Praia João de Arens

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Houve uma altura, não assim há tanto tempo, em que quase todas as praias de falésia algarvias, concentradas maioritariamente no Barlavento, eram como esta. Selvagens, indefesas, brocadas a ferro e deixadas de frente para o mar, a esburacar-se com cada murro da onda sobre a rocha. Essas praias de penhascos de ocre, nuas, deixadas às migrações das aves, saíram da imagética mitológica que antes tinham quando, na década de 1960, certos países do norte europeu começaram a ouvir a palavra Algarve.
Uma das primeiras vítimas do turismo devasso e acrítico foi Portimão, ou sendo mais rigoroso, a extensão balnear de Portimão: a Praia da Rocha. Muita gente não se importou. Muitos locais não se importaram. Talvez a maioria. Não os censuro. O desemprego ia alastrando à medida que os negócios seculares da cidade iam falindo, com as conserveiras à cabeça, e a explosão imobiliária acabou por absorver muitas dessas pessoas – na restauração, na hotelaria, na construção civil, nos serviços turísticos.
Quando a Praia da Rocha se encheu de betão, procuraram-se outras, nas redondezas. Todas as de fácil abeiramento levaram ou estão a levar com o mesmo tratamento. Felizmente, a natureza preveniu-se, e para lá da Praia do Alemão, um pontão de bruta pedra, pouco interessada na obsessão humana de mudar as coisas a seu feitio, continua a apresentar uma versão do Algarve antigo. Um exemplo é o Cabo de João de Arens, cuja base foi reservada para um duplo areal que continua isento de vícios e que levou com o mesmíssimo nome que o promontório: Praia João de Arens.
O tesouro de Portimão
Diz a tradição oral que João de Arens era um pastor que por aqui andava. Desconheço o quanto disto é lenda e o quanto disto é histórico. Desconfio que a conversa pende mais para a primeira do que para o segundo. Arens é um nome mais germânico do que português, e mesmo os Arens que existem em Portugal estão mais próximos da fidalguia ou da alta burguesia do que da pecuária. Além disso, as pastagens algarvias fixam-se mais a norte, no Barrocal e nas serras. O que aqui há é um obstinado pinhal, diria que pouco atractivo para a dieta das churras do sul. E normalmente, quando um areal é baptizado com o nome de um habitual visitante – como aconteceu com a Praia da Amália, no Alentejo -, isso acontece quando a pessoa em causa é uma celebridade.
Acontece que este mesmo lugar teve um outro nome, foneticamente próximo do actual. Já o vi escrito como Praia João de Ourém e Praia João de Árem. A evolução de Ourém ou de Árem para Arens é invulgar e muito improvável de acontecer por via de um algarvio.
Sem embargo, pastor ou não pastor, alemão ou português, famoso ou desconhecido, o cabo e a praia assim ficaram: João de Arens. E é do cabo, cá em cima, que conseguimos entender um pouco da praia, lá em baixo. Dois areais ligados, na baixa mar, por uma cinta de areia. Com essa promessa resolvemos ir por ali abaixo, com dobrado cuidado, porque o declive é aventuroso e não temos escadas para cravar os pés. Há outros acessos. Do lado do mar, por exemplo – gente que chega pela força dos braços ou equilibrada em pranchas de paddle ou no conforto das lanchas de pescadores. Mas também do lado nascente, quando a baixa mar chega e deixa uma língua de chão que permite contornar o cabo e entrar no areal pelo flanco menos provável.

Falésia da Praia João de Arens

A passagem para a segunda praia na maré baixa
Muitos são os que se queixam disso, da falta de acessibilidade. Malta que vem com família numerosa, parte dela de idades meio proibitivas, ou por ser demasiado nova, ou por ser demasiado velha. Melhor assim. Fosse a Praia João de Arens de fácil entrada e apostava forte como umas quantas instalações em altura já por aqui espreitavam.
Voltando ao que interessa.
Seja lá qual for o método, chegados, confirmamos as suspeitas. Que belo anfiteatro. Uma plateia para águas do Atlântico aculturadas ao vagar do Mediterrâneo, protegida de todos os lados excepto do único que não faz mal – o do mar. Não há snack-bar a impingir almoços, não há lonas a abrigar o comércio de bugiganga, não há serviços balneares a ocupar dezenas de metros de areia. Um lugar sem atalhos para passar o tempo. Uma liberdade para a qual não estamos acostumados. Sequer preparados.
Tornou-se por isso o destino de quem quer fugir do bulício portimonense, a poucos minutos de distância de carro, e até alcançável sem recurso a cilindrada. E transformou-se, nos últimos anos, numa praia naturista. Com isto vêm as discussões do costume, algumas perto de chegar a vias de facto: quem é adepto do nudismo pede explicações a quem lá anda vestido, e o contrário, mais raramente, também acontece. Isto na época alta. Nos meses calmos, escapamo-nos a tais disputas, e provavelmente não teremos nem gente nua, nem gente vestida – apenas nós e mar e algaço. Lembrei-me logo do que Torga escreveu sobre o extremo sul português – “sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!”.
Portimão – o que fazer, onde comer, onde dormir
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=37.11614 ; lon=-8.56789