Maias
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Na noite de 30 de Abril para 1 de Maio, um hábito é recorrente nos quatro cantos do país, embora com pequenas variantes: a colocação de Maias à porta.
No primeiro dia de Maio, algumas terras portuguesas acordam com uma mão-cheia de giestas às entradas das casas. São as Maias, uma devoção à flora que, com a Primavera, ressuscita as cores dos campos de Portugal.
O que são os Maios e as Maias?
Quando falamos de pôr as Maias à porta estamos a querer dizer, num sentido mais gráfico, colocar flores nas portas de entrada de cada casa. Algumas pessoas decoram as suas janelas também, e não é raro vê-las a ornamentar certos caminhos rurais, bem como carros e máquinas agrícolas. Regra geral, e isto pode ser aplicado a todas as regiões de Portugal, as flores escolhidas são as giestas sob a forma de coroa ou apenas a de um pequeno apanhado de ramos atados com uma corda. Em algumas zonas as flores de verdade são substituídas por outras de papel.
A preferência pelas giestas deverá estar relacionada com a sua frequência e com a época do ano em que elas decidem explodir. De facto, chegado o mês de Março, campos que antes mal arriscavam ir além de pedra e tímida vegetação viram um charco amarelado deste arbusto vivo e primaveril. É a chegada da estação expansiva, aquela em que a terra abre, dando o mote para o mês de Abril (em latim, o aprire da natureza).
A origem deste costume reside nas festividades cíclicas relacionadas com o calendário agrícola, como é bom de ver, dado o seu carácter marcadamente naturalista e pagão. Mas a decoração de portas e janelas é apenas uma das formas de comemorar as Maias (ou os Maios, como se diz em certas partes do país).
As giestas são as flores mais apreciadas no festejo das Maias
A celebração das Maias à volta de Portugal
No Algarve, por exemplo, mantém-se com um vigor difícil de ver noutras províncias, só sendo igualado pelas regiões do norte. Nesse cantão mais a sul, as Maias ganham outros contornos: o costume é construir bonecos (ver foto ao lado), feitos de palha de centeio e trapos, que seguram frutos da zona, bem como ramos de flores. Os bonecos poderão ser casais ou não. Acontece também o boneco ser um homem, razão pela qual, em algumas terras, se celebram os Maios e não as Maias. Em Lagos, por exemplo, até abrem concurso e premeiam a boneca mais bonita.
Em Trás-os-Montes, sobretudo junto a Bragança e Mirandela, a coisa não passa tanto pelas flores mas pelo fruto seco mais famoso da região, a castanha, que se deve guardar até esta altura do ano e colocar próximo das cortes para guardar o gado. O mesmo gesto pode ser verificado em algumas aldeias da Beira Alta, mostrando mais uma vez o quão próximo está a zona mais a norte da Beira Interior da província transmontana. O folclore em torno do 1 de Maio em Trás-os-Montes é de tamanha complexidade simbólica que poderá um dia figurar neste espaço com um texto só para isso.
Na Beira Litoral, em Vila Nova de Anços, aproveita-se o 1 de Maio para declarar amor a alguém. Os rapazes, depois de prepararem uma coroa floral (real ou feita de papel), deixam-na à porta da casa da rapariga de quem gostam. É uma apaixonada entrada no quinto mês do ano.
Monsanto, na Beira-Baixa, tem a muito famosa Marafona, uma boneca feita de dois paus dispostos em cruz, cuja festa é celebrada no Domingo seguinte ao 3 de Maio. A Festa da Divina Santa Cruz, como é localmente conhecida, é uma variante da celebração das Maias.
O Minho será, porventura, a província que comemora as Maias da forma mais clássica, com giestas floridas à porta, hábito que se vê reflectido em vários pontos do país mas que no noroeste português se condensa como em nenhum outro sítio. Aqui junta-se uma outra variante, a do Mau Olhado (também presente em Trás-os-Montes), que é afastado das casas pelo cheiro das giestas.
Na Estremadura, a Maia pode até ser uma menina, de pele e osso, enfeitada com flores e que se passeia pelos lugarejos a saudar os locais. Já em Beja, no Baixo Alentejo, não é uma menina mas várias miúdas, que, vestidas de branco e de flores, saem à rua a perfumar a cidade.
Poderia escrever páginas e páginas sobre as variações que as Maias têm de terra para terra. Por vezes, chega-se ao ponto da celebração das Maias ser diferente em duas povoações que não distam mais de um par de quilómetros entre elas. Importa, acima de tudo, notar que há um denominador comum em todas estas festividades: as flores, ou, em alternativa, os frutos. São esses que são verdadeiramente divinizados. E é essa a origem desta festa primaveril.
Origem das Maias
A tradição de enfeitarmos pessoas ou casas ou caminhos com flores no dia 1 de Maio vem de longo tempo passado.
A igreja diz-nos que é uma forma de lembrar a evasão de Jesus para o Egipto, juntando a isso uma lenda que diz que giestas foram colocadas à porta onde Cristo se escondia para que Herodes e os seus soldados o pudessem matar – quando estes lá chegaram, depararam-se com giestas em todas as portas, não conseguindo, por isso, descobrir onde Jesus se encontrava.
Contudo, trata-se de uma dissimulação, uma forma de escamotear um ritual pagão disfarçando-o com traços cristãos. De facto, foram várias as tentativas católicas de terminar com as celebrações das Maias, até ao momento em que a igreja entrou numa espécie de se não os podes vencer, junta-te a eles, desenhando as mesmas tradições mas com contornos mais papais.
Na realidade, as Maias são muito similares (em rito e em simbologia) a outras homenagens à chegada da Primavera, como as já faladas Queimas dos Judas ou a Serrada da Velha e seus derivados.
O próprio nome parece aludir a Maia, a Deusa romana da Fertilidade e da Primavera, e muitas vezes associada à também romana Bona Dea (traduzindo, a Boa Deusa, igualmente conhecida por Fauna) que, a par da Fertilidade, juntava a si o título de Deusa da Virgindade, da Cura, e da Mulher. É curioso notar que Beja, terra de forte influência romana, por ocasião do 1 de Maio, veste crianças de branco (poderá isto representar a Virgindade?) e senta-as num trono (tal como é, habitualmente, representada Bona Dea).
Parece óbvio que as flores das Maias serão uma figuração dessas Deidades romanas, seja Maia ou Bona Dea, ou mesmo Flora. A própria igreja resolveu, posteriormente, atribuir Maria ao mês de Maio, vincando essa ligação de Deusa-Mãe ao quinto mês do calendário corrente. Têm uma função ritualística, uma outra forma de oração, ao mesmo tempo que pedem boa fortuna aos lucros do cultivo – não virá do acaso esse estranho hábito de colocar giestas em engenharias que trabalham a terra, como tractores ou arados.
Por isso avante com as giestas, com as coroas de flores, com as bonecas de palha, com os vestidos de fina brancura. Chegado o 1 de Maio, celebre-se a natureza, que por essa altura volta a ser jovem e atrevida. Eu próprio o vou fazer, independentemente de onde esteja.
Bonecas das Maias
Pintura da Deusa Maia
Bona Dea representada num trono, tal como as miúdas de Beja nas celebrações das Maias