul, salvaguardando que na zona Norte do actual território português (e mesmo nas áreas mais setentrionais das Beiras) a estadia islâmica foi parca ou mesmo nula, dependendo do sítio em discussão.
E no entanto, apesar de se saber que a ocupação moura mal deu de si nos torrões nortenhos, a Torre de Vilar que se situa no extremo oriente do concelho lousadense, num parque que recebeu esse mesmo nome (Parque da Torre de Vilar), é comummente chamada pelo povo de Torre dos Mouros. Na verdade, não há qualquer relação entre ela e os exércitos ou elites muçulmanos que tomaram boa parte da administração Ibérica a partir do século VIII – Alberto Sampaio chegou a defender que o bastião serviu como defesa aos ataques islâmicos, o que hoje sabemos ser praticamente impossível, a menos que outro torreão aqui estivesse antes deste. A razão para a designação Torre dos Mouros é semelhante a tantos outros monumentos cuja origem é desconhecida do povo, que, à falta de melhor explicação, cola erroneamente a sua fundação ao passado sarraceno – veja-se o que acontece com dezenas de exemplares megalíticos que recebem o nome de mouros, ainda que tenham sido levantados mais de mil anos antes.
A Torre de Vilar foi incluída na muito recomendável Rota do Românico e teve, por isso, direito a essenciais obras de renovação no início do século XXI.
De quem? De quando?
Embora seja difícil ter cem por centro de certeza quanto ao ano de iniciação ou conclusão da Torre de Vilar e quanto ao homem que a mandou edificar, é pelo menos possível balizar o período em que foi construída, bem como indicar com algum grau de certeza a cabeça de onde saiu tal ideia.
Para isso, socorremo-nos das Inquirições lançadas por D. Afonso III e pelo seu filho, D. Dinis, quando estes quiseram pôr um freio nas incursões de alguns nobres por terras aparentemente sem dono. Tornou-se normal, de facto, que a nobreza, quase toda ela de vocação guerreira, viesse Península abaixo com o intento de, do nada – e muitas vezes sem autorização de quem quer que fosse -, carimbar quinhões agrícolas, sobretudo os que se localizavam em suaves vales por serem, por regra, mais férteis, e daí poderem sacar sustento ou rendas de quem os trabalhava. As Inquirições, que foram poucas antes de D. Dinis mas que se sucederam com boa frequência depois do reinado do Lavrador, eram uma forma de sistematizar os domínios feudais – através delas passámos a saber, grosso modo, o que é que era de quem e por que razão. Foram elas, também, que deram material ao rei para anular títulos e honras, se assim o entendesse.
Diz-nos uma Inquirição do rei Afonso III, levada a cabo em 1258, que Martim Gil de Riba de Vizela (ou Martim Gil de Sousa, nome pelo qual também era conhecido por ser descendente pelo lado da avó paterna de D. Gonçalo Mendes de Sousa, da nobilíssima Casa dos Sousões que controlava boa parte da bacia do rio Sousa) era detentor da honra onde viria a levantar-se a Torre de Vilar. O seu pai e o seu avô foram ricos-homens que serviram D. Afonso III e D. Dinis e aumentaram o seu património através de doações régias, de usurpações, de alianças matrimoniais. Martim Gil viria a ser igualmente rico-homem de D. Dinis, tal como a sua ascendência, e acumulará o título de Conde de Barcelos. A Inquirição, todavia, ao mencionar em traços gerais os termos da honra, não faz qualquer referência à existência de uma torre. As Inquirições seguintes, elaboradas por D. Dinis, são igualmente omissas quanto à sua existência.
Por outro lado, o Mosteiro de Bustelo guardou uma carta escrita por Martim Gil onde este assume prestar os habituais serviços de protecção ao mosteiro enquanto Senhor das terras em questão sem que lhes exija o pagamento de qualquer foro, assegurando que o fazia enquanto “vizinho” e “amigo”. A carta em questão, diz Abílio de Miranda (um dos homens que mais estudou o presente assunto), foi assinada em São Fins de Torno, possivelmente na Torre de Vilar, e tem a data de 24 de Fevereiro de 1306.
