Fumeiros e Enchidos – Entrevista a Nuno Diniz

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Foi numa soalheira tarde do fim de Fevereiro que segui até Sezelhe, no Barroso, Trás-os-Montes, para conversar com Nuno Diniz, o cozinheiro, o professor, o escritor, o viajante, o homem da rádio e do rugby, e o compositor na agenda que ainda lhe sobra. Uma vida cheia. Tão cheia que me ficou a dúvida se ele teve tempo para dormir.
Foram duas horas a guiar pelos montes e portelas do Gerês transmontano, o meu favorito, em estradas que conheço bem. As cristas das serras-fronteira entre Portugal e Galiza ainda estavam açucaradas da neve que caiu há três ou quatro dias e o ar estava o de sempre, uma injecção de saúde – em nenhum sítio se respira como um gajo respira no Gerês, é uma inalação de vicks a cada inspiração, sobretudo quando está frio.
Chegado à aldeia, foi-me indicado por um tractorista que a casa do Nuno ficava lá para cima. Como se fosse possível no concelho de Montalegre alguma vez estarmos lá para baixo. Mas lá fui. E com a ajuda de um telefonema dei com a casa, um velho palheiro restaurado a granito e madeira. O Nuno lá estava, junto à porta e junto à horta. Explicou-me em cinco minutos o que estava a plantar por ali. Perguntou-me se queria fazer a entrevista dentro ou fora. E em poucos segundos concordámos em aproveitar o sol.
Disse várias vezes que este livro era um trabalho em construção até que chegou o ponto em que ou o lançava ou ficaria na gaveta.
[Nuno Diniz] Sim, esteve para não acontecer. Aconteceu muito por causa de um aluno, o meu melhor aluno de sempre, que insistiu tanto tanto tanto para eu escrever o livro, para formalizar o livro. Foi um livro que me levou catorze anos a escrever. São muitos anos de investigação. E é um livro relativamente frustrante, apesar do orgulho que eu tenho nele, porque assim que o acabei comecei a descobrir mais coisas. Por isso o livro, neste momento, sendo obviamente a maior recolha de sempre feita em Portugal sobre fumeiro, já precisava de mais 25 ou 30 coisas diferentes que eu encontrei entretanto.
E seguindo essa busca pelo fumeiro, foi isso que o trouxe a Sezelhe. Eu não lhe vou perguntar o que é que tem aqui que não tem em Lisboa, porque é óbvio o que é que tem aqui que não tem em Lisboa…
Sim, é óbvio. A começar nisto, nesta capacidade que nós temos de, num dia de sol, estarmos sentados na rua com este clima magnífico. Se eu não estivesse agora a ouvir música a única coisa que se ouvia aqui seriam passarinhos…
Que é música também…
Que é música também. Tenho espaço, tenho verde, tenho total ausência de poluição. Esta é a zona de Portugal menos poluída. Não há uma fábrica. Não há nada para poluir. Nada. Até as famosas histórias da mina, felizmente, são longe daqui.
Da mina?
Da tal mina de lítio. Descobriram lítio, mas é longe daqui. Aqui não estou afectado. Portanto tenho tudo aqui. Num dos últimos períodos em que dei aulas – eu estava a dar aulas em períodos muito concentrados porque não queria estar em Lisboa -, uma das câmaras que tenho aqui [por casa] dispara, e reparei, de Lisboa, que andava gente por cá. Não liguei muito porque isto é muito pacífico. Quando regresso, três ou quatro dias mais tarde, tinha um monte de lenha à porta. As pessoas vieram trazer-me lenha porque pensaram “este gajo é lisboeta” e tal. Imagine isto em Lisboa. Roubavam logo a lenha, é evidente.
Mas a minha pergunta até vai noutro sentido. Normalmente um alfacinha quando pensa em mudar-se para o campo a primeira ideia que lhe vem à cabeça é o Alentejo, no limite o Ribatejo. Por isso o que pergunto é mais o que é que tem aqui que não tem no Alentejo, por exemplo.
Aqui é um Portugal mais antigo. Muito mais antigo. Isto parou no tempo. Eu calculo que isto deva estar mais ou menos igual àquilo que era há 250 ou 300 anos. Tenho menos gente. Isto é uma aldeia que tem 12 ou 14 pessoas. E tenho qualidade de vida, ao nível de custo de vida e de ter tudo disponível, até de coisas tão simples como ter um hospital… eu estou a 35 ou 40 minutos de um hospital. Em Lisboa, onde tinha hospitais encostados a mim, não chego a nenhum a menos de 40 minutos e é se o trânsito não estiver muito mau. Porquê aqui e não no Alentejo? Porque aconteceu eu vir mais cá para cima e eu tenho mais a ver com este tipo de ambiente do que com o Alentejo. Podia ser o Alentejo? Podia, perfeitamente. Podia ser o Algarve absolutamente interior? Podia, perfeitamente. Calhou ser aqui.

