Nógado
Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Roteiros
Um doce que começou no Alto Alentejo e no Baixo Alentejo entretanto expandiu-se para a sua periferia – o Algarve, o Ribatejo, e até a Beira Baixa. É feito à base de três ingredientes principais mas com muita outra coisa à mistura, dependendo da região e do cozinheiro.
Como a língua explica os Nógados
Quem não vive no Alto ou no Baixo Alentejo estranhará a forma como o doce é descrito, com o ó da primeira sílaba aberto e o a da segunda sílaba fechado: nó-ga-do. Assim, em vez da habitual palavra grave, com acentuação no ga, ficamos com uma esdrúxula, com acentuação no nó. À primeira, somos levados a crer que os alentejanos pronunciam mal o termo – o que não seria de todo absurdo, o que mais existe são sotaques que, por várias razões, nomeadamente culturais e históricas, têm pronunciações desviadas da palavra escrita.
Contudo, um Nógado alentejano não é a mesma coisa que o corrente nougat que compramos nos supermercados. Este último é uma barra de frutos secos (amêndoa, amendoim, avelã, entre outros) colados através do mel ou do caramelo. Ora, o Nógado do Alentejo não tem fruto seco, apesar de se poder ter inspirado nos normais nougats ou, até, nas Pinhoadas de Alcácer do Sal.
Conhecendo as premissas da cozinha alentejana, o que muito provavelmente aconteceu foi as gentes do sul transtagano (ou especificamente o Real Convento das Servas de Borba que pode estar na sua origem) decidirem-se por uma adaptação pobre dos tais nougats ou das tais Pinhoadas, ou seja, por tentarem cozinhar a mesma coisa sem o custo do fruto seco, aquilo que atira o preço do acepipe para outro patamar. Não seria a primeira vez. Na verdade, o Alentejo é conhecido por isso – dada a pobreza dos solos, é obrigado à magia de transformar pouco em muito. Ao resultado chamou de Nógado, eventualmente por afinidade linguística com Espanha, onde existem os ditos nuégados.
E se a zona onde mais os vemos é nos concelhos do Alentejo interior, como Borba, Portalegre, Elvas, Estremoz, Arraiolos, Évora, Cuba, Beja, Ponte de Sor, Vidigueira, eles daqui partiram para destinos não tão óbvios, como para o Ribatejo (sobretudo a zona de Rio Maior), Beira Baixa (com uma versão muito própria em Vila Velha de Ródão), ou Algarve (sobretudo nas serras do Sotavento algarvio, com ênfase no concelho raiano de Alcoutim).
É preparado por alturas festivas, até mais nas de clima frio, como o Natal (servido por vezes na consoada) e o Carnaval (como aproveitamento das massas não usadas nas filhoses). O próprio Nógado, tendo em conta que força uma secagem do mel pelo seu esfriamento, implica que seja mais cozinhado nos meses invernais. Há casos de excepção, como acontece em Beja, onde são comuns no dia de São João.
Receita dos Nógados alentejanos
Como é costume na gastronomia popular, há um tronco comum na receita que depois ramifica consoante a região ou a pessoa que mexe na massa. De qualquer forma, uma tríade de ingredientes poder-se-á dizer como fundamental para a preparação dos Nógados alentejanos: ovos, farinha, mel. Se bem que até Nógados sem ovo já me foram dados a provar, o que será uma heresia para muita avó que há décadas se dedica à optimização da iguaria.
O processo passa por quatro fases: a elaboração da massa, a fervura da mesma, o preparo do caldo de mel, e por fim a finalização com a entrada da folha de laranjeira.
A massa
Num alguidar juntam-se ovos, azeite (ou manteiga), e farinha, idealmente farinha de trigo – alguns entendem que também fica bom se acrescentarmos aguardente, canela, casca de laranja, vinagre, ou um pouco de sal. Ponha-se a batedeira de lado porque isto é para amassar com as mãos, à antiga. Envolve-se a pasta entre os dedos e as palmas da mão até ela enrijar e ficar esférica.
