Vinho Bairrada
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Para mim, trata-se do vinho mais subvalorizado do país. O suficiente para valer todas as palavras que se seguem, dedicadas à sempre controversa região vinícola da Bairrada.
História da Região
A Bairrada, enquanto região vinícola, conta com uma história longa e instável, de altos e baixos – e mesmo recentemente conseguimos encontrar esta dicotomia qualitativa pela qual é conhecida.
É sabido que se fazem vinhos nesta vasta área desde, pelo menos, o século X – isto é, ainda antes da fundação do país. Conhece-se, a atestá-lo, a autorização dada por D. Afonso Henriques ao cultivo de vinha na Herdade das Eiras, já no século XII.
Contudo, o reconhecimento chegou novecentos anos depois, quando a Bairrada começou a chegar aos ouvidos dos consumidores como produto de qualidade. Foi aí, na segunda metade do século XIX, que os limites da região se definiram – atravessam oito concelhos (Anadia, Cantanhede, Águeda, Aveiro, Mealhada, Coimbra, Vagos e Oliveira do Bairro). E foi também aí que se fundou a Escola Prática de Viticultura da Bairrada, fundamental para o desenvolvimento técnico dos seus vinhos, e responsável pelo primeiro espumante da zona, aquilo que, a par com a casta Baga, se tornou objecto identificador da região.
Depois de décadas a produzir, essencialmente, espumantes, e de juntarem a isso uma actividade que era quase reduzida à condição de engarrafamento e distribuição, houve quem decidisse, e bem, que era boa ideia ter os comerciantes como produtores de vinho tinto e branco, donos da sua vinha, e portanto mais donos do seu destino. A aposta foi ganha. Em 1979, a Bairrada passa a ter Denominação de Origem, selo que faltava para se afirmar no mercado.
Felizmente, hoje, a região levanta-se de quase duas décadas de travessia no deserto.
Enoturismo na Bairrada
Sendo verdade que a Bairrada não é, de todo, uma região de grande beleza natural, o turismo em torno do Vinho Bairrada tem-se tornado uma alternativa à efémera passagem por estas paragens – quase sempre pela mesma razão, beber um espumante enquanto se come um bom leitão, num intervalo à condução na A1.
Para começar o Museu do Vinho da Bairrada é obrigatório para qualquer amante do néctar (aqui nasceu o espumante). Mas há mais. Os percursos que deambulam pelas quintas, por exemplo, para palparmos as diferenças substanciais que existem dentro da região – a norte, a produção é frequentemente modernizada, a sul as vinhas confundem-se com o início das serras.
E nas quintas, destaca-se a Adega Luís Pato (o ultra defensor de Baga enquanto casta mãe da região), a Quinta das Bágeiras (também aliada dos Bairradas à antiga, embora com a introdução de processos produtivos modernos), Campolargo (mais aberta a uma nova abordagem na forma de fazer os vinhos), as antiquíssimas Caves São João (com museu) e a fusão de enologia e arte que Joe Berardo resolveu apresentar depois de adquirir a Aliança – todas elas visitáveis.
Baga, o bilhete de identidade de toda uma região
Baga, a casta rainha
Goste-se ou não (e há muita gente que não gosta), a Bairrada não consegue fugir à sua notável casta rainha, Baga. Representa aproximadamente metade das uvas produzidas na região e tem havido um maior cuidado em dar primazia aos vinhos feitos totalmente ou maioritariamente dela.
Por ironia, a casta Baga é filha do Dão. Mas deu-se o caso da Bairrada se tornar sua mãe adoptiva, pela resistência que esta tinha a determinados fungos, e o amor foi de tal modo envolvente que actualmente a região e a uva são indissociáveis.
Plantada maioritariamente em solos barrentos, é de maturação tardia e tem o condão de dar aos vinhos uma acidez intensa e riqueza nos taninos, favorecendo o envelhecimento. Mas falta falar de uma das suas principais características, a tal que a põe na categoria de tão amada quanto desamada – o seu temperamento.
E aqui começa a discussão. Os seus defensores afirmam que esta é o porta-estandarte da actual região demarcada, e que foi ela que levou a Bairrada a paragens internacionais, e que cabe aos enólogos terem mais mão nos seus impulsos. Os detractores, por outro lado, queixam-se de ser difícil trabalhar com um tipo de uva tão intempestivo, que ora manda para o mercado vinhos fantásticos, ora se vira do avesso para zurrapas que não merecem um gole – acusando-a, até, de ter boa parte da culpa da desconfiança com que a Bairrada foi vista nas últimas décadas. A zaragata tornou-se assunto sério o suficiente para que se criasse uma espécie de irmandade de defensores da casta, chamada Baga Friends.