“Entre Ventos e Fumos“, o livro que pôs água na boca deste escriba
Li no seu livro, por várias vezes, a palavra preservar. E também a palavra progresso, mas entre aspas, num sentido mais pejorativo. Isto lembrou-me um bocadinho o que o Miguel Esteves Cardoso disse, de que ser conservador é a celebração do que nós temos agora. Apesar de ter tido um restaurante chamado “Revolução”, considera-se um conservador?
Não. Evidente que não. Eu tenho um discurso que, se não entendido na plenitude ou se não bem explicado pela minha parte, pode parecer conservador, mas eu não sou conservador, sou uma pessoa que acredita claramente em andar de forma decidida para a frente, só que não me vou esquecer nunca de olhar para trás, o que são coisas completamente diferentes. Eu não digo “dantes é que era bom”. Aliás, eu relembro que quando foi o 25 de Abril tínhamos quase 70% de analfabetos, por isso um gajo dizer que antes do 25 de Abril é que era bom é uma idiotice extraordinária. Não sabem do que estão a falar. Não havia nada que fosse bom. Era tudo mau. Eu pertenço a uma família da burguesia lisboeta, uma família conservadora, de Direita, e eu sou exactamente o oposto disso tudo. Não sou nada conservador. Não olho para trás com nostalgia.
Agora, olho para aquilo que é bom com a perspectiva de quem não quer perder o bom. Quero perder tudo o que é mau, tudo o que é opressivo, tudo o que é atrasado. O que cheira a mofo, não estou interessado. O que tem valor, não só simbólico, mas que tem valor prático, que tem um prazer único – e a comida é um bom exemplo -, eu quero preservar.
Tendo ao longo da minha vida cozinhado em perto de 90 países – já disse isto várias vezes, 99,5% dos portugueses nem sequer consegue dizer o nome de 90 países, muito menos os conhece -, tenho uma visão mais aberta sobre o que é que é o mundo. E essa visão mais aberta fez-me perceber que se há magia no modernismo que encontramos em Nova Iorque ou Londres ou Paris, também há uma magia claríssima nas tradições razoavelmente mantidas da Papua-Nova Guiné. É este equilíbrio que acho que devemos procurar, no sentido de não olharmos para trás para dizer que era tudo uma merda, nem de olhar para a frente para dizer que no futuro é que está a solução. Nada disto é verdade. Temos de jogar neste equilíbrio constante entre a nossa história, que é a nossa essência, e que tem coisas boas e más, e aquilo que queremos fazer. Portanto, respondendo muito rapidamente, não sou mesmo conservador. Sou um moderado a olhar em frente.
E já agora, essa questão da preservação, também é uma coisa muito daqui de Trás-os-Montes? Quando falamos em Trás-os-Montes, o nome é muito sugestivo. Estes montes ajudaram a preservar muita coisa?
Sim. Aliás, isso era uma aula que eu de vez em quando dava. De três em três anos lembrava-me dela, que é o discurso sobre o progresso. Começava a aula a dizer “não há nada pior do que o progresso”. Eu dava aulas em inglês, dava Culinary Arts, onde o mínimo de escolaridade obrigatória para entrar no curso era o 12º ano, por isso não estava exactamente num registo de criancinhas ou de gajos ignorantes. E tinha uma percentagem bastante elevada, diria 50%, de pessoas licenciadas que decidiram mudar de vida. Portanto, é preciso agarrar a turma, e quando uma pessoa começa a aula a dizer “o progresso é uma merda, é a pior coisa que existe”, faz-se um silêncio absoluto, começam [os alunos] a olhar uns para os outros, aquelas coisas que nós sabemos. E depois explicava que realmente o progresso é magnífico mas durante muitos anos o principal objectivo do progresso era dizer que o que estava para trás não prestava. Isto é varrer o passado para baixo de qualquer coisa.
O progresso aqui teve um problema que é isto chamar-se Trás-os-Montes. E portanto o progresso teve de subir os montes. E a meio da subida o progresso ficou muito cansado e voltou para trás. Esse era o progresso destrutivo, era o progresso dos anos 40, 50, 60, 70, que era extremamente destrutivo. O objectivo era mesmo dizer “esqueçam tudo o que viram, agora é assim, agora é margarina, agora é óleo”. Aqui, quando o progresso finalmente consegue subir os montes, já era um progresso com alguma preocupação de preservação, já não dizia “é tudo uma merda”, dizia “nós podemos viver melhor”. Sem alterar um estilo de vida, este progresso queria criar outro tipo de conforto. Portanto, Trás-os-Montes beneficiou deste isolamento. Quando eu digo que isto está parado no tempo, isto está mesmo parado no tempo.
O progresso aqui teve um problema que é isto chamar-se Trás-os-Montes. E portanto o progresso teve de subir os montes. E a meio da subida o progresso ficou muito cansado e voltou para trás.
