Painéis de São Vicente
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Desengane-se quem vê os Painéis de São Vicente, (para imagem em grande, clicar aqui) como apenas uma obra-prima da pintura portuguesa. Desengane-se também quem pensa que tudo está dito acerca deles – não está e duvidamos que alguma vez se chegue ao ponto de lhe arranjarmos uma explicação absoluta. Por fim, desengane-se ainda a pessoa que não lhe descobre mais que passivas mensagens subliminares, ancoradas no século XV, quando foram pintados, porque ainda hoje eles nos contam novas estórias que ninguém tinha previsto antes.
Enquanto o Museu Nacional de Arte Antiga acolher estes Painéis de São Vicente de Fora, não há uma visita que não valha todo o cêntimo que se pagou por ela
Autoria dos Painéis de São Vicente
A controvérsia começa logo na casa zero: quem o pintou?
Hoje parece ser razoável atribuir a sua autoria a Nuno Gonçalves, de tal forma que há quem os chame de Painéis de Nuno Gonçalves. Esta conclusão, contudo, não chegou de forma pacífica, havendo quem ainda contrarie tal coisa, ou que pelo menos defenda que Nuno Gonçalves não terá sido o seu único autor.
Isto porque a assinatura, desconhecida de todos até há anos recentes, mas que hoje em dia é de aceitação relativamente consensual (tenha-se em conta que numa obra tão complexa quanto esta, haverá sempre cépticos em relação a qualquer novo achado), está mascarada. E a verdade é que até há duas assinaturas: uma em forma de monograma, na bota daquele que se admite ser o rei Dom Duarte, e uma outra, de pernas para o ar, com uma hipotética data adjacente referente ao ano de 1445, camuflada numa tira dourada no pé da personagem atribuída a Dom Afonso V, filho do primeiro.
A ciência entrou ao barulho e através da análise das tábuas de madeira usadas na pintura confirmou-se que os Painéis de São Vicente terão sido feitos na década de quarenta do século XV, coincidindo assim com o ano decifrado na codificada assinatura.
A personagem de vermelho – São Vicente ou o Príncipe D. Fernando?
Mas a polémica não se ficou por aqui. Punha-se, primeiramente, a hipótese de que aquele que calculamos ser a sua personagem central, presente nos dois painéis que se encontram no eixo do políptico, sendo um quase o espelho do outro, seria São Vicente – e que esta seria uma forma de paga de promessa a um Santo que foi patrono dos fiéis portugueses nas conquistas feitas no norte de África.
Problema: não há nenhum atributo no quadro que nos remeta para a causa vicentina – não há a célebre nau ou os misteriosos corvos (ambos presentes no brasão de Lisboa), não há a palma do martírio, e não há cachos de uva. Além disso, existe uma corda enrolada aos pés do suposto santo, que pouca explicação tinha.
Ascendeu então uma segunda teoria, a de que esta personagem dupla seria uma representação do Príncipe D. Fernando, o Infante Santo, morto em Marrocos numa das investidas portuguesas, e deixado à mercê das vontades da natureza quando o seu corpo, já morto, foi pendurado nas ameias do castelo de Fez com a ajuda de uma corda (e estava assim explicada a razão pela qual esta se encontrava no chão do quarto painel).
A dúvida que pairou (e para alguns, ainda paira) sobre a identidade da personagem espelhada em escarlate nos Painéis de São Vicente não deixa de ser curiosa. São Vicente foi o patrono das conquistas de Marrocos. o Infante Santo Dom Fernando foi o mártir das mesmas conquistas. E mesmo a morte de ambos tem muito em comum – ambos os corpos foram sujeitos aos ventos da sorte, nus.
Significado dos Painéis de São Vicente
Não vou desenvolver grande teorema sobre tal objecto. Até porque seria, no mínimo, ofensivo para gente que lhe dedicou boa parte da sua idade, ou mais, uma vida inteira. Fico-me tão só pelas ideias dos outros. E nesse sentido, resumindo de forma brusca as dezenas e dezenas de livros que já se escreveram sobre os Painéis de São Vicente, entre muitas outras publicações internacionais, posso dizer que tanto se trata de uma alusão à Ínclita Geração, aquela que inspirou Camões a escrever o livro que nós sabemos no século seguinte, como de um oculto retrato de época com indícios do que está no porvir.
Trata-se, para muitos, de uma anunciação do que estava aí à espreita: a expansão do Império, com a família real e a cúpula eclesiástica nos dois painéis centrais (o painel do Infante, no centro-esquerda, e o do Arcebispo, no centro-direita). Nos outros, laterais, temos representados cavaleiros-monges, os frades de Císter, pescadores, homens-bons, um rabi, o povo…
Numa visão contemporânea e pop, podemos interpretar o políptico como uma fotografia de grupo – num testemunho da estrutura prima da sociedade portuguesa do século XV, mas uma estrutura não divisória, antes uma comunhão de classes em prol de um interesse maior. Tudo isto cruzado com detalhes pitagóricos, numerologias divinas, simetrias sagradas – muitas delas presentes em outras mansões maçónicas, como é o caso da Quinta da Regaleira.
Agora, fundamental: olhe-se para este conjunto de seis partes de mente aberta ao simbólico e, partindo daí, os Painéis de São Vicente são um livro sem epílogo. Uma charada em forma de belo sobre a qual alguns críticos de arte e alguns historiadores e alguns intelectuais se deliciam ao decifrar. Década após década há novas teorias que abalam teorias antigas, e teorias antigas que voltam a atropelar teorias novas, isto pelo menos desde que as seis partes que conhecemos hoje (poderão ter sido mais?) foram encontradas na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Até já houve quem se suicidasse por ele.
Os Painéis de São Vicente são a esmeralda do Museu Nacional de Arte Antiga, situado na mui alfacinha Rua das Janelas Verdes, e valem por si só o preço de cem bilhetes.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=38.70494 ; lon=-9.161278