Ramal de Cáceres

by | 18 Set, 2019 | Alto Alentejo, Engenharia, Lugares, Monumentos, Províncias

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Gonçalo Ferreira Borges, pertencente à associação Clube de Entusiastas do Caminho de Ferro, dá-nos uma introdução a um activo esquecido do sistema ferroviário português: o Ramal de Cáceres.

Agradecemos desde já a entrevista e sem mais palavras vamos directos a ela.

O Ramal de Cáceres ligou, durante muitos anos, Madrid a Lisboa. A ligação das duas capitais ibéricas esteve na base da sua construção? É este o principal contexto histórico da sua criação?

Sim, o propósito da construção do Ramal de Cáceres foi mesmo esse, uma ligação entre Lisboa e Madrid, e servir como uma alternativa mais rápida à Linha do Leste para chegar à capital espanhola.

A Linha do Leste foi das primeiras ligações ferroviárias a ser construída, tendo chegado à fronteira com Espanha em 1863 (poucos anos após a inauguração do primeiro troço ferroviário do país, entre Lisboa e o Carregado, em 1856), mas falhava em aspectos importantes, pois a ligação a Madrid, tanto no lado português, como no espanhol, era mais longa e não muito directa.

E foi este o principal motivo para o planeamento e construção da importante via de comunicação que é o Ramal de Cáceres, inaugurado oficialmente em 1880 e encerrado a 15 de Agosto de 2012, mais de um século depois da abertura.

É uma linha repleta de história e com bastantes características interessantes, nomeadamente as suas poucas estações com painéis de azulejos lindíssimos e uma arquitectura algo diferente da esmagadora maioria das estações da rede ferroviária nacional e o facto de estar inserido em magníficas paisagens do Alto Alentejo e no parque natural da serra de São Mamede. Porém, a Linha apresentava um traçado difícil e sinuoso, com bastantes curvas e rampas com declives acentuados, o que automaticamente não permitia grandes velocidades e limitava os comboios de mercadorias. Por outro lado, algumas estações eram longe das localidades que serviam, concretamente em Vale do Peso e Castelo de Vide.

Sabemos que muitas povoações crescem ou nascem pela sua proximidade com determinadas estações de comboios. O Entroncamento é hoje um bom exemplo disso. Houve alguma povoação que tenha surgido no seguimento da construção do Ramal de Cáceres?

Sim, principalmente dois centros populacionais foram altamente influenciados pela construção do Ramal de Cáceres. O primeiro – Torre das Vargens – era o local onde o Ramal se separava da linha do Leste e, por isso, era um pólo ferroviário onde o fluxo das duas linhas de separava/juntava, concentrava bastante gente e bastante movimento. O segundo – a Beirã – onde se localiza a última e a grande estação Fronteiriça de Marvão-Beirã, surgiu ligada à ferrovia e aos seus trabalhadores, visto ser uma estação de fronteira, onde existiam pessoas ligadas à manutenção da via, aos serviços fronteiriços, à circulação de comboios, etc.

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Algum comboio ou estação do Ramal de Cáceres que mereça ser destacado por qualquer particularidade estética ou histórica?

Como referi, esta linha é repleta de interesse e história, devido às suas particularidades. As três estações principais – Vale do Peso, Castelo de Vide e Marvão-Beirã – merecem destaque pela sua arquitectura e beleza única, e, também, pelos seus vastos e belíssimos painéis de azulejos. Em termos de comboios, é importante destacar o TER e o Lusitânia Comboio Hotel, pelo seu carácter histórico, pelo material circulante utilizado e pelo facto de serem os comboios directos de ligação a Madrid. É claro que, não menos importantes, os comboios regionais também merecem destaque, pois foram extremamente importantes no Ramal para assegurar o serviço público e a mobilidade das populações e, além disso, foram efectuados por vários tipos de material circulante, desde as automotoras Allan ou as automotoras Nohab até comboios compostos por locomotiva e carruagem.

a Linha apresentava um traçado difícil e sinuoso, com bastantes curvas e rampas com declives acentuados, o que automaticamente não permitia grandes velocidades e limitava os comboios de mercadorias

Houve várias vozes, nomeadamente do poder autárquico, que se insurgiram contra o encerramento da linha, sobretudo quando o lado espanhol mostrou alguma vontade em manter o seu funcionamento. O que se passou do lado português que justificasse a decisão?

Quando se suprimiu o serviço regional do Ramal de Cáceres, houve uma grande concentração de autarcas, políticos, associações e populares que se juntaram para tentar travar a decisão. O encerramento dos serviços regionais que o Ramal tinha, teve como “justificação”, tal como todos os outros serviços já encerrados, o facto de não ser rentável e apresentar pouca receita face ao custo de exploração. Contudo, é sabido que grande parte dos serviços da rede ferroviária nacional não são rentáveis e, por isso, é visível que o motivo para o encerramento não tem sequer sentido algum. Posteriormente, o Lusitânia expresso deixou de passar pelos carris do Ramal de Cáceres por decisão da CP de o fazer passar pela Linha da Beira Alta, de modo a diminuir os custos de exploração e obter mais passageiros.

Após o encerro do Ramal de Cáceres, em 2012, qual o estado actual da linha?

Mais de 7 anos após o encerramento definitivo do Ramal de Cáceres, a infraestrutura mantém-se num estado razoável, creio que com inspecções periódicas. As estações de Castelo de Vide e Marvão-Beirã bem preservadas e com serviços de alojamento e actividades, mas, por outro lado, as restantes estações e apeadeiros encontram-se num estado de degradação mais avançado, devido a estes 7 anos de abandono.

Há algum tipo de actividades que sugira que possam ser feitas na zona, além da óbvia visita a um pedaço da história dos caminhos de ferro em Portugal?

Na zona envolvente do Ramal sugiro a visita à Vila de Castelo de Vide e ao Castelo de Marvão e seus arredores. Em termos de actividades, existe o projecto Rail Bike, que consiste em veículos ferroviários a pedal, que percorrem cerca de 15km do Ramal entre Marvão e Castelo de Vide, troço este que está incluído no parque natural da serra de São Mamede.

Gonçalo Ferreira Borges, mentor do Portugal na Linha

Chamo-me Gonçalo Ferreira Borges, tenho 16 anos e sempre gostei de comboios, especialmente do sistema ferroviário português.
Hoje em dia pertenço a uma associação – o CEC, Clube de Entusiastas do Caminho de Ferro – que divulga e promove o interesse por este tema. Sempre que viajo dentro ou fora de Portugal, tento conhecer todas as estações e linhas por onde passo e o sistema ferroviário local. Do meu ponto de vista, o comboio é a melhor forma de viajar – alternativa mais segura, mais cómoda, mais económica e sustentável.

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