Sim. Vê-se em muita coisa. Na ancestralidade dos caretos…
E vê-se na percentagem gigantesca de casas que não têm casa de banho. As pessoas acham que isso é impossível de acontecer hoje em dia, e não é impossível de acontecer. Aqui o progresso chegou muito devagarinho. Eu gosto do progresso que é cauteloso, do progresso que tem princípios, do progresso que respeita. Esse progresso eu estou interessado. Não o outro progresso dos anos 60, ou meados dos anos 60… Posso dizer que a minha casa era no Castelo, onde havia três ou quatro padarias que acendiam o forno com lenha…
A sua casa onde? Em Lisboa?
Em Lisboa. As padarias coziam o pão uma vez por dia. E depois repentinamente o progresso chega e diz assim: “isto é uma grande merda, dá muito trabalho, agora o que é bom são os fornos eléctricos e fazer pão que a gente consegue fazer em dez minutos”. E repentinamente, o pão de Lisboa, a exemplo do pão do resto do país, que era um pão a sério, transformou-se num pão mariquinhas. Estamos a falar daquele pão que meia hora depois de cozer, ao comê-lo, parece um bocado de borracha.
Isto é um dos tais exemplos onde o progresso meteu os pés pelas mãos, progresso esse que anos mais tarde vem dizer que temos de olhar para o pão do passado. E isso agora tornou-se numa coisa hiper maçadora. Um gajo agora vai a uma padaria moderna e aparece um puto de 24 ou 25 anos que começa com uma teoria do caneco, a julgar que está a impressionar, mas está muito enganado – no meu caso está a lidar com alguém que continua a saber mais do que ele. Vem com uma conversa sobre autólises, retardamentos, massas-mães… e depois um gajo come o pão e ele está excessivamente ácido, quase sempre, porque o tempo de fermentação é um exagero, normalmente cozem-no demais, e que custa 5 ou 6 euros… Eu venho aqui [a Sezelhe], com velhos e velhas que fazem pão há dez mil anos da mesma maneira, não sabem o que é que quer dizer autólise, não sabem o que quer dizer retardamento, e tenho umas broas de centeio enormes que me vendem por 2 euros e são dez vezes melhores.
Portanto, o progresso anda neste equilíbrio difícil entre o que estava, o que foi corrido, e o que vamos tentar recuperar. E temos alguma tendência em recuperar, não de uma forma séria mas de uma forma progressista onde o objectivo é, em primeiro lugar, impressionar saloios. Dou um exemplo em Lisboa de uma padaria que apareceu com bom pão, chamada Gleba, e que no outro dia comprei lá um pão e aquilo dá vontade de chorar – começou a vender muito, e quando se vende muito as teorias do trigo barbela, das autólises, dos retardamentos, vai tudo por água abaixo, porque isso exige muito tempo. Portanto estamos sempre neste equilíbrio difícil.
Certo…
Vai ser um sofrimento para si pôr isto em texto. Quem vem entrevistar-me leva com isto… Ao contrário de outros que só respondem por mail e em monossílabos.
É verdade. Mas prefiro estas. E agora indo um pouco aos fumeiros e enchidos… Sobretudo no caso dos fumeiros, qual a razão para se concentrarem mais na região Norte, ou Beiras e região Norte, e menos no sul? É o clima?
É o clima. A explicação é relativamente óbvia. Nós neste momento estamos em plena e dramática mudança climática. Eu não sou daqueles idiotas que dizem “não, não mudou nada, isso são os da Mortágua que querem convencer as pessoas!”. Não, o clima mudou radicalmente. Era impossível nós estarmos aqui sentados em Fevereiro. Estarmos ao sol a conversar aqui fora. Nós estamos numa região que, nesta altura do ano, há trinta anos, estava coberta de neve, e assim ficava durante três ou quatro ou cinco meses. Agora temos neve dois dias por ano. Portanto, mudou radicalmente.
Como o clima aqui era muito diferente, o fumo era a forma de preservar o alimento. O que é que é o fumeiro? O fumeiro não é mais do que um aproveitamento do porco que está em casa, no sentido em que cada família tinha um porco, ou dois, ou três, e a ideia era produzir para casa. Ninguém vendia fumeiro. Como é para produzir para casa, e sabendo que quem mata um porco tem uns 200 quilos de carne, tem de descobrir formas para que essa carne não se estrague. Não há frigoríficos, aqui também não fariam muita falta. Portanto o que é que há? Há sal e há a descoberta do fogo. Com a descoberta do fogo começam a aparecer os primeiros defumados por engano, ou seja, percebeu-se que quando as coisas apanhavam fumo duravam mais tempo.
