Festival do Berbigão

by | 27 Nov, 2023 | Algarve, Festas, Províncias, Setembro, Tradições

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A freguesia da Meixilhoeira, no concelho de Portimão, é visitada por gente dos cinco continentes e tudo por causa do seu Autódromo Internacional, palco das mais prestigiadas corridas de motores que há no mundo. E no entanto, eu, para quem as competições de pé no pedal são pouco mais do que uma curiosidade mecânica, continuo a preferir outra festa, esta livre da cacofonia dos escapes: o Festival do Berbigão, na Figueira, terra do Algarve interior que Jaime Cortesão classificou como um “parêntese de bucolismo” no meio de uma paisagem de dramática secura.

Um petisco do povo, num festival do povo

Não vem do nada, a ideia de aqui se fazer um Festival do Berbigão. O ritual de se ir apanhar bivalves nas marés baixas da Ria de Alvor, aqui ao lado, ainda hoje acontece, isto apesar das recentes operações industriais que infestaram boa parte do estuário. A colheita nem sequer implica tecnologia, basta um balde e um corpo agachado. A ameijoa, o lingueirão, e o berbigão, logo que a água se recolhe, ficam a beijar a superfície dos sapais e, portanto, prontos à cata, ao contrário da conquilha ou do mexilhão, que são colhidos nas praias. Ora, estando nós em terrenos do Barrocal, a certa distância dos areais e com a ria bem próxima, onde o chão é rio na maré cheia e alagadiço na maré baixa, facilmente se conclui que estas gentes tinham o berbigão mais à mão. E daí se entender uma homenagem, em forma de festival, a esse pedaço da dieta figueirense.

O recinto não podia ser mais improvisado. Um campo polidesportivo, limitado por vedações e corrido a longas mesas de madeira, acolhe um palco igualmente remediado e umas quantas guaritas onde as cozinhas são montadas. Depois faz-se uma exorbitante encomenda de berbigão cru (os responsáveis falam de duas toneladas) e entrega-se o bivalve aos tachos.

É no lume dos fogões que o Festival do Berbigão tem valor acrescentado. Quando os vapores descolam as conchas e a carninha fica à mostra, regada com caldo de alho e de coentros onde o pão irá mergulhar quando o pires é entregue aos glutões. Mas há quem crie mais do que apenas um Berbigão ao Natural ou um Berbigão à Bolhão Pato. Em cada tasquinha lá se vêem os frutos da imaginação do cozinheiro, e ainda bem, porque a comer só berbigão a fome não nos larga. Por isso é de saudar a variedade nas massas e nos arrozes, nas tartes e nos pastéis e nos rissóis e nas papas de milho esboroado, sempre cruzados com o berbigão, a estrela da companhia. Para quem não vai à bola com o bivalve, há alternativas, a maioria vinda do mar mas não só: saladas de polvo, bifanas, frango, e outras generalidades com menor interesse…

O recinto abre pelas sete da tarde, mais do que a tempo do jantar. Encerra pela uma da matina e as últimas horas são guardadas para o bailarico. Juntam-se velhos e petizes e lá se formam os comboios, as coreografias, as danças de pares, num carrossel de malta embalado pelo trago das imperiais.

O engraçado é que nada aqui tem um dedal de pudor em se assumir como popular. A música é popular – soa mais alto o acordeão, mesmo que o cante e o fado também sejam sólida presença. A plateia é popular, composta sobretudo por algarvios de Portimão e arredores, agora que a época balnear está no fim. E o berbigão é popular, talvez o mais popular dos bivalves, não por fama mas por ser o desavergonhado molusco do povo – mais barato que a conquilha, que a ameijoa, que a vieira, que a ostra.

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