Sanatório de Montachique

Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Roteiros
Enquanto escrevo aquela que será a primeira publicação de 2025, não posso deixar de reflectir na ironia de começar um novo ano com mais uma referência agridoce sobre os tesouros desconhecidos de Portugal. Este belo recanto da Finisterra está pojado de maravilhas tanto singulares como exuberantes, tanto inacabadas como a medrarem nova vida e novos começos. Mas qualquer que seja a sua natureza, importa visitar essas relíquias e preservá-las.
Pois o local sobre o qual nos debruçaremos, revela-nos também uma dicotomia entre valor real e percepcionado. A visita a Montachique torna-se assim num momento feliz e triste ao mesmo tempo, ou não fosse essa a sina de todo o português que ama a sua terra e cultura.
Um Cabeço num Monte
Às portas das várzeas de Loures, ergue-se um dos múltiplos pináculos das colinas saloias, por sinal, um dos mais proeminentes (não fosse o ponto mais alto do concelho lourense, com 409
metros de altitude). O Cabeço de Montachique funciona assim como um marco geográfico, uma fronteira natural entre as morfologias mais enrugadas a Norte e as lezírias e pântanos do Rio Trancão e do Rio de Lousa.
O próprio nome invoca-lhe a natureza. É um Monte, sim, mas de chique não tem nada. Belo mas austero, rodeia-se de terras campestres. De onde lhe veio então o chique? Não será de Cascais, com certeza. Talvez tenha uma origem semelhante à terra algarvia quase homónima de Monchique, que parece derivar de uma adulteração árabe do latim (Munt Saqui ou Monte
Sacro).
A verdade é que no topo do seu basalto, está lá ainda a capela da Senhora do Livramento, um local perfeito para contemplação, observar aves ou aproveitar o baloiço panorâmico.
Bênção desprezada
Mas então que coisas belas e ao mesmo tempo trágicas se podem encontrar nas suas redondezas? Bom, logo ao pé do cabeço, é possível verem-se construções novas. Uns admiráveis barracões, inauditos paralelepípedos a destoarem na paisagem. Mas claro, nem tudo tem de ser belo, o útil importa. E contra isso nada teríamos a dizer, se não fosse a sua localização, tão descentralizada e inusitada, ter sido feita precisamente em cima de um património singular do concelho de Loures.
De facto, conhecendo o que dantes ali estava, parece que a localização dos barracões teve um mau intento desde o início, ou então que destruidores desígnios e coincidências levaram a que
tamanha obra tivesse de escolher ali o seu poiso efémero.
Mas então, que se situava ali que justificasse tanta verborreia? Ora nem mais nem menos do que as ruínas inacabadas do Sanatório de Montachique. Reza a história que o local foi várias vezes considerado uma fonte de saúde. As águas férreas do Cabeço eram já no século XVIII conhecidas pelos seus efeitos terapêuticos, tendo até sido engarrafadas e vendidas em Lisboa, no início do século XIX. Além das suas águas milagrosas, os seus ares mais puros e elevados despertaram, nesse mesmo século, a atenção de farmacêuticos e doutores.
De facto, a epidemia da tuberculose, que se espalhava pela Europa como fogo em seara seca, levou à proliferação de sanatórios. No meio dos sucessos e insucessos (75% dos internados morriam no prazo de 5 anos), percebeu-se que a altitude era uma chave essencial na cura. A proximidade de Montachique a Lisboa, tornou o cabeço num sítio com potencial para acolher
doentes. Chegaram a existir cinco casas de saúde na zona, e a população cresceu, ao ponto de alguns doentes constituírem família com as gentes locais. O maior desses sanatórios, seria o chamado sanatório de Albergaria Granella, cuja planta singular nunca chegou a ser concluída, deixando para a História um conjunto de paredes inacabadas, testemunho de uma época
conturbada.
O motivo para a sua inconclusão, deveu-se ao facto de Francisco Grandella, o principal accionista, ter ido à falência no pós I Guerra Mundial. E provavelmente o que faltou nunca foi reinvestido, pois a sua altitude não seria suficiente boa para curar todos os pacientes, que partiam para penedias no centro de Portugal, bem mais altas, como a Serra da Estrela.
Ora, estas ruínas foram durante anos motivo para visitas de curiosos – como o autor deste artigo – que com deleite percorreram a sua estrela de sete pontas, arquitectada por Rosendo Carvalheira e inspirada num dos graus da Maçonaria, ou tentaram encontrar o cofre cheio de dinheiro, que segundo o mito urbano, foi ali enterrado por Francisco Grandella. Escreve-se “percorreram” e não “percorrem” porque essas ruínas já não existem mais.
A Câmara Municipal de Loures, em conivência com a Junta de Freguesia de Lousa, determinou que o local seria mais apropriado para incentivar a industrialização local, achando por bem
fazê-lo precisamente em cima do Sanatório. Poderia ter sido ao lado, poder-se-ia ter respeitado a planta já estruturada, mas não. Total aniquilação foi a opção tomada.
O autor deste artigo interpelou por diversas vezes os responsáveis camarários pelo sucedido, tendo sido respondido que o local pouco valor teria. Para perdurar a memória bastariam, portanto, as fotos entretanto tiradas. Ora mesmo que se trate de uma obra inacabada, nada justifica esse desprezo, pois se assim fosse que dizer das capelas inacabadas do Mosteiro da Batalha ou do incompleto Palácio da Ajuda (e entretanto completado com outra obra modernista, num estilo muito em voga e que certamente ficará démodé em 20 anos). A título de exemplo leia-se o artigo anterior publicado sobre a Vila do Touro.
E o pior é que não faltaram oportunidades mais dignificantes. Inácio Roseiro, seu proprietário, pretendia aproveitar a estrutura para um lar de idosos ou um hotel, algo que não conseguiu por conflitos com a Câmara de Loures, acabando por vender o terreno. O que é certo é que o atentado fez-se, sem préstimo que compensasse o apagão histórico. Poder-se-ia ter feito o que se fez noutros complexos industriais (veja-se o caso de sucesso da Casa Hipólito, em Torres Vedras), mas não. É caso para dizer que os habitantes de Loures e os portugueses têm aquilo que permitem e que merecem.
Fortes, parques, antas e campos de futebol
Mas não deixemos que isto nos deixe de rastos. Aproveitemos antes para relembrar o sanatório, para que não morra na memória e toca a partir para relíquias próximas e relevantes. Perto estão redutos e fortes das Linhas de Torres que nos falam do passado bélico da zona, local de excelência para a sinalética militar. Noutra falda dos montes está o parque municipal de Montachique, que ainda mantem o carácter antigo da terra, como local para preservar a saúde, com uma boa floresta intercalada por equipamentos desportivos.
E para quem gostar de jogos de solteiros e casados, não há que hesitar. É só dar um salto Casaínhos, que além de ter uma anta megalítica, é um bom sítio para comer a bela da bifana, beber de um copo a transbordar e ver a performance inabalável dos jogadores, do árbitro e até do apanha-bolas.
Esperemos que a anta referida não seja também alvo de outro barracão. O seu estado actual e as acções dos locais e das entidades camarárias não nos dão bons auspícios.

Torres do Sanatório Albergaria Grandella

Ruínas, agora desaparecidas, do Sanatório Albergaria Grandella
Promoções para dormidas em Ponte da Barca
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=38.89618 ; lon=-9.18829