Assim que começamos a ir para o Alentejo temos uma cura completamente diferente. É uma cura natural, embora também haja quem faça fumeiro no Alentejo e no Algarve. Mas é muito mais normal a cura natural porque esta tem que ver com as mudanças climáticas entre o dia e a noite, ou seja, o contraste do muito quente para o muito frio também vai ajudar a preservar os alimentos.
Já o fumeiro daqui é uma coisa única e razoavelmente intocada. Se nós formos a dez aldeias aqui em volta, estamos a falar de 10 quilómetros quadrados, e comprarmos dez chouriças, as dez chouriças são diferentes. Mas pior. É que se nós ficarmos só nesta aldeia, e formos lá abaixo a casa da Rosa, lá abaixo a casa da Mónica, e lá abaixo a casa do Bento, e comprarmos uma chouriça a cada um, continuam a ser diferentes. Isso é algo que é muito mágico. E isto é a negação absoluta e pura, no bom sentido, do progresso. Não entrou aqui a normalização. O facto de não haver normalização é o que dá esta extraordinária diversidade em que cada pessoa faz à sua maneira. Isto permite-me fazer o que tenho feito. O meu último cozido foi feito com seis aldeias de Montalegre e seis aldeias de Boticas, de cada aldeia foram seis ou sete produtos, portanto já estamos a falar de quarenta e tal coisas diferentes dentro do prato, e ainda nem chegámos às hortaliças. Dessas quarenta e tal há para aí umas oito que são chouriças de abóbora, e até um cego-surdo-e-mudo-sem-língua que meta aquilo na boca diz: “porra, esta merda é diferente da outra”. Pois, porque é feita por outra pessoa.
Essa normalização de que fala é uma forma de uniformização, certo?
Sim. É estabelecer regras. Começar a medir. Ah, isto tem de levar só três gramas de sal por quilo porque o sal faz cancro… E depois também não pode ser fumado porque o fumo faz cancro e portanto dêem-lhe uma injecção de uma merda qualquer… E depois tem de levar uma grama de colorau… Isto é a negação absoluta desta arte que é uma arte milenar, e que tem que ver com a não codificação.
É uma história muito comprida e levávamos muito mais tempo a falar disto. Mas o analfabetismo de que eu falava há bocadinho levou a que as coisas não fossem escritas. Quem sabia escrever eram as classes dominantes e mesmo assim… A última coisa sobre a qual escreviam era sobre chouriços. A família do conde da Guarda, fosse lá o gajo quem fosse, ia escrever sobre chouriços e sobre morcelas? É evidente que não. Quando escreviam era sobre coisas que para eles eram interessantes. Portanto, aqui não existe codificação, e enquanto eu tiver força, vou lutar para que continue a ser assim. A nossa gastronomia vai continuar única porque vive desta quase improvisação que é a negação daquilo que um professor a sério deve ensinar numa escola, mas que é exactamente o que fiz durante todos os anos em que fui professor.
Eu repetia [aos meus alunos]… “Atenção: não há formas certas de fazer as coisas”. Quando alguém vos disser “não é assim que se faz”, quando vocês forem chefs e vos disserem “não é assim que se faz”, podem responder assim: “o chef Nuno Dinis pediu-me para lhe dizer que você é uma besta!”. Porque o gajo é um ignorante de merda e não sabe o que está a dizer. Ninguém pode dizer que não é assim que se faz quando nunca ninguém soube como se fazia. É mentira quando um gajo diz que tem a receita original. As únicas receitas originais que eu tenho são as minhas. E você tem as suas. E o José Avillez tem as dele. Agora eu tenho a receita original dos rojões? Rojões que é uma coisa aqui ao lado no Minho e que aqui é outra completamente diferente, embora com o mesmo nome? Aparece-me aqui um gajo a dizer “isso não são rojões, rojões é outra coisa”, epá, vai para a puta que te pariu, é a única resposta possível.
Já que falou do Minho, vê uma diferença de cá para lá? Acabou por me responder porque disse que cá as diferenças são de aldeia para aldeia. Mas podemos falar, em termos genéricos, de uma fronteira do Minho para Trás-os-Montes?
O Minho tem uma diferença evidente. Está encostado ao mar e ao rio. Isso cria imediatamente uma diferença muito grande no estilo de alimentação. E isso estende-se a tudo o resto. Fazem as coisas de forma diferente porque o clima é diferente.
Eu costumo dizer que esta é a zona do mundo onde chove mais. Só que no Minho chove mais ainda. É ainda mais húmido. Por isso é que não podemos olhar para a alimentação como algo saído dos livros. A alimentação tem que ver com as pessoas, com o clima, com a zona, com as influências, com as viagens, com os que foram, com os que vieram… Tudo isto é a alimentação e por isso é que temos esta extraordinária diversidade num país que é muito pequenino. Tivemos a emigração. Aqui para trás [aponta para o outro lado da encosta] é a zona de saída de contrabando e de pessoas. Isto vai pintando as diferentes regiões de acordo com as vontades que têm. Há muita emigração, por exemplo, para os Estados Unidos. Embora haja muita para França, há muita para os Estados Unidos. A gastronomia está relacionada com esta mistura de influências que vai muito além do mais óbvio – aquela palavra que os gajos dos vinhos gostam muito de achar que são donos, o terroir. O terroir é evidentíssimo na comida, nos produtos.