De seguida coloca-se a massa numa superfície polvilhada com mais farinha (se a superfície for fria melhor, como por exemplo um balcão de mármore). Com a mão besuntada de azeite, vão-se retirando pedaços ao bloco, enrolando-os até termos longas tiras delgadas – tenha-se a grossura de um lápis como referência. Cortam-se estas tiras em pequenos pedaços recorrendo a uma faca ou tesoura e deixam-se a secar. O tempo de espera para a secura varia, dependerá da farinha e da pressa, mas o ideal é que seja no mínimo de uma hora (ou duas ou três para ser bem feito).
A fritura
Depois de secos os pedaços de massa, colocam-se cuidadosamente numa frigideira com óleo ou, preferencialmente, com azeite a ferver. Note-se que há quem prefira usar o forno em vez da frigideira, talvez por questões de saúde, mas não é isso que a tradição diz. Voltando à fritura, ali ficam os pedaços de massa até ganharem alguma cor, embora não seja necessário chegar-se ao ponto de estarem completamente dourados. Retira-se depois cada pedacinho com ajuda de uma escumadeira ou de uma colher.
O caldo
Numa panela deita-se o mel – para quem é mais purista, escolha-se mel alentejano – e um pouco de água. Muitos são os que juntam ao mel uma colherada de açúcar o que, na minha opinião, é uma redundância. Deixa-se o composto a ferver. O ponto do mel é discutível – uns preferem ponto de espadana, outros ponto de cabelo, outros ponto de rebuçado. Nada como ir repetindo e afinando para ficar ao gosto de quem o faz.
Depois, vão-se colocando os pedaços de massa já fritos faseadamente, até porque o mel vai subindo as paredes da panela sempre que há uma submersão. Mexe-se para que tudo fique envolto em mel. Torna-se então a pegar na escumadeira para retirar cada pedacinho até nada no tacho sobrar que não mel.
A folha de laranjeira
Colocam-se várias folhas de laranjeira (ou limoeiro) lavadas e enxutas numa travessa – não havendo folha de laranjeira, opte-se por papel. Retirando quatro ou cinco pedaços de massa frita de cada vez, colocam-se em bloco sobre cada folha, e regam-se com o mel que sobejou, de forma a que colem uns nos outro. Por fim, deixa-se arrefecer.
Há quem prefira apresentar o doce de outra forma, compilando, enquanto estão quentes, todos os pedaços num tronco comum e formando uma espécie de prisma cilíndrico ou piramidal. Depois deixa-se esfriar e corta-se o doce com uma faca em pequenas fatias. Neste caso, não é necessária a folha de laranjeira.
O caso de Vila Velha de Ródão
O Nógado alentejano, como já foi dito, transbordou as fronteiras do Alentejo e saltou para as províncias vizinhas. Uma das beneficiadas foi a Beira Baixa, embora apenas tenha gozado de especial preferência no seu flanco sul, nomeadamente no concelho de Vila Velha de Ródão.
Aí o Nógado ganhou um outro gosto. A massa é feita de miolo de pão (a côdea é retirada), ovos, leite, farinha, azeite, açúcar, aguardente, e junta-se ainda sumo de laranja. E o caldo de mel leva canela e casca de limão.
Festivais onde provar
Além de tantos cafés e padarias e doçarias distribuídos pelos concelhos descritos no ponto supra, há vários festivais onde o Nógado é tido como um dos principais elementos em promoção.
No Vimieiro, concelho de Arraiolos, é criado um Nógado gigante – começou por ter cinquenta metros de comprimento, depois passou para cem, e a última edição contou com um de cento e cinquenta metros. A afeição por tal iguaria é de tal grandeza que o município pensa em registar a marca Nógado do Vimieiro. A festa acontece todos os Carnavais.
Ainda no concelho de Arraiolos, mas desta vez no mês de Novembro, algures entre o Dia de Todos os Santos e o Magusto, dá-se a Mostra Gastronómica de Arraiolos (normalmente agendada em conjunto com a Feira do Tapete), onde não faltam Nógados disponíveis para a prova.
Mais a sul, no município algarvio de Alcoutim, a beleza do rio Guadiana é aproveitada para apresentar Nógados e outros doces meridionais na bela Feira Doces da Avó. Acontece por ocasião da Páscoa.
E Vila Velha de Ródão não quer deixar de fora o seu Nógado singular. Fratel, freguesia rodense, recebe em Outubro a Festa dos Nógados e das Pantufas, aliando assim dois doces baseados em fritura e mel.