Lenda da Serra da Estrela

by | 13 Nov, 2020 | Beira Alta, Beira Baixa, Lendas, Mitos e Lendas, Províncias

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As várias narrativas referentes à Lenda da Serra da Estrela, com todas as suas modificações – que de resto são da praxe -, tem em duas personagens o centro da sua história: o pastor e a estrela. A relação entre ambos explica, no imaginário popular, o nome que se deu à magna serra portuguesa.

A lenda

Era uma vez um pastor que vivia com a ideia de partir para mais além. Como bom pastor, tinha como sua fiel companhia o cão que lhe guardava o rebanho.

Uma noite, quando o céu desimpedido mostrava todas as suas estrelas, houve uma que caiu sobre a terra para lhe falar. A estrela disse que, se apontasse caminho na sua direcção, iria encontrar o destino com que sempre sonhara. E depois do anúncio, regressou ao céu.

E então os dois, cão e pastor, partiram. Sempre no sentido da estrela que lhes falou naquela noite estrelada. Caminharam dias, meses, anos. E por fim chegaram a uma alta e bela serra. Tão alta que ficavam bem perto da estrela que os ajudou, e assim puderam tornar a falar com ela, sempre que a noite chegava.

Ali decidiram viver o pastor e o seu cão, felizes, até o tempo lhes trazer a morte. A estrela lá ficou. Hoje, é mais brilhante do que as outras. Por ter conhecido o amor de um pastor. E por ter a sorte de saber o que é a saudade.

Alternâncias à Lenda da Serra da Estrela

A Lenda da Serra da Estrela por vezes é contada em moldes diferentes. Há quem diga que a estrela surgiu ao pastor através de um sonho. Outros relatam que o cão do pastor morreu a meio da viagem. Leite de Vasconcelhos, por seu lado, expôs uma versão onde o pastor, depois de seguir uma estrela até ao topo de uma montanha, se tornou rei. André de Resende dá conta de alguns testemunhos de pastores que assim chamaram a serra por causa de um penedo cuja forma muito se assemelhava a uma estrela. E, por fim, certas narrativas falam ainda de um monarca que invejava um pastor por este conseguir falar com uma estrela quando se encontrava no topo de um elevado monte.

Nenhuma delas, contudo, elimina da história os dois personagens principais – o pastor sonhador, e a estrela falante.

Pode a lenda explicar a realidade?

Sabemos que a designação antiga para a mais alta serra de Portugal continental era montes hermínios, nome que ainda se mantém entre visitantes mais eruditos. O nome Serra da Estrela teria surgido depois, e talvez se referisse apenas a uma parte dela, a do Malhão da Serra, vulgo Torre, conhecida actualmente pelas duas torres de cúpula esférica que elevam o monte até aos 2000 metros. Contudo, estas torres não terão sido as primeiras aqui construídas. O Malhão da Serra foi, ao longo do tempo, vítima de intervenção humana – sempre ali quiseram colocar um marco, numa celebração à sua máxima altitude. Nesse sentido, há quem defenda que o nome estrela evoluiu de stelae, que se poderia traduzir hoje em dia por coluna ou marco.

Paulo Loução, mencionando uma expedição de 1881, refere que na montanha existiria um templo pré-cristão dedicado a Lúcifer. Não entendamos Lúcifer, neste caso, como o diabo. Lúcifer teria aqui a sua acepção primitiva, enquanto portador da luz, também conhecido por Vénus – já abordámos esta temática a propósito da Ribeira do Lucefécit. Admitindo esta hipótese, Vénus, a estrela da manhã, teria inspirado o nome dado à serra. Paulo Pereira refere algo similar, apontando a estrela polar como a origem etimológica da designação corrente.

Guardei, porém, a hipótese mais fascinante para o fim. Recentemente um astrónomo português, de nome Fábio Silva, deixou-nos uma sugestão encantadora. Começou por estudar o megalitismo próximo da serra, nomeadamente os dólmens. Chegou à conclusão que todos eles estavam virados para a Serra da Estrela, concretamente para uma das suas encostas, e que nesta, há 6000 anos, no final de Abril, nascia a mais brilhante das estrelas da constelação Touro: a estrela Aldebarã. O final de Abril era, possivelmente, a altura em que todos os pastores das cercanias pegavam nos seus rebanhos e se deslocavam até ao monte. A estrela Aldebarã funcionaria assim como um despertador no calendário da pecuária primitiva. E daqui surgiria o nome Serra da Estrela, contrariando a ideia de que montes hermínios seria a terminologia ancestral. Tomando esta teoria como verdade, não podemos deixar de considerar deslumbrantes as semelhanças que existem entre factos históricos (os pastores que seguiam uma estrela até à serra) e narrativas lendárias (o pastor que, com o seu cão, ouve um apelo de uma estrela que o levou à serra). Estaremos a falar de uma história que sobreviveu milhares de anos e que, com todos os pontos que se vão acrescentando de geração em geração, nunca perdeu a essência do seu real significado.

 

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