Nós temos aqui uma batata que é uma das melhores do mundo. Eu sou um bocado suspeito e digo que é a melhor do mundo, embora deteste que as pessoas digam “a melhor do mundo” – mas não tenho de ser sempre coerente, já tenho idade para ser incoerente quando me apetece. A [batata] Kennebec é uma batata de sonho, uma coisa inacreditável. Se a tirarmos daqui e a formos plantar na Estremadura ou no Alentejo transforma-se numa batata absolutamente corriqueira. A mesma batata…

Com as peles trigueiras do fumo – Foto de Fumeiro de Terras de Barroso
A mesma variedade?
A mesma batata. Ou seja, eu planto aqui batatas, nascem cem quilos, pego em dez quilos e planto no Alentejo. A mesma batata, da mesma família, filhas da mesma mãe. A daqui vai continuar a ser extraordinária e a lá de baixo vai ser uma coisa normalíssima. O que é que falta? Clima, água, altitude, terra. Portanto, é terroir. Isto é exactamente terroir. Aqui, por exemplo, ainda é tudo feito à custa de esterco, o que vai ter uma influência grande, porque o esterco, nomeadamente o de vaca, acidifica ligeiramente a terra. Só para se perceber que isto é muito mais complexo do que uma abordagem levezinha parece fazer crer. Aqui estamos a 900 metros de altitude, é uma diferença gigantesca. Estamos num sítio onde cada vez que se faz um buraco no chão, felizmente não é petróleo, mas água. É impressionante a quantidade de água que há aqui. Isso muda tudo.
Já que estamos em comparações com a diferença da batata daqui para o sul, fala aqui no livro das raças de porco suínas não terem pedigree, ao contrário das do sul…
Não devo dizer isso, certamente. Se o disse trata-se de um lapso gravíssimo.
Penso que sim. Já lá vou, pode ser erro meu. [Neste momento consultou-se o livro e reli parte de um parágrafo]: “o cenário repete-se com novos protagonistas como o Porco Malhado de Alcobaça, o Porco de Raça Alentejana, o duroc, o landrace, ou tantos outros sem pedigree“…
… tantos outros sem pedigree.
Certo. Falha minha.
Ou seja, o Malhado de Alcobaça, o Alentejano, e o Bízaro, essencialmente estes, são as três raças que se dizem – embora erradamente – teoricamente autóctones. Erradamente porque estas raças têm origem noutros lados. O caso do Biízaro, por exemplo, é originário do Porco Celta. Não apareceram por milagre em Portugal.
Os que não têm pedigree são os outros todos. Por exemplo, os de porco cruzado daqui, que é porco sem pedigree. Por vezes, a minha forma de escrever não é necessariamente clara.
A falha foi minha… [risos] Agora relendo ficou claro.
Pois, por isso é que eu reagi logo. Eu disse isso? Espere lá, isso é impossível.
Mas pronto, são estas três raças. Na verdade, eu até ajudei um bocado à redescoberta do Malhado de Alcobaça. Embora a maior parte dos enchidos, e estou a falar dos enchidos a sério, é feita com raças cruzadas, porque as raças cruzadas acabam por crescer mais, têm mais carne, e portanto são mais rentáveis. Agora, em Trás-os-Montes, nomeadamente na zona de Bragança, Vinhais, Mirandela, existe um domínio muito grande de Bízaro. Aqui, Bízaro tem uns três produtores no meio de uma quantidade gigantesca [de outros produtores]. A mesma coisa acontece com a vaca: nós estamos em plena zona de gado barrosão e pouquíssima gente tem gado barrosão, porque é pequenino e demora mais tempo a crescer.
Podemo-nos todos armar em políticos de Esquerda ou de Direita, é indiferente – eu deixo as aventuras do Chega fora disto -, e dizer “temos de ter porco Bízaro e temos de ter gado Barrosão”. Pois. Eu também quero ter gado Barrosão, mas então temos de arranjar subsídios… As pessoas que neste momento criam raças cruzadas, e que fazem 5000 quilos de carne por ano, se criassem gado Barrosão se calhar faziam 1500… Portanto, alguém lhes tem de dar o dinheiro para os gajos viverem. Este é o problema quando queremos ser absolutamente puristas. Eu adorava que aqui fosse só carne Barrosã. Adorava, mas não é viável. Em termos comerciais, dá prejuízo. Esse é o problema das raças puras: produzem menos. Puras, entre aspas. Depois também têm mais doenças – não é preciso ser um génio da matemática para se perceber que quando estamos a apurar a raça de tal forma que casamos o pai com a filha, vai correr mal mais tarde ou mais cedo. É por isso que grande parte das famílias nobres tem sempre uma série de atrasados mentais na família, não é por engano. [risos]
E consegue distinguir a diferença, no sabor, de uma Mirandesa, de uma Maronesa, de uma Barrosã?
