Núcleo Museológico da Ermida

by | 19 Mar, 2025 | Lugares, Minho, Monumentos, Museus e Exposições, Províncias

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O Núcleo Museológico da Ermida é pequeno, não mais que uma antecâmara que acede a uma solitária sala. Além disso, fica fora de mão: leva-se cerca de meia hora para ir desde Ponte da Barca até à serrana aldeia da Ermida, mais outra meia hora para regressar. E, a piorar, por vezes está fechado, sobretudo no Inverno, altura em que fui, sendo necessária chamada para a Junta de Freguesia para que alguém se disponibilize a destrancá-lo.

Porém, como gratificação, guarda dentro de si duas pedras de enorme valor histórico, deixando os poucos habitantes do burgo com justificadas peneiras por hospedarem tão nobres peças.

Os achados da Pedra dos Namorados e da Estátua-Menir da Ermida

Os dois principais objectos do Núcleo Museológico da Ermida são a Pedra dos Namorados e a Estátua-Menir da Ermida, e apresentam-se como a razão para qualquer visita que cá se faça. A primeira é menos antiga na origem mas mais antiga na descoberta; a segunda, o inverso.

Comece-se então pela Pedra dos Namorados, achada em 1903 a leste da aldeia onde agora repousa, próxima das Cortes de Bilhares, secular recinto com casas de granito e colmo ainda usado para recolha do gado nos meses do Estio. A descoberta foi de tal magnitude que, em sua homenagem, o espaço se passou a chamar de Veiga dos Namorados. Destapada a pedra, logo se fez questão de a levar para fora dali, afim de ser estudada em condições por olhos académicos.

Foi o seu destino, portanto, a cidade do Porto, onde ficou exposta no Museu Soares dos Reis. Só depois de muita pressão popular, e até de um pedido pessoal do Presidente da Junta aproveitando a visita do Presidente da República Mário Soares – segundo me foi contado pelo senhor que amavelmente me abriu as portas do museu -, é que retornou a casa, em 1987. É, desde logo, revelador de quanto estas imagens importam na identidade colectiva de um povo o facto de que tenham sido as posteriores gerações (compostas por pessoas que apenas tinham ouvido falar da Pedra dos Namorados sem nunca a ter visto) a insistir na vinda da pedra para a aldeia natal.

É dúbia a sua origem. Pré-romana, talvez. Das tribos autóctones mas já romanizadas, outra hipótese. E o mesmo se especula quanto ao seu uso. Seria o tampo de uma urna, que alojava dois corpos, dispostos lado a lado, que se amaram em vida? Seria um marco vertical celebrativo de alguma coisa, de uma união, de uma família? O facto de mal se reconhecerem os objectos que cada um dos personagens esculpidos carrega na mão – e é certo que alguma coisa levam – não ajuda a que se façam comparações, atribuições de época ou estudos de simbologia.

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Curioso que em baixo, em rodapé, se observa um animal de quatro patas. Seria um cão que, do lado oposto, contava com imagem simétrica, não fosse a lápide estar cortada nesse canto? A ser um cão, teria algum significado? Significaria o canídeo a lealdade entre o par de namorados representado em cima?

Menos problemas em formular teorias assertivas tem o povo, que viu aquele retrato enternecedor de uma figura feminina com saia e coifa, à esquerda, e de outra masculina de cabeça destapada, à direita, ambas de mãos dadas, e rapidamente lhe gravou o nome de Pedra dos Namorados. Porque namorados é aquilo que parecem e, como tal, é isso que lhes chamamos.

Os dois rostos da Pedra dos Namorados

O par de namorados do Núcleo Museológico da Ermida

Um espigueiro já muito maltratado pelo tempo

Espigueiro na eira, aldeia da Ermida

Aspecto da Estela-Menir no Núcleo Museológico da Ermida

Estela-Menir no interior do Núcleo Museológico da Ermida

Quanto à Estátua-Menir da Ermida, a sua insólita descoberta dá, por si só, uma história. Isto porque tão importante artefacto foi embutido numa parede-meia. Alguém da terra, há umas boas décadas, ou mesmo séculos, desconhecendo o valor do que tinha em mãos, usou a estátua como material de um oitão repartido entre uma corte e duas casas, juntamente com outras pedras aparelhadas de granito, como se fosse apenas um bloco igual a qualquer outro. Imagino quantos destes diamantes não haverá por aí…

Inventariada para estudo, o povo da Ermida tentou impedir a sua retirada. Escaldado com o que se tinha passado com a Pedra dos Namorados, que naquela altura ainda se encontrava no Museu Soares dos Reis, a população só concordou com a saída da estátua quando se acautelou o seu regresso – que se veio a verificar com a abertura do Núcleo Museológico em 1984.

A Estátua-Menir da Ermida é mais fácil de corresponder a um certo padrão de pedras ornamentadas da Idade do Bronze ou mesmo do Calcolítico: inclui-se nesse vasto mundo das estátuas desenhadas em pedras estreitas e altas (em menires), de duas faces ou tridimensionais, representativas de determinada pessoa ou determinado Deus, e com instalação vertical – nelas, nessas estátuas proto-históricas, determinados motivos picados na rocha, relacionados com determinada anatomia ou adereço ou peça de roupa, acabam por lhe entregar um aspecto feminino ou masculino. Neste caso, tendo em conta o fácil reconhecimento dos seios, desenhados a partir de uma covinha em circunferências concêntricas, facilmente reconhecemos a figura de uma mulher.

António Martinho Baptista, que dedicou um pequeno livro à estátua da Ermida, deixa a pergunta: “Representará a escultura da Ermida uma personagem real ou um ser idealizado?”. Mais à frente, faz mira a diversas hipóteses – será um “espírito tutelar”, uma “heroína ou personagem heroízada”, a “representação de um defunto”, um “espírito protector”? Será uma “Deusa”? A este respeito, a preferência pelo género feminino no exemplar da Ermida contraria a maior parte da estatuária coeva desenterrada no noroeste ibérico que, em regra, apresenta a imagem de homens. Será esta a Deusa-Mãe? A mesma Deusa-Mãe que eventualmente se identifica no lendário Penedo do Encanto, nos afloramentos da Bouça do Colado, aqui bem perto, na aldeia de Parada de Lindoso?

Um mistério que parece indiferente às poucas pessoas que não emigraram da Ermida. Essas resistentes almas tratam a sua estátua como um berrão, um totem protector dos seus, e não descansaram enquanto não a viram dentro das suas estreitas fronteiras – a ela e à pedra com o ternurento par de apaixonados que agora é sua companheira de salão.

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Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.81965 ; lon=-8.25855

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