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A Torre de Salúquia, em Moura, nas terras secas do Baixo Alentejo, revelou-se tão importante para os mourenses que ganhou exclusividade no seu brasão. Este faz parte de uns quantos que se baseiam nas tradições orais para inspirarem as suas ilustrações – a par com, por exemplo, o de Lisboa, que como se sabe representa a lenda das relíquias de São Vicente.

Torre trágica

Olhar para ele, para o brasão de Moura, causa alguma apreensão. Há um sentido de mistério que nos aguça a curiosidade. Nele vemos uma torre, no eixo e a ocupar quase todo o escudo. Na sua base, uma mulher, deitada, com os membros estendidos, que aparenta estar morta. Somamos um e o outro e chegamos à conclusão que tal retrato se deve muito provavelmente a um suicídio, uma donzela que, por alguma razão que desconhecemos, se atirou de mergulho para a morte.

E entra a lenda.

Conta-se que aqui, num tempo em que mouros e cristãos disputavam terra, um soldado de Cristo se apaixonou pelos cantares que uma jovem moura, de nome Salúquia, entoava. Salúquia era filha de homem abastado e poderoso, e qualquer homem cristão sabia que amá-la era acto perigoso, mais ainda quando estava ela prometida a um guerreiro sarraceno, o temeroso Braffma. Mas o cavaleiro cristão não resistiu. Um dia, disfarçado de mouro, entrou no castelo e esperou que ela passasse. Nesse momento chamou-a, em surdina: Salúquia. Salúquia voltou-se e o cavaleiro apareceu, dizendo o quanto a amava, mesmo sendo um total desconhecido. A moura tremeu em emoção. Habituada a viver sozinha, nunca tal sugestão lhe tinha sido feita. Deixou-se encantar pelo gesto do desconhecido cavaleiro, que tinha tanto de apaixonante quanto de perigoso. Ainda assim, teve forças para responder: Irei casar com Braffma, um homem mouro e forte, como meu Pai deseja. O cristão insistiu tanto que Salúquia, já com o coração quente, teve de o mandar embora a contragosto, oferecendo-lhe antes um seixo branco que carregava o seu perfume para que se lembrasse dela. Antes de partir, o cristão prometeu voltar. Salúquia passou noites e dias a lembrar-se da imprudente visita. O cristão passou os mesmos dias e noites a sonhar com Salúquia, não largando a pedra que lhe fora dada.

A promessa do regresso seria cumprida, mas não com o final feliz que se pensa. Braffma e o cristão lutaram um contra o outro, em campo de batalha, saindo o sarraceno derrotado, bem como todo o exército mouro. Os cavaleiros disfarçaram-se depois de árabes e rumaram ao castelo, de forma a conseguirem entrar e furtar quem lá morava. Assim aconteceu. E Salúquia, que deu com o homem por quem se apaixonara vestido de Braffma associado a tamanha selvajaria, percebeu que tinha entregue o seu coração à pessoa errada. Fugindo dele, que a tentava convencer a passar a vida consigo, subiu à mais alta torre dos castelo e de lá se atirou à morte. O cristão pouco conseguiu fazer, e a pedra que segurava ficou rosada do sangue derramado.

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As sobras da lenda

A torre lá está, uma sobra do antigo castelo construído em taipa, material tão usado na engenharia militar do sul do país, que dá às fortificações aquela cor da terra, como se fossem um prolongamento da secura do solo. Sofreu com as guerras contra Espanha e sofreu ainda mais com o terramoto. Já a pedra que Salúquia ofereceu, branca ou vermelha, nunca alguém a viu.

Da lenda, podemos tirar vários sentidos.

O mais curioso deles é que, por vezes, o povo, pelas histórias que vai contando, nem sempre está contra os sarracenos. Sobretudo no sul, são vários os casos em que a tradição oral fica do lado dos berberes ou árabes, como preferirmos chamar, o que mostra a simpatia que, se calhar, alguns sulistas portugueses têm para com o outro lado do Mediterrâneo.

Especula-se ainda uma eventual ligação desta moura Salúquia a uma moira encantada  (ver o texto 1 e o texto 2 acerca deste ser lusitano e galaico), dado encantar os homens através do seu canto – qualidade atribuída às moiras mitológicas.

Nota: o texto original aqui escrito estava acompanhado pela foto, errada, da Torre de Salúquia. O lapso foi levantado pelo leitor José António Correia. Pedindo desculpa pelo erro, apresentamos agora a verdadeira.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=38.143744 ; lon=-7.450027

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