Correntes d’Escritas
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Quase toda a gente via a Póvoa como gleba de pescadores. Menos eram os que conheciam a sua veia agrícola. E quase nenhuns os que a lembravam como terra de literatura. Mesmo eu, que decidi dedicar a segunda metade da minha vida à promoção da cultura popular, fiquei admirado pela absurda quantidade de escritores, portugueses e estrangeiros, que prestaram linhas e páginas e livros à cidade-berço de Eça de Queiroz.
A consequência disso chegou no ano 2000 com o Correntes d’Escritas, um evento incontornável dos entusiastas da palavra, sobretudo em português e em castelhano, mas também em galego e em catalão – resumindo, nas línguas em que sempre nos entendemos por aqui, na Jangada de Pedra, e lá por fora, na lusofonia africana e brasileira, e na hispanidade sul e centro-americana.
A carta de amor à Póvoa
Lembro-me de uma vez ouvir o Miguel Esteves Cardoso falar algures sobre o drama que é para muita gente estar sozinho. Respondia ele que isso era coisa de quem não lia. Quem lê, quem gosta de ler, não está sozinho. Recentemente dei com um statement de uma romancista americana, Ann Patchett, que parece ter sido feito para dar razão ao nosso Esteves Cardoso – defendia ela a necessidade de entrarmos de cabeça na magia dos livros, porque eles dão-nos a habilidade de conseguirmos estar sós e sossegados, duas qualidades que estão a desaparecer mais depressa do que as calotas de gelo do Árctico.
É por isso que devemos estar tão gratos à cidade da Póvoa, famosa por dar praia às povoações que não a têm, nomeadamente as do vale do rio Ave, mas que viu na literatura um escape para a época morta que atravessa de Outubro a Maio. O Correntes d’Escritas acontece, sem excepção, no meio do Inverno, quando as chuvas atlânticas não dão tréguas ao Norte, e se a escolha do mês não foi intencional, pois então trata-se de uma maravilhosa coincidência, porque nada dá mais vontade de nos agarrarmos à alquimia das palavras do que quando os céus absorvem toda a cinza do mundo.
Tendo o Cine-Teatro Garrett como baricentro, uma colectânea de escritores converge para a cidade nortenha e, por intermédio de uma multiplicidade de eventos e de lançamentos e de feiras e de exposições, escreve-lhe uma singela carta de amor. Atenção que estamos a falar dos grandes nomes da literatura das línguas ibéricas – por cá passaram Luís Sepúlveda (chileno), Manuel Rui (angolano), Mia Couto (moçambicano), Luís Fernando Veríssimo (brasileiro), Leonardo Padura (cubano), Rosa Montero (espanhola), Juan Gabriel Vásquez (colombiano), Germano Almeida (cabo-verdiano), entre muitos (mas mesmo muitos) outros; e ficando dentro de portas, tivemos visitas mais e menos regulares de Agustina Bessa-Luís (ela que tantos dias de Verão passou na Póvoa), Luísa Dacosta (a Senhora do Moinho, como ficou conhecida desta gente), Valter Hugo Mãe (cuja tenra idade também mergulhou neste mar), José Luís Peixoto, Lídia Jorge, João Luís Barreto Guimarães, Hélia Correia, Rui Zink, Pedro Mexia, Manuel Alegre, Sérgio Godinho, e por aí fora.
Foram, até ver, mais de mil autores espalhados por vinte e cinco anos de vida. São parte de uma vaga crescente de grandes escritores apaixonados, desiludidos, ou amaldiçoados pela Póvoa – foram chegando de mansinho, a partir do século XIX, para aproveitar a moda dos banhos de mar, para agraciar uma Colmeia piscatória que nunca lhes prestou cavaco, para motejar a fútil socialização de uma classe burguesa dividida entre a praia, o jogo, e os cafés. Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Mário de Cesariny, Jaime Cortesão, Santos Graça, Cândido Landolt, Ramalho Ortigão, Alberto Pimentel, António Nobre, Flávio Gonçalves, Raúl Brandão, Leonardo Coimbra, todos eles cheiraram este mar.
Como tal, o Correntes – como frequentemente é chamado pelos que tiram férias para lá ir -, é menos um festival do que uma herança. Mas uma herança que se levou tão a sério que virou festival. Isso vê-se nas célebres mesas onde os convidados conversam por horas com sala cheia para os ouvir, na produção das revistas anuais e nos livros que guardam o lançamento para a abertura do evento, nos prémios que cobrem todas as idades e que valorizam as melhores obras do ano (há, neste momento, quatro galardões a ser entregues: o Prémio Casino da Póvoa, para romances ou livros de poemas escritos numa das línguas oficiais; o Prémio Fundação Luís Rainha, para poemas ou romances ou contos cujo tema se centra na Póvoa de Varzim; o Prémio Papelaria Locus, para contos ou poemas de jovens entre os 15 e os 18 anos; o Prémio Luís Sepúlveda, para contos infantis ilustrados de alunos que estejam no ensino básico).
Se isto não basta, há mais: o futuro parece ser promissor, com a expansão do acontecimento para lá do Cine-Teatro e até para lá do perímetro urbano poveiro, o que na verdade já tem acontecido de forma gradual, com a chamada das restantes freguesias da Póvoa à causa, com o incentivo ao comércio local para participar no certame, com as visitas às escolas, com a inclusão do Mercado Municipal e da Biblioteca Municipal e do Arquivo Municipal e do Centro Coordenador de Transportes, com a abertura oficial no Casino da Póvoa, com o apoio do histórico Diana Bar.
Sim, há duas correntes no Inverno da Póvoa: a marítima, que expulsa; e a literária, que convida. Mas é a última que celebramos. Vivam os livros! Vivam os escritores! Viva Fevereiro! Viva a Póvoa!
Póvoa de Varzim
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.38719 ; lon=-8.73032