Sítio da Mulher Morta
Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Roteiros
Na freguesia da Mexilhoeira Grande, a norte da vila e muito perto da curiosa hospedaria Horse Shoe Ranch, temos um lugar popularmente conhecido como o da Mulher Morta. Nos mapas vulgares, a designação não aparece. Nos mapas online, também não. É preciso sacar de um mapa militar para o confirmar.
Sobre este sítio, Margarida Tengarrinha, portimonense de forte militância que chegou a estar exilada durante o Estado Novo, recolheu uma irresistível lenda que incluiu no livro “Da memória do povo” e que passarei a recontar, tentando não alterar a base da original.
A Lenda da Mulher Morta
Tinha-se como crença comum que a Quinta-Feira de Ascenção (ou o Dia da Espiga, se quisermos usar o termo profano) era data sagrada. Acontece quarenta dias depois do Domingo de Páscoa, e no calendário Cristão celebra a subida de Cristo aos céus. Mas serve igualmente como um agradecimento à chegada da Primavera, sobretudo nas províncias do sul, que têm como costume enfeitar as portas das casas com um bouquet de várias flores e, elementar, embelezado com uma espiga.
Assim sendo, o dia deveria ser vivido com devida reverência – na Quinta-Feira de Ascensão, nem os passarinhos bolem nos ninhos, dizia a gente. Ora, havia uma senhora, nascida por estes lados, mas pouco dada a religiosidades, que meteu na cabeça que o dia nada tinha de sacro e que devia ser passado como todos os outros: a trabalhar, e nessa altura o trabalho era lavar a roupa da família no riacho.
Chegou a receber aviso de uma amiga, que relembrou a teimosa mulher de que a devoção à Ascenção de Cristo não era compatível com o cumprimento mundano das lides da casa. Ela não fez caso. Respondeu que havendo enxoval por lavar, lavado seria. E pôs-se a caminho da ribeira. Desse momento para a frente, nunca mais alguém a viu. Mas o desaparecimento deixou marcas, e todas as Quintas-Feiras de Ascenção que se seguiram faziam-se acompanhar de um som seco, vindo exactamente do lugar onde a senhora desaparecera, que se assemelhava ao batimento da roupa na pedra.
A mulher morta como ser mitológico
Há muito sumo para ser extraído da lenda relatada acima.
Antes de mais, o modo como a Quinta-Feira da Ascenção era tomada como um dia de fervor religioso, tanto que não devia ser experienciada de forma ligeira. Também a alusão às lavadeiras e ao riacho, que por aproximação aparenta ser a ribeira da Amieira, dão umas luzes acerca da vivência nas aldeias do Barrocal algarvio. Porém, o que mais encanta é a analogia que podemos fazer com um ser mitológico muito comum no folclore dos países ou nações europeus encostados ao Atlântico – Irlanda, Escócia, Gales, Bretanha, Astúrias, Galiza, e Portugal. Falo das Bruxas Lavadeiras, que receberão um texto autónomo neste espaço, e que guardarei detalhes para essa altura.
Lavandières de Nuit, por Yan Dargent
Contudo, dando já um cheirinho, adianto que se tratam de mulheres que segundo a tradição oral habitam junto aos rios, a fazer barulho à medida que batem com a trouxa na pedra, trouxa essa que se encontra manchada de sangue – ou seja, uma presença muito similar à mulher versada na lenda. Acrescente-se que a narrativa recolhida por Margarida Tengarrinha não está sozinha no lendário português. Em Olhão, ou seja, não muito longe da Mexilhoeira Grande, uma lenda muito parecida saiu da boca de Maria Ermelinda Garrana, mas desta vez os sons emitidos pela desaparecida lavadeira ocorriam no Corpo de Deus (isto é, os quarenta dias depois da Páscoa passam a sessenta dias depois da Páscoa, quando tantas procissões ocorrem no país). E para irmos para fora da província mais a sul de Portugal Continental, temos uma lenda recolhida no Peso, na vizinhança da Covilhã, aqui com uma inovação: a mulher decide lavar a roupa na Quinta-Feira de Ascenção, mas faz-se ouvir na manhã de São João, dia que associamos ao solstício de Verão.
Portimão – o que fazer, onde comer, onde dormir
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=37.18849 ; lon=-8.61351