Homem da Maça

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Que misteriosa estátua é esta a que o povo do Porto e arredores conhece por Homem da Maça e a quem pedem favores casamenteiros?
Em Santa Cruz do Bispo, uma figura de pedra conhecida por Homem da Maça é requisitada para emparelhar homens e mulheres no dia de São Brás.
A estátua do Homem da Maça
Está localizada junto a um cruzeiro que se levanta de um afloramento granítico, no cume do monte de São Brás, em Santa Cruz do Bispo, santo com o qual é muitas vezes confundido. A maça, entretanto, foi-se, estando ambos os membros superiores parcialmente decepados (e já agora, parte dos inferiores também).
Quanto à sua origem… ora aqui está uma das grandes questões – e grande porque estabelece as premissas para todas as outras.
Não sabemos ao certo se a escultura é do período romano ou se é do período renascentista. Uma dúvida que é fulcral tirar a limpo dada a enorme distância temporal entre os dois períodos históricos. É certo que os rituais que a estátua reúne sobre si (e que serão descritos mais à frente) dão a entender que estamos perante uma peça de época remota, quando a Ibéria ainda era politeísta, mas não quero deixar de reportar a opinião de quem se dá ao trabalho de estudar estes assuntos e que defende tratar-se a obra de recorte mais recente.
No entanto, admitindo a teoria de se tratar de uma escultura romana, há uma hipótese que já foi deixada no ar e que, como veremos, parece ter demasiadas peças a encaixarem bem umas nas outras: a de que se trata de uma representação de Hércules. E disto já falaremos mais abaixo.

Um Deus casamenteiro?
A confusão que é feita quanto à sua identidade, sendo muitos os que têm o Homem da Maça como uma figuração de São Brás, pode estar relacionada com o posicionamento da estátua em anos passados. Ela encontrava-se ao lado da Capela de São Brás, talvez como forma de fundir todos os ritos pagãos que a estátua carregava com monumentos ou altares católicos entretanto construídos – e São Brás, habitualmente pintado com farta barba, fazia passar-se pelo guerreiro presente na críptica escultura.
Ao lado do Homem da Maça encontra-se um animal, talvez um mamífero embora também possa ser um animal mitológico, e que dá alento à lenda que se vai contando e que versarei em baixo.
Virtudes casamenteiras do Homem da Maça
Em Fevereiro, nos dias 2 e 3 mais concretamente, bem como no primeiro Domingo a seguir a estas datas, homens e mulheres juntam-se para fazerem pedidos de amor ao Homem da Maça.
As mulheres abraçam-no e recheiam-no de flores. Os homens regam-no de vinho com uma pequena malga de barro. Dádivas que tudo têm de pagão e desse velho costume de chamar pela força fecunda da natureza e, no caso, pelos poderes casamenteiros das pedras.
Feitos os pedidos, espera-se um ano. Se ao final desse tempo não forem atendidos, lá se regressa ao Homem da Maça no Fevereiro seguinte. As meninas e meninos mais crentes nos seus poderes reafirmam os seus desejos e esperam outros doze meses se for preciso. No entanto, aos homens vingativos é-lhes dada a autorização para partirem a malga com que regaram a estátua no ano anterior na cabeça do Homem da Maça.
Lenda do Homem da Maça
O povo tem este constante vício de alimentar uma explicação para coisas que, aparentemente, carecem dela. Todavia, como acontece quase sempre, as lendas explicam mais do que a superfície da sua narrativa deixa antever.
Houve um tempo, nestas terras imediatamente a norte do Porto, no actual concelho de Matosinhos, em que um leão espalhava o terror, matando gente indiscriminadamente, até jovens robustos e aptos a se defenderem. Ninguém o conseguia derrotar.
A coisa durou. Durou mais do que devia e a povoação foi ganhando pavor a sair à rua, com receio de avistar o leão, ou pior, que o leão a avistasse a ela.
Um dia, contudo, tudo mudou, e para melhor. Mas não sem alguém ter sucumbido em prol dos outros. Um homem que caminhava para casa, de regresso do Rio Leça, onde tinha ido maçar o linho, deu de frente com o leão. O homem, agarrando na maça que carregava consigo, cerrou os dentes e, pedindo ajuda divina, avançou. Envolveram-se numa luta tão violenta que terminou sendo fatal para ambos.
O povo, apesar da morte de um seu conterrâneo, não deixou de ficar aliviado. Mas agradeceu a coragem do homem que matou a fera, construindo uma estátua onde se pode ver uma figura em pose guerreira, segurando uma maça na mão, e tendo abaixo de si o leão, prestes a dar o último suspiro.
O tal leão é a figura animalesca que vemos imediatamente ao lado do Homem da Maça que parece mais ser uma gárgula ou um símio do que propriamente o mamífero a quem apelidamos de rei da selva.

Mosaico de Hércules
Hércules e o Homem da Maça
Conhecida a lenda, venham as coincidências.
Hércules manejava uma maça, sendo esta tida como a sua arma. E também Hércules teve um episódio famoso, o da luta contra o Leão da Nemeia, tido como o primeiro dos seus doze trabalhos: o Leão de Nemeia assemelha-se ao da lenda do Homem da Maça – uma fera que amedrontava o povo e que ninguém conseguia vencer até chegar Hércules que, com a ajuda de uma maça, o matou (ver imagem de mosaico em cima).
Isto já bastaria para que se pusesse, com justa seriedade, a hipótese de estarmos na presença de uma estátua de Hércules, possivelmente até como forma de Roma reconfigurar rituais pagãos pré-romanos que deveriam ser olhados por uma nova lente, assente na mundivisão romana (ou helénica) e não autóctone – é bom lembrar que não foi só a igreja que substituiu antigos Deuses por novos santos ou divindades…
Mas há outra pista que aponta neste sentido. Matosinhos. O topónimo de Matosinhos, segundo alguns investigadores, pode ser partido em dois. De um lado, o latim sinus, traduzindo-se por porto de abrigo: Matosinhos. Por outro, Amato, que completaria o nome: Amatosinus, que derivou em Matosinhos.
E quem era Amato? Amathus, filho de Hércules, que segundo uma outra lenda fundou uma das cidades reais da ilha de Chipre, também portuária, tal e qual como Matosinhos.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.21962 ; lon=-8.66189