Como tal, sabendo que o monumento não foi listado nas Inquirições de Afonso III de 1258, e que possivelmente já existia no ano de 1306, é com algum grau de rigor que podemos situar a sua edificação entre a segunda metade do século XIII e os primeiros anos do século XIV. Mesmo admitindo que a sobredita carta de Martim Gil não tenha sido assinada dentro da Torre de Vilar, é improvável que esta tenha sido terminada muito depois de 1306, dado que a sua constituição ainda tem bastas referências do estilo românico.
Nos séculos que se seguiram a informação é menos difusa, e sabemos que passou por várias famílias da alta nobreza portuguesa.
Foram tidas como propriedade régia ainda na primeira metade do século XIV. Na segunda metade do mesmo século é, juntamente com outros domínios do Entre-Douro-e-Minho, doada pelo rei D. Fernando a Aires Gomes da Silva, militar e alferes-mor que ajudou o monarca nas lutas contra Castela. Este mesmo Aires Gomes da Silva, provavelmente pela fidelidade que tinha a D. Fernando, apoiou D. Beatriz, única filha de D. Fernando (que era já, à altura, rainha consorte de Castela), e opôs-se ao futuro rei D. João I. Saído D. João I vitorioso da contenda, entrega a honra a um outro ramo da família Gomes da Silva que combateu a seu lado.
A meio do século XIX, a então chamada Quinta da Fonte de Baixo, que detinha nos seus limites a Torre de Vilar, foi entregue a D. Maria de Jesus de Castro Caldas Pereira pelo seu casamento com Joaquim da Motta. Quando o marido de Maria de Jesus morre, deixa-lhe assinaláveis dívidas que só serão amortizadas pela venda da quinta a um novo comprador: o Visconde d’Alentém, que procede a larga requalificação da torre, mantendo, felizmente, o essencial da sua estrutura primitiva.
A função
Se sobram algumas interrogações quanto ao ano e ao nome envolvidos no levantamento da Torre de Vilar, no que toca à sua função temos quase todas as respostas, até pela comparação com outras semelhantes, a maioria delas nas províncias do Douro Litoral e do Minho, no fundo, no antigo Entre-Douro-e-Minho. Trata-se de uma casa-forte, ou casa-torre, ou casa fortificada, ou ainda domus fortis caso se prefira recorrer ao latim arcaico: modelos que dispersaram pela Europa ocidental durante a época medieval.
Significa isto que não é, de todo, um castelo, ou sequer uma sobra do que antes terá sido um castelo. O torreão que vemos em Vilar do Torno lembra realmente as torres de menagem dos bastiões medievais, e é desculpável que muitos lhe associem uma função defensiva, porque afinal qualquer edifício robusto da Idade Média, para mais quando é erigido em altura, parece, à primeira, obedecer a um propósito militar. Contudo, é de conhecimento geral que as casas-forte do Norte se assumiam acima de tudo como objectos de poder, marcos que identificavam um feudo associando-o a um nobre, e as excepções de cariz belicista que possam surgir, como acontece com a Torre de Penegate, em Vila Verde, são isso mesmo: excepções.
A Torre de Vilar faz, portanto, parte da maioria de casas-forte concentradas no noroeste português cuja principal função é ser um símbolo de autoridade dos Senhores, administradores das honras e dos coutos que receberam como doação ou que usurparam sem pudor. Por vezes, poderia servir de residência, muito embora não fosse propriamente prático, razão pela qual, em variados casos, às torres foram adossados solares longitudinais de maior conforto: no caso da Torre de Vilar, é dúbia a questão de esta ter sido complementada com uma casa de feição horizontal (alguns investigadores dizem que sim, outros que não). Todavia, o que não oferece dúvida é que se mostrava à plebe – isto é, aos agricultores sitos na honra em questão – como um fascinante monumento cujo dono só poderia ser homem poderoso, proprietário das terras que a envolviam.
Neste caso, é possível que a Torre de Vilar servisse de residência prolongada das famílias que a detinham – a sua altitude (que consoante os estudos recebeu entre três a cinco pisos) e alguns pormenores estéticos (como o arco da porta de entrada) podem indicar que foi, efectivamente, a casa de alguém. Porém, temos de pôr a hipótese de em muitas das vezes a Torre de Vilar se encontrar vazia porque os seus detentores, que raramente possuíam uma só terra, preferiam andar por outros lados. A sua aparência exterior, contas feitas, era muito mais importante do que a interior, pois o seu objectivo era impressionar e amansar quem a via de fora, não quem a vivia por dentro.
Lousada
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.28764 ; lon=-8.20866
