Cabra-Montês
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Uma sub-espécie de Cabra-Montês, a capra pyrenaica lusitanica, existiu há mais de um século no Gerês. Cem anos depois da sua extinção, chegou-nos uma outra Cabra-Montês, a capra pyrenaica victoriae. Agradecimentos à Galiza por isso porque foi de lá que ela veio, tudo indica que para ficar.
Cabras e cabrões
Chamar à fêmea cabra e ao macho cabrão não é nada desajustado, muito menos ofensivo. De facto, há uma diferença corporal substancial consoante o género, e as assimetrias tendem a aumentar com a idade – o macho pode pesar duas a três vezes mais do que a fêmea, para não falar da diferença no comprimento de ambos e no óbvio dimorfismo ao nível dos cornos (o masculino pode contar com o triplo do tamanho do feminino, conseguindo chegar até ao metro de comprimento).
Também a pelagem se altera conforme o sexo, sendo o macho mais escuro do que a fêmea e contando aquele com a famosa barbicha de bode sob o queixo. Mas aqui há uma outra variável a interferir – a estação do ano, já que os pelos tendem a escurecer no Inverno e a acastanhar no Verão, algo que devemos considerar normal na lógica darwinista de sobrevivência das espécies (quase sempre o pelo toma a cor da envolvente paisagística para que o animal passe despercebido aos olhos do predador).
Aquilo que os distingue de outros bovídeos, e neste caso sem particular realce para o macho ou a fêmea, são as patas unguladas e prendadas com quatro marcas de apoio, responsáveis por esse milagre da física que é a sua facilidade em caminhar por penedos que se afiguram intransitáveis.
Distribuição em Portugal
Convém dizer que termos a Cabra-Montês por cá é uma sorte, dado não termos feito grande coisa por isso.
No século XIX, por várias razões, mas sobretudo pela caça pouco regulada, vimos extinguir-se a capra pyrenaica lusitanica nas serras do Gerês, aquela que podemos considerar como a nossa espécie realmente autóctone.
No fim do século XX, o Xurés (o Gerês galego) tomou a iniciativa de repovoar uma reserva no parque com exemplares de Cabra-Montês de uma diferente sub-espécie, a pyrenaica victoriae (note-se que existe outra, a pyrenaica hispanica, que se espalha pelo Sudeste ibérico). A experiência correu bem. Tão bem que algumas, fugitivas ou libertadas, acabaram por saltar a fronteira para o lado de cá da fronteira.
O resultado está à vista e actualmente conseguimos observá-las na Serra do Gerês propriamente dita, mas também na vizinha Serra Amarela e em Castro Laboreiro (neste último, destacam-se as áreas da Senhora de Numão, junto ao Santuário de Anamão; o Bico do Patelo; e o Pântano da Ameijoeira).
Fora de Portugal, além da já mencionada Galiza, a Cabra-Montês da subespécie victoriae tem grande concentração nos Picos da Europa asturianos, e na dita Meseta Central, mormente na Serra de Gredos. Quem sabe se um dia, por prolongamento das intervenções feitas em Espanha, não teremos Cabras-Monteses na continuação portuguesa da cordilheira central ibérica, isto é, na Serra da Estrela.
A alpinista
A Cabra-Montês é, por definição, um animal dos montes, das altitudes. Pode ser avistada acima dos dois mil metros – no Verão, quando a neve evapora dos cumes e a erva se mostra, até bem para lá disso. As escarpas são não só o seu chão, mas também o seu escudo. É nesses penhascos abruptos que se sente segura, longe dos predadores comuns, como o lobo, a águia, o urso, e em certos casos, o homem.
Andam em grupo, mas com uma organização particular: as fêmeas adultas caminham com os seus filhos até estes atingirem os dois anos – nessa altura, os machos que se tornam adultos separam-se e passam a agrupar-se em grupos masculinos. Assim é todo o ano, com excepção da época de reprodução que se dá no final do ano (Novembro e Dezembro, sensivelmente), altura em que machos e fêmeas se misturam para os rituais de cortejo que envolvem os característicos embates entre machos, numa implacável luta de cornos. A corte é marcada para os últimos dias do ano para que as crias (normalmente uma, podendo pontualmente dar gémeos) nasçam no alvor primaveril, quando há alimento que baste para subsistirem. O parto e o pós-parto são passados, mais uma vez, em zonas remotas de grande declive para fugir à caça de outras espécies.
A dieta varia conforme a estação mas a preferência por folhas de medronheiro e azevinho e carvalho, bem como plantas como urze e zimbro e giesta, é comprovada. Quando a escassez do Inverno ataca os campos, a alimentação faz-se à base de erva, líquenes e musgo.
Ameaças
A boa notícia é que o terreno acidentado no Gerês foi favorável à expansão que nos últimos anos temos assistido. O número de exemplares em território português é estimado em cerca de meio milhar, não contabilizando todas Cabras-Monteses que se encontram logo ali à beira, no Xurés galego.
Contudo, e sabendo que a espécie sofre bastante com certas doenças infecciosas, com a sarna à cabeça (em Cazorla, Espanha, a sub-espécie hispanica foi praticamente dizimada por ela), é bom que a estatística fique debaixo de olho. Há ainda quem defenda que o crescimento do número de exemplares pode eventualmente virar-se contra a Cabra-Montês, argumentando que o deslocamento desta para zonas onde predomina a cabra doméstica dá origem a cruzamentos indesejáveis entre ambas.
Tendo em conta que a Cabra-Montês reside num ínfimo cantão no norte do Minho, o acompanhamento do número de animais tem de ser feito numa base regular. Isto para que não seja preciso a Galiza mexer-se para a termos connosco novamente.