Palácio das Passagens

by | 20 Out, 2023 | Alto Alentejo, Lugares, Monumentos, Palácios e Solares, Províncias

Monumentos

Natureza

Povoações

Festas

Tradições

Lendas

Insólito

Roteiros

Palácio das Passagens, extraordinário nome para o monumento principal de um concelho conhecido por ser visto, quase sempre, de passagem: ora para os visitantes provarem a delícia que é a Bifana de Vendas Novas a meio da viagem entre Lisboa e Évora, ora para os homens do exército que ocupam uns anos da sua vida nesta cidade militar, ora para a família real e respectiva Corte que aqui esteve provisoriamente a propósito da Troca das Princesas ocorrida no século XVIII.

Há quem o trate por Palácio Real de Vendas Novas, também por Paço Real de Vendas Novas, ou indo às suas funções recentes, por Regimento de Artilharia nº 5 ou Escola Prática de Artilharia. Mas o que ficou gravado no tempo foi esse informal nome: o Palácio das Passagens de D. João V, obra meio esquecida de um rei que ficou conhecido por alçar o colossal Convento de Mafra, num período de vacas gordas ao qual o ouro brasileiro não foi alheio.

​História do Palácio das Passagens

Em trezentos anos de vida, nem sempre o catalogámos como um monumento palaciano. O Palácio das Passagens já foi de tudo – do mais nobre ao mais mundano, chegando agora à condição de edifício do Estado como servente das Forças Armadas Portuguesas. Mas por partes.

O pré-palácio

A cronologia do palácio vendasnovense começa antes da sua existência – antes até do seu projecto. Para o entendermos é preciso recuar até ao século XVI, ao reinado de D. João III, quando uma estrada que aproximava Aldeia Galega (actual cidade do Montijo) de Montemor-o-Novo e que daqui partia para Évora. O caminho entre Aldeia Galega e Montemor-o-Novo, feito com os meios possíveis da época, era longo, superior a um dia, e houve necessidade de se instalar uma hospedaria a meio da jornada.

Montada a estalagem, outros serviços surgiram na sua esteira, embora parcos. É este o embrião não só do Palácio das Passagens em particular, mas de Vendas Novas em geral, um ermo que se viu beneficiado por uma estrada que unia duas das principais urbes do país.

O palácio

Primeiro quartel do século XVIII: a Europa Ocidental vive a confusão do conflito entre França e Áustria. Há uma tentativa de aliança entre os gauleses e Espanha, numa primeira troca de princesas, onde o rei de França, Luís XVI, deveria casar com Mariana Vitória de Bourbon, filha de Filipe V, rei de Espanha, ao mesmo tempo que o infante Luís de Espanha deveria desposar Luísa Isabel de Orleães, filha do Duque de Orleães, que chegou a ser regente de França enquanto Luís XVI era menor (para quem queira aprofundar a questão, este episódio foi traduzido para cinema no filme L’échange des Princesses). Todavia, só metade do acordo seria cumprido: Luísa Isabel de Orleães casou com o futuro rei Luís I de Espanha, mas Luís XVI, com medo de uma crise dinástica, nunca chega a tomar a mão de Maria Vitória.

Siga-nos nas Redes Sociais

A infanta, vendo o seu casamento furado, e depois de uma vida faustosa em França enquanto esperava pelo nó que nunca veio a ser dado, retorna à sua Espanha natal. E vê-se envolvida numa nova troca de princesas, agora com o Reino de Portugal e dos Algarves, numa nova aliança, desta vez Ibérica, que pressupunha apoio mútuo em várias vertentes, incluindo comercial e militar, entre Espanha e Portugal. E assim se prometeu Maria Vitória de Bourbon ao infante José Francisco, Duque de Bragança, Príncipe do Brasil, e futuro D. José I, rei de Portugal e dos Algarves. Em contrapartida, uma outra princesa seria dada à descendência real espanhola: Maria Bárbara de Bragança, filha mais velha de D. João V e irmã do futuro rei D. José I, é prometida ao Príncipe das Astúrias, futuro Fernando VI, rei de Espanha.

Será este último acontecimento, intitulado Troca das Princesas nos livros de história ibérica (houve, no entanto, nova troca de princesas peninsular meio século mais tarde), que serve de motor ao levantamento de um novo palácio em Vendas Novas, já que a estalagem antes construída não estava à altura do esplendor que se exigia para a ocasião. A troca aconteceria na fronteira entre os dois reinos, mais concretamente junto a Elvas, no rio Caia. A fidalguia pernoitaria no lugar onde hoje cresce Vendas Novas, nesse tempo pouco mais do que um arrampadouro com meia dúzia de choças, e para isso se mandou edificar, em tempo recorde, um palácio digno da circunstância. Como serviu apenas para a passagem da comitiva real na sua viagem para Elvas e no seu retorno para Lisboa, o povo cunhou tal monumento como um Palácio das Passagens – no fundo, a sua fundação justificou-se por duas noites, uma na ida, outra na vinda.

