Casulo de Figueiró dos Vinhos

by | 22 Nov, 2021 | Beira Litoral, Insólito, Lendas, Províncias

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Figueiró-dos-Vinhos é uma daquelas terras que confunde o visitante. Difícil de categorizar, não se percebe de imediato se é uma vila pitoresca e simples, ou um antigo burgo, outrora próspero, industrial e mercantil.

Na verdade, ambas as acepções são justas. Figueiró é ainda hoje vila, mas uma vila empreendedora, que embora se possa encontrar actualmente na mó de baixo, retorna lentamente à mó de cima, como esteve em tempos, quando a indústria de têxteis portugueses era ainda pujante.

De facto, o concelho partilha muitas das características dos antigos polos industriais de lanifícios como, por exemplo, a Covilhã. Isso vê-se claramente nas ruínas espalhadas um pouco por todo o lado, com solares que nos transportam para números de população mais elevados e ricos, e outras tantas estruturas massivas, ainda que
belas, de antigas fábricas, também elas vítimas das crises que afundaram o sector há décadas e que forçaram a migração de muita gente.

Neste contraste de uma terra que não se compromete com a ruralidade ou a urbanidade, encontra-se um cenário campestre bastante acessível, plácido, mas dinâmico o suficiente para atrair as atenções. A esta conclusão chegaram figuras de renome do passado, cuja ligação a Figueiró-dos-Vinhos é desconhecida por muitos, ainda que os estudem.

Falamos dos altos vultos das artes lusas da viragem do século XX. Pintores naturalistas, escultores e arquitectos, infelizmente pouco apreciados na sua genialidade pelos próprios portugueses, desconhecendo o valor da sua obra, muitas vezes superando a produção artística de outras nações. Fôssemos nós diferentes e o Mundo saberia de José Malhoa e companhia.

Do Grupo do Leão à Escola Naturalista de Figueiró

Figueiró teve a grande sorte de ver nascer José Simões d’Almeida. Não que não tenha pessoas de renome anteriores – veja-se a história impressionante de Neutel Simões de Abreu.

Mas foi com o escultor viajado e galardoado por meia Europa, com prémios pecuniários e variadas honras, que a vila passa definitivamente para uma posição mais marcada no território português. José Simões d’Almeida decidiu um dia trazer à vila uns moços novos, a quem reconhecia o talento naturalista, no qual não participava, sendo mais adepto do academismo puro (apesar de ser considerado como uma peça importante no movimento artístico naturalista português).

Em vez de andarem com a tralha a reboque, pelos arredores de Lisboa, porque não se embrenharem a fundo nas paisagens e gentes que queriam retratar?

No processo de os convencer, deve ter ajudado o seu sobrinho, igual em nome, talento e dedicação à escultura. Mas quem eram esses jovens? Nada mais que José Malhoa e o seu amigo inseparável, Henrique Pinto. Chegaram em 1883. Mal sabiam eles que seria precisamente nessa terra que viriam a falecer. A partir de então, os dois não mais se apartaram por completo de Figueiró.

Como o talento atrai talento, dos “Josés d’Almeidas” (tio e sobrinho) vieram dois pintores e, destes, outros tantos génios, como o arquitecto Luiz Ernesto Reynaud. Este participou na tradição dos artistas da terra, ao contribuir com a sua lavra para a beleza da igreja matriz (baseando-se no manuelismo da igreja S. João Baptista de Tomar). Mas a sua obra mais famosa na terra, foi feita para o próprio José Malhoa.

O interior é um exemplo de bom gosto

Interior do Casulo Malhoa, como também é conhecido

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Um casinhoto transformado em casarão

Dez anos depois de chegar à vila pela primeira vez, José Malhoa, numas sobras de terrenos que comprou, mandou arranjar um casebre de colmo que servia de arrumos para fazer um refúgio para as suas frequentes visitas à terra. De tão pequeno e rústico que era, chamou-o de Casulo. E ainda assim, tinha espaço suficiente para si, para a irmã, e para dividir a sala e cozinha com biombos – mais do que suficiente para descansar dos seus périplos de pintura.

Em 1898, entra em cena Luiz Ernesto Reynaud, que lhe acrescentou um novo plano para habitação, ficando o anterior como um merecido atelier, com clarabóia e tudo (entretanto desaparecida). De uma cabana de telhado de colmo, transformou-se num chalet revivalista, bastante original, e com pequenos apontamentos da arquitectura flamenga de XVII.

O ex-líbris da casa seria a sala de jantar, com paredes de pergamóide, imitando couro lavrado, frisos floridos de António Ramalho Júnior e nichos no tecto com pequenas obras de pintores amigos de Malhoa desastrosamente desaparecidas.

Vale a pena espreitar este Casulo em ponto grande para tentar reviver ou imaginar episódios da sua história, como, por exemplo, o amigo Henrique Pinto e a sua mulher figueiroense a conviver no jardim da casa, frondoso e trabalhado, típico da época. Mas não só! O mini museu de xadrez é incrivelmente o único em Portugal. Com tantas terras pelo país com grandes clubes de xadrez, é de estranhar que nunca tenha ocorrido essa ideia, nem que fosse a uma junta de freguesia. Embora pequeno, é fascinante para quem gosta do tema (esperemos que um dia seja ampliado).

E claro, a complementar está o Museu e Centro de Artes, com uma boa colecção de originais e estudos naturalistas. Para quem queira conhecer as grandes obras de arte na viragem do século XIX para o século XX, o Casulo acaba por ser uma paragem essencial, tornando-se num ponto de partida ou de chegada de um itinerário que passa pelos museus de Minde e das Caldas da Rainha.

Nas redondezas há muito mais para ver. Bem perto encontra-se o jardim municipal, planeado ainda na época dos artistas residentes. De destacar o Clube Figueiroense, que nos transporta para essa época de ouro de Figueiró, tendo os artistas residentes contribuído com obras para o mesmo, aprimorando ainda mais as suas salas de jogo, biblioteca e salão para bailes, teatros e mais tarde cinema.

Falta ainda ver o impressionante túmulo na igreja matriz, em pedra lavrada do século XVI, de Ruy Vasques, Senhor de Figueiró, e de sua esposa, D.ª Violante de Sousa.

Por fim, saltarão de certeza à vista os graffitis e pinturas do Festival de Arte Urbana residente, o Fazunchar. Fazunchar? Significa fazer, no dialecto exclusivo dos comerciantes de têxteis da zona, o que remete mais uma vez para Minde e a sua Piação. Apenas mais um pretexto para seguir pela senda dos museus de arte naturalista.

 

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=39.90383; lon=-8.27358

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