Mestiços do Sado
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Junto ao Sado, quando este está quase no fim do seu curso, há gentes que descendem dos antigos escravos negros que, chegados a Lisboa, foram enviados até terras mais a sul para trabalharem nos campos de arroz onde os portugueses não queriam trabalhar: chamam-nos hoje de mestiços do Sado ou carapinhas do Sado ou ainda mulatos de Alcácer.
Os Mulatos da Ribeira do Sado
Os Adiafa, banda alentejana que andou nas cantorias dos portugueses com a canção “As meninas da ribeira do Sado“, versavam estas pessoas – e ainda hoje não sei se de forma intencional ou não. Um dos versos mais famosos fala precisamente do cabelo encrespado das mulheres desta zona, tão encrespado que é equiparado ao pelo das ovelhas: “as meninas da ribeira do Sado são com’ás ovelhas / têm carrapatos atrás das orelhas“. Poucos sabiam que existia um detalhe etnográfico por trás de tudo isto. É que as tais meninas da ribeira do Sado poderão ter, com grande probabilidade, sangue subsariano recente, vindo desse tempo constrangedor em que a África colonial servia como fornecedora de mão de obra gratuita.
Outra música, esta saída do cancioneiro que o povo vai inventando, é ainda mais óbvia: “ribeira do Sado / ó Sado, sadeta / meus olhos não viram / tanta gente preta” e mais à frente sublinham “quem quiser ver moças / da cor do carvão / vá dar um passeio / até São Romão“.
A última vez que estive numa das povoações onde podemos encontrar os ditos mestiços, a aldeia de São Romão, falei com uma mulher com evidentes traços negros, já misturados com ares mediterrânicos, aqueles que são mais conhecidos no português comum. Olhando-a, sem ser preciso mais do que isso, conseguimos percebê-lo. Já não são negros, porque o melting pot já se deu. Mas os sinais estão lá todos: cabelo crespo, muito mais crespo do que é habitual, narinas mais dilatadas, lábios grossos, pele escura.
São Romão e Rio de Moinhos são as terriolas onde mais nos apercebemos desta realidade histórica, ou étnica, se preferirmos, mas também em Alcácer e suas cercanias, embora mais dificilmente. Como é óbvio, a tendência é que a miscigenação vá diluindo estas características nas populações circundantes e com grande probabilidade estas diferenças vão passando a ser cada vez menos marcantes nos rostos das pessoas, mas não menos marcantes no passado que cada uma delas herdou.