Sim.
Se me derem três ou quatro raças intocadas, que andam à solta, que se alimentam como deve ser, que não levam antibióticos… mundo perfeito. Se me derem ao lado as mesmas três raças que, para crescerem mais, foram criadas sem se mexer, alimentadas a farinha… lamento muito mas não quero, prefiro a raça cruzada. Desde que a raça cruzada seja alimentada, no caso do porco, como é aqui, com abóbora, cenoura, nabo, beterraba, milho…
Portanto, se a raça autóctone fosse criada, em termos económicos, de uma forma não sustentável, seria o mundo perfeito. Como aquilo tem de ser [financeiramente] sustentável, então convém que ela não passe muito tempo na rua, porque é evidente que um animal que anda a correr, engorda menos. Mas a tradição aqui é mesmo a de pôr os animais na rua todos os dias. Isso vê-se.
Há um músico que eu gosto muito, um dos músicos que eu gosto muito, chamado Robert Wyatt, fundador dos Soft Machine…
… tenho dois álbuns dele, e gosto muito do Cuckooland.
… ele tem um tema, que é falado, em que ele diz que vai na estrada e de repente vê um barracão cinzento muito grande, ao sol. E pergunta o que é que é aquilo e alguém lhe diz que ali é onde estão os porcos. E a música é toda assim: pigs? in there?… É exactamente isto. Mas eu vou comer aqueles? São aqueles que eu vou comer, que estão ali e não se mexem? In the dark, on a day like this?… Toda a música vai assim.
Percebe como a minha cabeça funciona? Sempre para direcções muito incertas…
Aliás, o Robert Wyatt é assim na música, dispara para todo o lado.
Exactamente. Portanto, para resumir, se fosse possível ter as raças autóctones tratadas com respeito pelos ciclos naturais, sem serem forçadas a ter filhos mais vezes, alimentadas como deve ser, quero sempre uma raça autóctone. Se a opção for uma [raça autóctone] como na canção Pigs… (In there), então não quero. Prefiro uma raça sem nome.
E entre as autóctones?
Se existe uma diferença?
Este é o problema quando queremos ser absolutamente puristas. Eu adorava que aqui fosse só carne Barrosã. Adorava, mas não é viável.
Sim.
Ah, sim, claramente. Nas autóctones que são realmente tratadas como tal. Existe diferença no sabor, existe diferença na forma como a gordura está disseminada entre a carne. Há diferenças até visuais.
Consegue distingui-las?
Não consigo garantir que as identifico na perfeição. Distingui-las é evidente. Posso é não ser capaz de dizer que esta ou é Barrosã, ou Cachena… Isso não consigo chegar lá, mas também por um motivo muito simples: nunca me dei a esse trabalho. Se experimentar três ou quatro vezes, a partir daí já consigo. Eu tenho ali dentro de casa perto de trezentas variedades de chá chinês, e consigo distingui-los…
Com treino, chega-se lá…
Sim, tem a ver com o treino…

O processo do fumeiro nos dias correntes – Foto da Taberna do Liberato
Já agora, falando das matanças aqui de cima. A forma como as descreve é muito interessante. A contextualização que dá: o Inverno, terem de ser feitas em lua crescente. Parece quase um ritual pagão, quase uma reminiscência das antigas oferendas aos Deuses.
E provavelmente é isso mesmo. A lua é uma coisa importantíssima [para esta gente]. Há coisas que eles não fazem em certas fases da lua…
Acha que há uma diferença?
Não tenho conhecimento suficiente. Eu especularia que poderá haver alguma diferença porque nós sabemos a influência da lua, por exemplo, nas marés. Mas não tenho base científica para dizer que se eu semear batatas na lua nova vá ter uma coisa diferente do que semeando batatas noutra altura. Só fazendo a experiência. No mesmo sítio, esta no quarto crescente, esta no quarto decrescente, esta na lua cheia… Nunca fiz.
Mas eu tenho alguma tendência em acreditar mais na experiência do que na teoria. Por isso quando a experiência diz repetidamente “não ponha isso hoje, tem de esperar três ou quatro dias”, eu espero.
Pode não ser só uma superstição…
Prefiro aceitar a crendice a correr o risco de depois sair uma grande merda e de aparecer aqui a Rosa a avisar “eu disse-lhe”… [risos]
Muito bem. Tenho mais duas perguntas. Quer dizer, na verdade são mais três…
Sim, à vontade…
Quanto à teoria que ouço de quase todos os cozinheiros que dizem que não se deve fritar a alheira…
Quase todos? Eu diria quase nenhum… A grande maioria o que faz é fritá-las…
Pois. Falo dos de referência. Mas sim, lá para baixo a coisa mais comum é fritar-se alheiras. Em Lisboa frita-se muito a alheira.
