A Boa e a Má Hora
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A ilustração acima apresentada foi gentilmente criada por Raquel Russo. Outras ilustrações suas respeitantes a lendas portuguesas poderão ser encontradas no seu muito recomendável blog.
Admite-se que a crença aqui versada exista noutros pontos do país, com diferentes perspectivas, o que significa, consequentemente, diferentes formas de a contar. No entanto, para este caso, falaremos do que acontece nas aldeias mais remotas do concelho de Idanha-a-Nova, nomeadamente nas que se escondem nos cerros, como é o caso de Monsanto e de Penha Garcia.
Crenças sobre a Boa e a Má Hora
Importa referir que mesmo dentro do pequeno concelho de Idanha-a-Velha, a Boa e a Má Hora são apresentadas de forma ligeiramente diferente, dependendo de quem relata.
Maria Leonor Carvalhão Buescu, nas suas recolhas que fez na aldeia de Monsanto, descreveu a Boa Hora e a Má Hora como seres que apareciam por volta da meia-noite. São ambas mulheres grandes, de aparência fantasmagórica, mas a primeira veste-se de branco e a segunda de preto.
A Boa Hora, ainda segundo Leonor Buescu, antecede a chegada da Má Hora – a mulher de branco aparece por volta da meia-noite, enquanto a mulher de negro chega entre a meia-noite e a uma da madrugada (embora se ressalve que as pessoas caridosas sejam recompensadas ao não terem de avistar esta última).
Amélia Mendonça completa ao dizer que o aparecimento de ambos os seres se dá sobretudo em noites de lua nova, ou em que o luar tinha vergonha, citando a própria – ao contrário do que é corrente, nas célebres e por vezes hollywoodescas noites de lua cheia, atribuídas às chegadas de lobisomens.
Conta-se que à Boa Nova cabia o papel de avisar que a Má Hora estava aí a chegar, alertando os aldeões para que se recolhessem às suas casas. Já a Má Hora era o prenúncio de tudo o que era mau – trazia azares, castigos, pragas… até a morte. Quando esta era avistada, tudo parava: as
correntes dos rios estagnavam, o vento deixava de dar sinal, os pelos dos animais eriçavam.
Significados da Boa e da Má Hora
Escusado será dizer que nada disto é novidade.
A Boa e a Má Hora, enquanto seres fantásticos do folclore português, não são mais do que dois avatares para a sempiterna dicotomia: o Bem e o Mal.
Facilmente encontramos paralelismo, numa linguagem cristã, para cada uma das entidades – a Boa Hora como reflexo de Deus; a Má Hora como espelho do diabo. Também em símbolos habitualmente pagãos se consegue traduzir a crença: de um lado a alva mulher, representando a luz, ou seja, o sol; do outro a mulher de negro, representando a escuridão, isto é, a lua ou a noite.
O inalterável dualismo, que levado aos extremos nos apresenta dois polos que fazem a nossa realidade, a vida e a morte, são uma presença constante na tradição oral. Tratam-se de temas Universais mas com versões regionais muito próprias. Como se, tal como na fala, houvesse dialectos para os símbolos eternos. E se temos tanto cuidado em proteger o modo como comunicamos, o mesmo deveria ser feito para o modo como imaginamos os nossos Deuses.