O vinho identitário por excelência, na Bairrada, é todo aquele que leva a estampilha Bairrada Clássico, feito por, pelo menos, 50% de uvas da casta Baga (acrescente-se a isso a obrigatoriedade de ter um tempo mínimo de estágio de três anos) – tem fama de ser o velho Bairrada, mais agressivo e ideal para os fãs da velha guarda. Recentemente, houve também um novo projecto impulsionado pelos responsáveis da região: criaram o Baga Bairrada, um espumante, de criação similar aos restantes, mas a exigência de ter de ser produzido a partir da casta local Baga.
A região e os vinhos
Toda a zona da Bairrada sofre uma forte influência do seu gigante vinho da esquerda, o Atlântico (as Serras do Bussaco, do Caramulo, e da Lousã encontram-se do lado de dentro, deixando o eixo ocidental destapado e à mercê das maresias). Isso afecta, como não podia deixar de ser, as vicissitudes climáticas, o viver das gentes, e, obviamente, o solo e os vinhos que de lá saem.
O seu chão intercala entre o lodo e o argiloso, com maior ou menor dose calcária à mistura. O próprio nome indica isso, bairrada, zona de terrenos barrentos ou de barro. O tempo puxa pelos casacos no Inverno – há muita chuva e neblina -, os Verões, embora quentes, são amenizados pelo Oceano. Cria-se aqui um certo microclima, uma versão mais friorenta do que comummente chamamos o Oeste, já de si hostil em certas fases do ano.
Os vinhos Bairrada
A Bairrada é conhecida pelo seu espumante, mais do que qualquer outra coisa, mas os seus tintos têm conquistado bocas em todo o país, invadindo agora novos mercados – França, Canadá, China, Brasil, entre outros.
Os espumantes
Mas começando pelos espumantes… podemos dizer que a canalização de esforços para este produto não foi tanto uma vontade humana mas sim um apelo da natureza.
A uva Bairrada é ácida e de baixo teor alcoólico. Como se diz, está mesmo a pedi-las, e assim se fez, da uva branca, o espumante Bairrada. Pode ser bruto, seco ou meio-seco – consoante seja mais ou menos doces, para mau entendedor.
É, por isso mesmo, e com naturalidade, a mais antiga região produtora de espumantes em Portugal, mantendo o método clássico de fermentação em garrafa – actualmente, mais de metade do mercado nacional de espumantes é coberto pelos Bairradas.
Os tintos e os brancos
Na sua história mais recente, alargou-se a permissividade a várias castas menos autóctones – Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Syrah, Chardonnay, juntando-as à produção de Touriga Nacional ou Maria Gomes (correspondente à Fernão Pires) ou Arinto – para afinar os tintos e os brancos, muitas vezes sujeitos ao comportamento errático da casta da terra, Baga, como adiante iremos falar. A nova aceitação de uvas estrangeiras é vista, ainda hoje, com um olhar crítico, no sentido em que estas desvirtuam um pouco o tradicional sabor Bairrada. Com efeito, a modernização dos processos e a abertura a castas internacionais vieram equilibrar alguns dos Vinhos Bairrada, retirando-lhe a agressividade taninosa dos tintos ancestrais da região – ganhou-se em estabilidade, perdeu-se numa certa alma.
Ainda assim, há uma marca de água nos seus vinhos, sobretudo nos tintos, que se traduz numa frescura marcante e pouco habitual na uva tinta, com fruta quanto baste – muito morango, por exemplo -, mas também uma vincada adstringência quando a casta Baga se põe em biquinhos dos pés.
Já os brancos, pessoalmente os que menos gosto (e que no passado sofreram do facto das melhores uvas serem constantemente desviadas para o fabrico de espumante), mantêm as notas de fruta e junta-se alguma resina de pinheiro.
Anadia – o que fazer, onde comer, onde dormir
O concelho de Anadia conta com várias pérolas da gastronomia nacional, destacando-se, claro, o Leitão da Bairrada e o Vinho da Bairrada (liderado pela sua celebridade, o espumante), que de resto casam lindamente um com o outro.
Se quiser digeri-los sem pressas, e fugir à tendência de colocar a zona como sítio de passagem, há algumas camas que são altamente recomendáveis: a Casa da Alzira, em Pedralva, com oito quartos num edifício moderno, e a Quinta de Mogofores, neoclássica e novecentista, ligada à história da implantação de República e à reestruturação das técnicas agrícolas da Bairrada.
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