Sim…
Prefiro aceitar a crendice a correr o risco de depois sair uma grande merda e de aparecer aqui a Rosa a avisar “eu disse-lhe”…
Então afinal por que razão não devemos fritar a alheira?
Tem a ver com a gordura. Os ingredientes da alheira são simples: pão, porco – podem deixar a história dos judeus sossegadinha… -, aves de capoeira…
O porco foi introduzido mais recentemente?
Não, nunca houve alheiras sem porco…
Então este mito dos judeus comerem alheira para disfarçar…
É uma história engraçada. Neste último livro acho que voltei a falar disso. Basta a gente pensar um bocadinho. Vamos imaginar esta aldeia… e vamos regressar ao século XVI… eu tenho esta casa e sou judeu mas ninguém sabe. Há uma coisa que eu não vou ter em lado nenhum: porcos. Nunca comprei porco. Nunca fui ao vizinho para me dar um bocado de porco. E de repente, começo a fazer enchidos com porco… só pode ser magia.
Vamos admitir que a magia passava. Então e não há ninguém lá em baixo que não goste de mim e que não vá dizer à Inquisição, “olhe que o cabrão não tem porcos”? Quando começamos a desmontar esta história, é muito difícil ela resistir a uma investigação mais rigorosa. Porque é impossível alguém que não tem porcos, que nunca comprou porco, de repente começar a fazer enchidos com porco.
Última prova, para mim… não há um único sítio em Trás-os-Montes onde a alheira não leve porco. Um único sítio. Na aldeia mais remota, se eu lhes disser que a alheira é sem porco levo logo uma paulada.
É uma história engraçada, que ajuda a vender, e eu sou todo a favor deste tipo de histórias. Mas eu não quero contribuir porque…
… porque depois ainda vêm dizer que até o Nuno Diniz diz que a história dos judeus é verdade.
E depois às duas por três começam a achar que é normal fritar alheiras. Portanto, voltando ao problema de fritar as alheiras…
Sim…
A solução mais simples para fazer em casa é pôr-se a frigideira sem pingo de gordura em lume fraquinho e pomos a alheira… ao fim de um bocado, começamos a ter um mar de gordura que muitas vezes temos de deitar fora, porque a alheira larga gordura. Fritar uma coisa gorda em azeite, óleo, ou margarina, para depois servir com batatas fritas em óleo, e depois um ovo estrelado que à boa maneira portuguesa é aquela coisa extraordinária também com óleo, com o ovo meio a boiar na gordura… é um absurdo completo.
Qualquer pessoa que coma uma alheira frita e depois coma uma devidamente grelhada, acompanhada de uma Kennebec, e com grelos ou nabos ou couve, percebe que [esta última] é a forma correcta. Dito isto, cada um come o que quer, como quiser, e da forma que gosta mais. Porque eu não tenho a mais pequena dúvida de que, apesar desta teoria toda, se eu chegasse à conclusão que o que era bom era fritar alheiras, eu fritava as alheiras. Mas eu cheguei à conclusão que não é bom, portanto não frito. Agora, a liberdade para ser idiota é uma coisa absolutamente fundamental.
E o tinto? É mesmo a forma de acompanhar os enchidos?
Não. Depende. Neste momento, nas alheiras, por exemplo, [acompanho com] verde Alvarinho.
Por causa da acidez?
Por causa da acidez… Eu cada vez menos acompanho comida com vinho tinto.
Porquê?
Porque é demasiado pesado para o meu gosto. Houve uma tendência em Portugal para os vinhos terem uma gradação demasiado elevada, e torna-se uma coisa muito pesada. Mas aqui entramos num registo puro e duro do gosto.
A história das harmonizações… eu fiz todas as harmonizações possíveis, até me enjoar de fazer harmonizações. “Ó Chef, pagamos bem”… não quero fazer. A harmonização é uma questão de bom senso. Se tivermos um vinho bom com um prato bom, vai resultar. Desde que seja bom, vai resultar. Mas se temos um prato muito pesado, acompanhado por um vinho de grande gradação alcoólica, dificilmente vai resultar. Devemos ter sempre um contraste naquilo que estamos a comer. O contraste tem a ver com textura, com acidez…
Agora, estamos absolutamente no registo do gosto. A maior parte das frases feitas, eu discordo delas todas. Há uma que eu não discordo, é que o gosto não se discute. Não é por mais nada. É por perder tempo. Sou eu a tentar convencê-lo de que as alheiras boas são grelhadas, e responder-me que boas são as fritas. É uma conversa de surdos e eu tenho 64 anos e tenho uma noção de que a vida se vai aproximando do fim. Tenho tanta coisa para fazer que prefiro não perder tempo com isso.

