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Tem vários nomes, sendo o mais conhecido, talvez, o de Quinta-Feira da Ascensão, misturando liturgia e ritos profanos. Aqui, preferimos chamá-lo por Dia da Espiga, em homenagem ao ramo que é tradição levar-se para casa. Celebra-se quarenta dias após o Domingo de Páscoa.

Um Ramo de Espiga que vai muito além do trigo de onde é sacado. Em casa, vira-se ao contrário e encostamo-lo a uma porta como sinónimo de boa sorte.

Tradições do Dia da Espiga

Já não é muito comum vermos o que antes era um comportamento unânime: a busca de um ramalhete que envolvia várias flores e uma espiga, espiga essa que dava nome ao bouquet.

Se nas cidades já é complicado comprar um raminho que seja, nas aldeias, sobretudo as do sul, alguns resistentes ainda acordam cedo e dirigem-se aos campos de trigo para sacar as espigas, adornando depois o ramo com outras cores: o vermelho das papoilas, o verde seco da oliveira, o amarelo vivo do malmequer, e o verde perfumado do alecrim. Alguns juntam ainda a videira para completar o quadro.

Depois levam-no para casa e penduram-no de pernas para o ar (isto é, com as flores viradas para baixo), por trás da porta da cozinha, na certeza de que servirá de amuleto para as colheitas do Verão, até ser substituído doze meses depois.

O simbolismo inerente a cada um destes elementos existe, pois claro. A oliveira traz consigo a luz, e é sinónimo de conhecimento (alumia a ignorância), a vibrante papoila significa a vida, o viço do alecrim simboliza a força e a saúde, os dourados do malmequer desejam boa fortuna no dinheiro. Por fim, a estrela da companhia, a espiga de trigo, funciona como metáfora do pão, para que nunca haja fome na casa que recebe o Ramo da Espiga.

Se a colheita ainda acontece, já os cantares perderam-se nos séculos de história que o costume tem. Na verdade, longe vão os anos em que as festas associadas ao Dia da Espiga faziam o país parar – e que deram origem a expressões populares como na Quinta-Feira de Ascensão, nem os passarinhos bolem nos ninhos ou que até se os passarinhos soubessem o que era a Ascensão, não comiam nem bebiam, nem as patas punham no chão, ou ainda na Quinta Feira da Ascenção coalha a amêndoa e nasce o pinhão, esta última mais frequente no Algarve. Se por um lado houve um crescente desapego dos portugueses pela celebração dos humores cíclicos da natureza, por outro houve a formal retirada da Quinta-Feira da Ascensão da lista de feriados nacionais, a meio do século passado, salvo certos municípios que insistiram em mantê-la.

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Campos de espigas a representarem o auge da Primavera

Espigas por apanhar

O Dia da Hora

Uma condição que existe para a recolha do Ramo da Espiga é que ela aconteça numa hora especial: entre o meio-dia e a uma da tarde.

Este costume parece apontar para o significado que o sol tem no rito (meio-dia é, habitualmente, a hora em que o sol está no seu apogeu, na sua força máxima).

Parece, igualmente, haver um paralelismo simétrico com a magia que a meia-noite transporta, e basta para isso vermos todas as crenças que pululam no país acerca das Noites de São João, em que as águas se tornam curativas a partir da meia-noite, e as moiras encantadas aparecem à vista humana precisamente nesta hora.

A tradição da hora era tão importante que, durante anos, a festa era também conhecida por Dia da Hora.

 

Significado do Dia da Espiga

No Dia da Espiga, como de resto como em quase todas as festividades religiosas em Portugal, conseguem vislumbrar-se tradições pagãs misturadas com práticas de fé católica. Só o facto de tratarmos a data por dois nomes diferentes – o Dia da Espiga como consagração da chegada da Primavera, a Quinta-Feira de Ascensão como celebração da subida de Cristo aos céus depois da Ressurreição – é revelador que baste.

Apesar das manifestações cristãs hoje existentes, a busca de ramos à terra mostra-nos ecos de outras festas, provavelmente de origem mediterrânea.

É difícil não nos lembrarmos de Ceres, Deusa romana da agricultura e do cereal, a quem era dedicado um festival – a Cereália – por esta altura do ano. Ceres é várias vezes representada com espigas na mão. Emerita Augusta, actual Mérida e antiga capital da Lusitânia, tem uma famosa estátua representando a Deusa.

Estátua à Deusa Ceres

Os cereais, atributo da Deusa Romana Ceres

Parece evidente que o Dia da Espiga se liga à antiguidade clássica e ao seu calendário festivo – e a somar a isso, temos as Maias, em homenagem a Flora, Deusa das Flores, e a Maia, Deusa da Primavera, ainda hoje acarinhadas com pequenos gestos como as giestas que se põem à janela no primeiro dia do mês de Maio.

A espiga, sendo ao mesmo tempo alimento e semente, carrega esse simbolismo consigo: a abundância e o crescimento. Com ela se relacionava Osíris, Deus-Sol dos Egípcios, que morre (pelo grão que alimenta) e que ressuscita (pela semente que germina). Mais tarde, o cristianismo pegou neste mesmo simbolismo e aplicou-o a Cristo que, na mesma altura do ano, morre e ressuscita. São João, falando da morte e ressurreição de Jesus, recorre ao grão de trigo: Chegou a hora de ser glorificado o Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto.

A espiga, e muito concretamente a espiga de trigo, é assim vista como um produto-essência, irreplicável, doação indivisível dos Deuses ao homem. A sua morte, como já foi dito, não é uma morte, pois do seu grão defunto nascem muitas outras espigas. É por isso que o Ramo de Espiga, quando levado para casa, carrega consigo a abundância, a esperança de nunca faltar pão no lar.

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