Igreja de Santa Maria de Meinedo

by | 18 Nov, 2024 | Douro Litoral, Lugares, Monumentos, Províncias, Religiosos

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Em 1939, graças à descoberta de alguns mosaicos muito perto de onde agora se encontra a Igreja de Nossa Senhora de Meinedo, o Jornal de Lousada dava conta da existência de um povoado romano. A este achado podemos juntar outros – como a Ara Votiva romana na Quinta de São Mamede, a estrada romana destapada aquando da requalificação da Ponte de Espindo, as cerâmicas romanas recuperadas à beira da Quinta dos Padrões -, todos eles na actual freguesia de Meinedo, que não só evidenciam a presença das legiões de Roma por aqui, como sobretudo mostram que provavelmente cá se fez uma villae de considerável importância.

Note-se que a imagem da padroeira por cá devotada, lapidada em calcário e possível produto da escola escultórica de Coimbra, leva o nome de Nossa Senhora das Neves, e a ela se associa o milagre de ter intercedido aos céus para que num abafado mês de Agosto começasse a nevar. Ora, a génese desta lenda é romana que, tal como acontece no caso de Meinedo, relata um nevão ocorrido no Monte Esquilino em pleno mês de Agosto. O facto de em Meinedo (não só aqui mas também noutros lugares de Portugal, como já foi escrito no texto dedicado à Senhora das Neves de Mértola) haver uma lenda em tudo similar a uma idêntica narrada em Roma é indicativo da romanizada influência que se deu no povo magnetense que, como praticamente toda a península (embora com diferentes graus de região para região), se deixou permeabilizar pela cultura do Lácio.

A vila romana terá tido continuação, como escreve Lúcia Maria Cardoso Rosas no exaustivo livro “Românico do Vale do Sousa” (que pode ser lido aqui na íntegra), e resultou num vicus “organizado em ruas” já durante o reinado Suevo. A importância cronológica deste quinhão de terra, primeiro como pólis romana e depois como urbe sueva, poderá ter estado na origem do posterior bispado (ainda no decorrer da vigência sueva) que cá se implantou: o Bispado de Magnetum, de onde resulta a terminologia corrente, Meinedo (aliás, aos cidadãos de Meinedo chamamos de magnetenses).

E com isto quero sublinhar aquilo que passa despercebido a muita gente que, fortuitamente, se move pela vizinhança da velha Igreja de Meinedo e segue caminho como se nada fosse. O templo que cá se vê não se encerra em si. É mais do que aquilo que exibe. A sua aparente vulgaridade oculta a história de uma terra ilustre que poucos conhecem.

Meinedo e o Bispado de Magneto

O tema é polémico, até porque nos domínios da história funcionamos por aproximação. Porém, não parece haver grandes pontas de fora no que toca à questão de saber se Meinedo foi, enquanto parte do Reino Suevo, sede de um bispado – o que não significa, à letra, que ao bispado tenha equivalido uma diocese. Ainda assim, Augusto Soares de Moura resume o tema sem problema em utilizar o termo diocese: “(julga-se que) hoje já não há qualquer controvérsia ou dúvida de que de que aquela povoação [actual Meinedo] foi a primeira sede da diocese do Porto”. Contudo, mais à frente acrescenta: “a diocese era a Portuense; a sede foi em Meinedo”. Ou seja, dá a entender que a divisão administrativa tinha o Porto como referência, mas a casa do bispo situou-se, durante breve período, em Meinedo. O mesmo autor assinala, todavia, que outros candidatos há para a posição da primitiva sede da Diocese do Porto, colocando a Igreja de São Marcos, em Gaia, ou a Igreja do Bom Jesus, no Porto, como exemplos.

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Regressemos ao bispado porque é esse o termo que sabemos que foi usado para designar o velho burgo de Meinedo. Ao que se conseguiu apurar, o nome do primeiro e talvez único bispo da então Magnetum foi Viator, presente no II Concílio de Braga, em 572. Assim, deduz-se que neste ano já existia um nobre mosteiro em Meinedo que funcionaria como uma sé de um território que incluía o território da corrente cidade Invicta. A maioria dos estudiosos entende que o bispado não durou mais do que duas décadas – tendo a sede, posteriormente, sido movida para o Porto e o bispo transferido para a nova morada, segundo José Mattoso. Bispado de curtíssima existência, portanto, mas mesmo assim revelador da importância de Magnetum na geografia sueva e na sua organização paroquial.

Quanto ao mosteiro, é provável que do clero tenha passado para a realeza Asturiana que promovia o empreendimento da Reconquista e daqui se transferisse para D. Henrique e D. Teresa, pais do primeiro rei português, quando foram incumbidos de administrar um novo condado – o Condado Portucalense, a semente de Portugal. Em 1131 sabemos (porque há um documento a demonstrá-lo) que D. Afonso Henriques oferecia o Mosteiro de Meinedo de volta para a Igreja, em particular para a Sé do Porto. Actualmente, o pouco que dele sobra vai sendo encontrado em escavações. Alguns trabalhos arqueológicos realizados na actual Igreja de Santa Maria de Meinedo e a norte desta apontam para que a desaparecida casa monástica se encontre nestas imediações, e que o templo que hoje se vê esteja montado bem próximo do (ou até sobreposto ao) antigo mosteiro.

Um templo à procura do seu orago

O primitivo Mosteiro de Meinedo tinha Santo Tirso como orago, bem-aventurado a quem se dedicam algumas lendas lousadenses, nomeadamente a relíquias milagrosas do santo que foram guardadas no templo monástico e que, depois, se transferiram para a actual igreja – a capela adossada ao pano norte que hoje se vê do interior e do exterior é chamada precisamente Capela de Santo Tirso. Todavia, e mantendo pelo menos a ermida anexada dedicada ao santo sobredito, o objecto de culto da igreja foi alterado, por volta do século XVII, invocando-se desde aí o nome de Santa Maria ou mesmo o da já mencionada Senhora das Neves se formos à imagem sagrada presente no interior.

O conflito entre Santo Tirso e a Senhora das Neves parece traduzir um choque entre a muito românica devoção às relíquias do bem-aventurado com o muito barroco culto mariano. Esta bipolaridade é, de resto, observável na própria arquitectura do templo, que mantém boa parte da sua aura românica, nomeadamente na magnitude das suas paredes e em pormenores como os cachorrros alusivos a episódios bíblicos como o pecado de Onan ou a relação de Adão e Eva, à qual junta a celebração de Maria profusão policromática assente no trabalhoso retábulo interior, quer no retábulo, quer nas pinturas de tecto da capela-mor.

Será o contraste entre o lado de fora, de predominância românica, e o lado de dentro, de vinco barroco, o que mais fascina no templo. Isto se nos debruçarmos apenas no aspecto visual. A somar, obviamente, está todo o contexto relacionado com o extinto bispado de Magneto, desconhecido da maioria. É por isso que, hoje, a Igreja de Santa Maria de Meinedo está incluída na Rota do Românico e assume papel proeminente no património religioso do concelho de Lousada.

Cachorros com figuras antropomórficas na Igreja de Santa Maria de Meinedo

O românico sobressai nos modilhões da Igreja de Meinedo

Medalhão com figuras de Adão e Eva no pano norte da Igreja de Santa Maria de Meinedo

Figuras de Adão e Eva num modilhão

Um dos muitos portões de acesso às Honras feudais

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