“A Cozinha Popular Elitista“, o novo livro de Nuno Diniz
A conversa sobre o tempo chegou no timing certo, porque essa era a minha última pergunta. Neste livro há muitas referências ao tempo. O tempo das receitas, o tempo que leva a fazer, por exemplo, o seu cozido. O tempo do campo, entendido como o tempo lento, em contraste com o tempo da cidade, que é um tempo rápido. O tempo na própria relação que tem com a morte. Isto do tempo é uma obsessão dos cozinheiros?
Eu não posso falar pelos outros cozinheiros. Não faço ideia. Mas é algo que me preocupa profundamente, ou que me começou a preocupar na altura em que decidi travar brutalmente a minha actividade porque percebi que precisava de ter tempo para viver tudo o que queria. O tempo ocupa-me o tempo nesse sentido. Sem ter nenhuma previsão de qual é o meu tempo, tenho uma certeza absoluta de que ele vai acabar. O que eu quero é fazer o máximo de coisas que me dêem prazer enquanto tenho tempo – e aqui o tempo é uma noção de saúde e de estar bem.
Estou a cuidar, neste momento, da minha mãe, que tem 91 anos. É um passarinho bonzinho, está sempre contente. [Para ela] é tudo muito bonito, é tudo muito belo. Isto obriga-me a ter tempo. A ter tempo para ela e a arranjar uma forma de descobrir como ter tempo para mim. Portanto, o tempo é uma obsessão constante.
Agora trouxe meia dúzia de livros para cá e, de repente, quando estava a arrumá-los, vi o “Aleph” do Jorge Luis Borges e percebi que queria ler isto outra vez. É este tempo, o tempo para voltar a ler aquilo que gostámos muito e para conseguir ler o que vai saindo, o tempo para ouvir a música que eu ouvi desde os quinze anos e que são milhões de músicas diferentes, e sei que não vou conseguir voltar a ouvi-las – não tenho tempo para elas, levei uma vida inteira a ouvi-las e precisava de outra vida inteira para ouvi-las outra vez. E depois o tempo para conseguir amar, para as pessoas, para olhar… o tempo é uma obsessão. Mas é uma obsessão que não é doentia. É uma obsessão porque é resultado de uma consciencialização da nossa passagem. Sendo eu profundamente descrente em segundas vidas, quero fazer tudo o que é possível enquanto estou cá… De forma civilizada, porque quero sempre, também, todos os dias ao deitar-me, dizer: “não devia ter feito aquilo”. Não é fazer coisas a todo o custo.
Eu tinha uma frase que era propositadamente muito irritante. Há umas coisas em que eu sou mesmo propositadamente irritante, que é a pior coisa que se pode ser para alguém. Esse tipo de coisas diverte-me. Tem a ver com o meu sentido de humor . A certa altura eu virava-me para eles [jovens] e dizia: “tudo o que vocês já fizeram, tudo o que vão fazer, e tudo o que não vos passa sequer pela cabeça fazer, eu já fiz”. Isto é a coisa mais irritante que se pode dizer a malta nova. Mas é verdade. Realmente, é um bocadinho verdade. Eu tive a sorte de ter uma vida extraordinária. De andar pelo mundo inteiro. De ter estudado. De ter lido. De tocar e compor. Fui treinador de rugby vinte anos. Fiz rádio com o António Sérgio durante quase vinte e cinco anos. Fiz dois jornais. Fiz televisão. O que é que me falta? Falta isto. Falta na verdade, agora, passar uma fase de quase contemplação budista – não é bem budista porque eu sou um bocado acelerado. Sabe-me muito bem quando a minha mãe está aí sentada nessa cadeira, a dormitar ao sol, eu ficar aqui sentado e estar assim, sem fazer nada. O tempo para não fazer nada também é fundamental.
Concordo. Em absoluto. A vida é muito acelerada. E tempo para novos cozidos? Isso é que já não há, não é?
Aqui [em Sezelhe], com todo o prazer. Não há tempo é para ir para as grandes cidades. Andei rodeado de biliões de pessoas a vida inteira.
Tem cozidos sazonais por aqui?
Bem, eu comecei a viver cá há uma semana. Tenho feito dois cozidos por ano para a aldeia. É uma coisa que me diverte, cozinhar e oferecer à aldeia. Ficam extraordinariamente gratos porque não há esse hábito aqui. Existe o hábito de, se é preciso ajuda, eles ajudarem-se. Agora, o hábito de alguém, de repente, cozinhar e convidar toda a gente, isso é coisa que aqui não existe. Portanto, eles têm uma gratidão extraordinária. Aliás, há mais de um ano vieram-me dizer que já havia lugar para mim e para a minha mãe no cemitério. Isto não é uma coisa mórbida. Para eles é muito importante.