Festas do Bodo

by | 11 Fev, 2020 | Beira Litoral, Festas, Julho, Junho, Províncias, Tradições

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As Festas do Bodo acontecem em várias terras portuguesas, sobretudo as que levaram com maior influência templária.

Falaremos delas a um nível genérico mas daremos algum destaque às Festas do Bodo de Pombal, dada a sua magnitude quando comparadas com as restantes.

A Lenda das Festas do Bodo

A justificação que a tradição oral dá para a existência destas seculares festas leva-nos até tempos pouco evidentes.

Segundo a lenda que é contada em Pombal, uma praga de gafanhotos (algumas versões consideram lagartas) atacou a cidade, envenenando os alimentos e a água, e deixando os habitantes a clamar por algum milagre que os libertasse de tamanho azar.

Fizeram-se preces à Nossa Senhora de Jerusalém na esperança de que esta expulsasse a praga dali para fora. As orações, por desespero, tornaram-se cada vez mais frequentes. Decidiu-se então fazer uma missa à Senhora, prometendo que se o milagre acontecesse, o povo agradeceria realizando uma festa em sua homenagem.

O coro de vozes teve efeito. Na manhã seguinte à missa, os gafanhotos tinham desaparecido, provavelmente à procura de outras bandas.

Os pombalenses não esqueceram a promessa e agendaram um festa anual como reconhecimento à Senhora de Jerusalém.

Mas os milagres não pararam aqui. No ano seguinte, aquando da realização da primeira Festa do Bodo, resolveram as gentes dali cozinhar dois bolos (os tais que seriam distribuídos nos bodos) para oferecer à paróquia. No momento em que entraram no forno, um dos homens que ajudava na tarefa apercebeu-se da má colocação de um dos bolos. Nisto, lembrando-se de quem protegeu Pombal no ano anterior, o homem invoca o nome da Senhora de Jerusalém, entra num forno já em fogo, e emenda a posição do bolo.

O gesto correu os ouvidos dos pombalenses, e todos concordaram que, um ano depois, a Senhora tinha voltado a ajudar a cidade de Pombal.

Origem e história das Festas do Bodo

Tudo leva a crer que as Festas do Bodo são uma continuação das antigas Festas do Espírito Santo (nome que ainda é usado em algumas terras do Centro do país, como Alenquer ou o Sardoal).

Nesse sentido, é bom lembrar que, originalmente, a Festa do Bodo de Pombal ocorria nos finais do mês de Junho, ou seja, aproximadamente cinquenta dias depois do Domingo de Páscoa, precisamente a data em que se celebram as Festas do Espírito Santo, e também ela girava em torno da ideia de partilha, isto é, de um bodo (algo que foi perdendo com o passar dos anos). Actualmente, em Pombal, acontecem um mês depois, no final de Julho.

Se olharmos para a geografia dos sítios onde as Festas do Bodo são reproduzidas, concluímos que as zonas com forte presença histórica templária são preferenciais, se não mesmo exclusivas: veja-se a já mencionada terra de Alenquer, mas também Pombal (sobre a qual já falaremos adiante) e Tomar (a célebre Festa dos Tabuleiros é, também ela, uma variante das Festas do Espírito Santo).

Assim, não sabendo qual o primeiro ano em que a festividade apareceu, não será arriscar muito dizer que poderá ter tido estreia em tempos medievais, quando a esfera dos Cavaleiros da Ordem do Templo exercia a sua influência de forma contundente. A acentuar essa ideia está um rito antigo feito em Pombal (e em terras vizinhas, como Abiúl e Avelar): um homem deveria passar a tarde a rezar por baixo do andor da Senhora do Cardal e, replicando o episódio da lenda, ir para dentro de um forno dando a volta ao bolo cozinhado e repetindo a frase “Viva Nossa Senhora do Cardal”. Há muito de templário neste ritual – a oração, a reclusão, o vencer do espírito sobre a matéria, a purificação pelo fogo (neste caso representado pelo forno), e a saída deste como homem novo (o renascer das cinzas que habitualmente associamos à Fénix). Este gesto, que tinha muito de pagão, foi eliminado pelo Bispo de Coimbra. Tanto quanto sei, não foi recuperado, o que é pena…

Se não sabemos exactamente quando começou, o mesmo não se passa com o momento em que se afundou. A censura à Festa do Bodo é secular. D. Manuel chegou a proibi-la. Apesar de ter voltado à carga, uma séria de complicações, externas (invasões francesas) e internas (a razia que a Implantação da República fez em algumas tradições, incluindo esta), foram empurrando o Bodo para a quase irrelevância. O ressurgimento começou na primeira metade do passado século, transformando-se e modernizando-se, até parar naquilo que é agora: uma exuberante festa popular, um pouco adulterada na sua razão de ser, mas que mantém o equilíbrio típico entre o sagrado e o profano.

Uma pequena nota para uma outra analogia que poderá ser feita às Festas do Bodo. Sendo absolutamente verdade que há um paralelismo óbvio entre as Festas do Bodo e as Festas do Espírito Santo, parecendo aquelas uma espécie de ramificação destas, existem outras que facilmente se juntam ao saco. As Festas das Papas, realizadas um pouco por toda a zona Centro e pontualmente no Norte, partilham similitudes – a lenda que justifica as papas é, também, a de uma praga de gafanhotos que surgiu para amedrontar o povo, tal como a lenda que justifica o bodo, e ambas se realizam como agradecimento a uma santa ou a um santo que, por milagre, se desfez da calamidade. A diferença que mais distingue umas festas das outras é a altura em que são realizadas: a das Papas acontece, na maioria dos casos, em Janeiro, e a do Bodo em Junho ou Julho. Se as primeiras sugerem que se trata de uma celebração das sementeiras, as segundas terão finalidade semelhante mas com as colheitas. Em todo o caso, mostram-se festividades ligadas ao ciclo eterno da terra que nos sustenta.

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Programa das actuais Festas do Bodo

Como foi dito, as Festas do Bodo são hoje muito diferentes do que foram no passado. Indo ao exemplo de Pombal, justamente considerada a maior do país, o Bodo perfaz, habitualmente, seis dias inteiros seguidos, com actividades que vão a todo o lado: espectáculos de rua e culturais, desfiles de folclore, praças com mercados locais, desporto, fogo de artifício, mostras de artesanato, eiras conquistadas por carrinhos de choque e quejandos, e concertos de aparato próprio de uma metrópole.

Contudo, há duas peças centrais que as Festas do Bodo não podem perder, porque são parte da sua genética e as torna especiais: o Bodo Antigo (realizado todos os dias, com excepção do último) e a Procissão à Nossa Senhora do Cardal (realizada no final da tarde de Domingo, antecedida por missa). Sem estes, o Bodo não seria mais do que qualquer outro festival de Verão. E por muito que há quem lá vá porque uma qualquer banda figura no cartaz, é bom que a mocidade não perca a ideia original do Bodo, que é sobretudo um convívio onde a ideia de dar sem pedir em troca manda – essa é a verdadeira religiosidade da festa, um culto à partilha, tal e qual como as nossas Festas do Espírito Santo ensinam.

Para um programa mais detalhado, ver a página oficial da organização.

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