Penedo de Lamas de Moledo
Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Se em Portugal há pedras conhecidas por curarem infertilidade às mulheres (como é o caso das Pedras Parideiras), outras por denunciarem o que o futuro nos traz (como acontece com as Pedras Baloiçantes), e ainda outras por terem mistérios difíceis de resolver (veja-se o exemplo da Pedra do Galo, associada a lendas de gigantes), algumas servem-nos de livro, tornando-se alvo das mais aprofundadas discussões acerca da história que passou por elas. É o caso do Penedo de Lamas de Moledo, uma pedra que diz tanto de ritos religiosos quanto da mescla linguística que se vivia na Ibéria romanizada.
A inscrição de Lamas de Moledo
O texto (se assim o podemos chamar), gravado em pedra no Penedo de Lamas de Moledo já deu pano para mangas.
Pelos anos fora, desde que se começou a falar dele (século XVII), várias opiniões surgiram, umas mais relevantes do que outras, e muitas mais interesseiras do que relevantes – como aconteceu com a argumentação do Padre José de Oliveira Berardo, que defendeu estarmos perante um marco que definia as fronteiras da diocese de Caliábria (o que, a ser verdade, poria a inscrição como original do século VII, para dizer o mínimo, algo que, por investigações recentes, não é verosímil).
Para cúmulo, a dada altura, houve até quem defendesse que aqui estaria um hino lusitano. Serve isto para confirmar a controvérsia que este pequeno aglomerado de palavras já causou. A provar toda a atenção que a inscrição merece está uma crença popular segundo a qual quem descobrisse o significado das palavras ali esculpidas teria acesso a uma fortuna em ouro.
Foi preciso chegar ao século XXI para que o Penedo de Lamas de Moledo fosse estudado com olhos científicos, chegando-se a um consenso que, contudo, ainda tem margem de erro. Para todos os efeitos, aquilo que consideramos agora como leitura, de acordo com as últimas investigações, é a epígrafe seguinte:
RVFINVS ET
TIRO SRIP
SERVNT
VEAMINICOLI
DOENT I
ANC. O M
LAMATICOM
CROVGEAIMAGA
REAICOI. PETRAVIOI R
ADO M PORC. O M IOVEA.
CAELOBRICOI
Interpretação da epígrafe de Lamas Moledo
Tendo em conta que se demorou três séculos a achar-se uma leitura completa da inscrição (e mesmo assim sujeita a críticas), imagine-se o que se pode dizer da sua interpretação.
Ainda assim, parece que há pelo menos uma suposição que reúne aprovação de vários investigadores: trata-se de uma pedra votiva.
O CROVGEAI parece fazer menção a Crouga, até pela comparação obtida numa outra ara, esta situada na Freixiosa (em Mangualde, ali perto). Quanto ao IOVEA que se lê na penúltima linha, provavelmente refere-se a uma deidade com o mesmo nome.
E quem são Crouga e Ioeva? Possíveis divindades protectoras de dois povos lusitanos (Veaminicori e Petravioi, respectivamente), de culto pré Roma embora assimilado pelo império romano (Ioeva poderá até ter relação com Júpiter).
O ritual votivo deveria envolver o sacrifício de animais, mais especificamente de um porco (mas possivelmente outros), conforme lemos PORCOM. A ara relata-nos também que o rito foi determinado ou oferecido por dois responsáveis romanos, Rufino (RVFINVS) e Tiro (TIRO).
Duas línguas num só texto
Outra qualidade que a inscrição revela é que aqui se testemunha a força que as línguas autóctones lusitanas (provavelmente indo-europeias) tinham numa altura em que Roma já se tinha definitivamente instalado na península.
Com efeito, a ara dispõe de partes em latim mas também de uma outra língua desconhecida que temos por nativa.
Significa isto que, admitindo que a data da inscrição é do século II ou mesmo do século III, estamos num período em que a língua invasora ainda não tinha total supremacia, evidenciando uma certa casmurrice dos povos autóctones (neste caso, lusitanos) em alinhar pela cultura romana.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=40.831088 ; lon=7.909115