Em 1728 coloca-se a sua primeira pedra. E logo no início de 1729 ocorre a transferência das princesas de um reino para o outro. Não se poupou em dinheiro nem em mão de obra. Assim se explica que a janela entre o início e o fim do empreendimento tenha durado menos de um ano – muito embora algumas partes ficassem por obrar…

O pós-palácio

É sabido que, depois da troca das princesas, a fidalguia portuguesa continuou, embora apenas pontualmente, a ocupar o Palácio das Passagens, nomeadamente nas jornadas até ao Paço Ducal de Vila Viçosa. No entanto, serviu sobretudo para alojar cavalaria no piso térreo, e ocupou-se de outras funções passageiras, incluindo hospitalares. Em 1861, talvez por pouco uso lhe ser dado, D. Pedro V autoriza que ali se instale a Escola Prática de Artilharia, isto depois de D. Maria II o ter entregado, oito anos antes, ao Ministério da Fazenda. A pouco e pouco, outros anexos pertencentes ao antigo palácio foram dados ao exército: edifícios secundários, jardins, terrenos.

Uma nova realidade começa a ganhar forma em Vendas Novas. Transforma-se numa terra de militares. E com isso novos negócios surgem – correios, lavandarias, tabernas. Paralelamente, a recém-construída estação de comboios trouxe também novas oportunidades a um lugar que quase não passava de uma deserta charneca duzentos anos antes. Foi um salto até se elevar a cidade, distinção que chegou no final do século XX. Presentemente, é dos poucos sítios alentejanos que não sofrem de abandono. Tudo por causa de um palácio.

Entrada no Regimento de Artilharia, em Vendas Novas

O actual Regimento de Artilharia

Tecto da Capela Real de Vendas Novas

Frescos na Capela Real de Vendas Novas

Boca de fogo no Museu de Artilharia de Vendas Novas

Boca de fogo exposta no Museu de Artilharia

O Regimento de Artilharia

Do actual Regimento de Artilharia sobra alguma coisa palaciana? Sim, sobra, nomeadamente a fachada, que já no tempo em que foi traçada tinha o aspecto austero corrente, com um corpo central avançado e dois laterais recuados que, antes, serviram de apoio ao rei, de um lado, e à rainha, do outro. Na parte de dentro ainda é possível descortinar a escadaria original que casava o núcleo do edifício com as alas. Quanto à portada original, sumiu-se, infelizmente. No interior, ao qual nem sempre se pode aceder sem autorização de alguém, as pinturas dos tectos já viram melhores dias, mas continua a ser possível apreciar a sua profundidade. Claro que, entretanto, os quartos e divisões que nos idos tempos setecentistas alojavam a monarquia e seus criados, passaram a receber gabinetes de médias e altas patentes do exército português, o que se traduziu numa nova organização do espaço interno, e por isso desfasada da matriz primitiva.

Quem manteve a sua original beleza foi a capela, na ponta nascente do palácio. Já andou pelas mãos de muita gente: primeiro tendo Santo António como orago e destinada a D. João V e sua família, prolongou-se como capela de serviço à realeza na centúria seguinte, até ser então atribuída à paróquia de Vendas Novas quando se afirmou como igreja matriz da terra, e só depois, enfim, foi comprada pelo Estado para atender a Escola Prática de Artilharia. Tem nas pinturas dos tectos da nave e do altar-mor razões para uma curta visita, e o mesmo se aplica aos painéis de azulejos das paredes laterais, alusivos à vida de Cristo. Recentemente, viu o seu culto ser progressivamente substituído – de Santo António para a Senhora da Conceição, e desta para Santa Bárbara assim que o palácio se transformou em regimento de artilharia, dado ser Santa Bárbara padroeira dos artilheiros.

Finalmente, temos o Museu da Escola Prática de Artilharia, de entrada livre, com exposição exterior e interior, onde figuram equipamento e itens e arsenal, com destaque, naturalmente, para o segmento da artilharia.

Escola de Artilharia na cidade de Vendas Novas

Vendas Novas

Um curto roteiro histórico com o melhor de Vendas Novas. Surpreendentes destinos, saborosos repastos, sossegadas dormidas.

Promoções para dormidas em Vendas Novas

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=38.67868 ; lon=-8.4568

Siga-nos nas Redes Sociais