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A Cegonha-Branca já nidifica em quase todo o território português. Até o Minho, que era, provavelmente, a única província onde a sua presença era caso raro, já conta com a sua quota nacional.

Passando o Tejo, de norte para sul, os ninhos de cegonhas a rematar postes de electricidade tornam-se gradualmente uma constante, até se tornarem uma marca da paisagem.

A ave do sul

Se resolvermos atravessar as pontes de Lisboa ou de Vila Franca em direcção ao Alentejo, em nacionais ou em autoestradas, é praticamente impossível não dar por elas – mesmo que não as vejamos, os circulados e pesados ninhos, feitos milimetricamente de galhos e folhas e até de plástico, andam por todo o lado, acoplados a chaminés solitárias ou escarpas atlânticas, mas sobretudo a encimar estruturas eléctricas – a Cegonha-Branca é, em Portugal, a espécie que mais benefícia dos investimentos da EDP (haja alguém).

Esta paisagem, tipicamente sulista mas não só, é uma realidade cada vez mais evidente: o número de ninhos, e por consequência o número de cegonhas, tem crescido, e hoje só não vemos as suas casas se não quisermos. A partir daí, estando atento aos ninhos, será uma questão de tempo (e pouco) até darmos com uma Cegonha-Branca a acolher-se num deles.

A primeira vez que se avista uma cegonha adulta – sobretudo um macho – a levantar voo não se esquece. O batimento das asas é tão lento que nos engana ao ponto de acharmos que jamais aquele corpo irá para cima e não para baixo. Mas depois ela levanta, pesada mas levanta, e enche uma boa parte do céu, que nos províncias sulistas é quase sempre azul. E assim fica aquela mancha alva, a rondar o seu ninho à procura de alimento, ora para as crias ora para a mãe se esta estiver em fase de chocar.

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Ninho no topo de um pau de electricidade

Uma paisagem frequente nas terras abaixo do Rio Tejo

Migrações da Cegonha-Branca

Neste momento, já nem os invernos, em certos casos, são capazes de as mandar embora. Por cá ficam ano inteiro,
alimentadas a lagostins vermelhos, os de água doce, que passeiam em ribeiros de baixa profundidade. Curiosamente, também se alimentam das lixeiras, que, por acaso do destino, acabaram por inverter a lógica decrescente na população observada que vinha desde a década de oitenta.

Acaba por tirar um pouco o encanto deste belíssimo activo da nossa avifauna. A migração para África que as cegonhas faziam – deixando os seus ninhos a hibernar por cá porque sabiam que iriam voltar -, foi durante séculos alvo de grande fascínio. Ainda agora temos no nosso inconsciente a ideia de trazerem bebés no seu bico. Uma ligação ancestral que fazemos, esta entre a fecundidade e a cegonha (a explicação é o seu desaparecimento quando a natureza morre, e o seu regresso ao mesmíssimo sítio quando a Primavera dá os seus primeiros sinais ao homem, transformando-a num pêndulo das estações).

E é por isso que, em várias aldeias e vilas de Portugal, se associam lendas e ritos à chegada da Cegonha-Branca. Se por acaso uma casa é brindada com um ninho seu, é sinal de que a sorte acaba de chegar a esse lar. Mas há o outro lado da moeda – inversamente, caso em Fevereiro ou Março ainda ninguém tenha visto uma, chega o mau prenúncio que nos alerta sobre a terra ser de pouco fruto esse ano.

Há ainda, a título de curiosidade ou mais do que isso, uma lenda muito antiga, vinda de Aguiar da Beira, que fala de uma Cabicanca como um ser digno do bestiário nacional. Num artigo sobre essa lenda, escrito pelo Tiago Cardoso neste mesmo espaço, põe-se a hipótese de tal besta ser, talvez, uma Cegonha-Branca.

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