Madeiros

Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Os Madeiros, também completados como Madeiros de Natal, ou Fogueiras do Galo, são todos os fogos voluntariamente ateados na Noite da Consoada, a 24 de Dezembro. Podem ser vistos em todo o país mas será nas províncias do norte e do centro – e sobretudo nos concelhos do interior -, que aparecem com maior frequência.
Todos os anos a cena repete-se: arma-se uma gigante fogueira de Natal no âmago das terras do interior. Um gesto que o homem faz para agradecer ao sol.
Organização dos Madeiros de Natal
Exceptuando os raros casos em que o Madeiro é organizado por uma só pessoa, normalmente alguém abastado na região, que fornece lenha e galhos e vinho aos restantes habitantes, os Madeiros são genericamente organizados por administrações locais ou, em alternativa, de forma mais improvisada, através de grupos de rapazes que se juntam para o lenho.
Se na primeira hipótese cabe aos municípios e a algumas forças de apoio (como os bombeiros, por exemplo, que supervisionam o acontecimento por questões de segurança) o transporte dos cavacos até à praça central de determinada aldeia ou vila, no segundo há um certo mistério oculto na forma como a angariação de lenha é feita.
Falando um pouco deste segundo caso, o que acontece é que muitas vezes são jovens, quase sempre solteiros e à beira da entrada na idade adulta, que roubam, passe a expressão, as madeiras aos aldeões. Esta acção, que é em si uma transgressão da ordem natural e social das coisas, evidencia sinais muito similares àqueles que são exibidos nas célebres Festas dos Rapazes em Trás-os-Montes, já aqui mencionadas nos textos dos Caretos de Ousilhão e dos Caretos de Varge. A fraude praticada tem, no entanto, uma desculpa: a madeira, dizem os gaiatos, servirá para aquecer o Menino Jesus. No fundo, trata-se de um rito comum, de emancipação, de transformação dos miúdos em homens.
De qualquer forma, e independentemente da forma como a madeira vai parar à enorme fogueira, o resultado final é sempre o mesmo: gigantes labaredas que, num ritual altamente comunitário e fechado para a povoação que o faz, aquecem os largos e adros que são os regulares pontos de encontro daquelas gentes.
Habitualmente, a fogueira é acendida imediatamente a seguir à Missa do Galo (embora em algumas povoações possa acontecer antes desta). É suposto durar toda a noite de 24 para 25 de Dezembro. Em algumas terras, o fogo é para ser mantido até ao Dia de Reis, altura em que as celebrações natalícias cessam.

O maior Madeiro do país: em Penamacor as chamas chegam acima dos prédios
Simbolismo do Madeiro
Porquê tanta obsessão com um gigante fogo na noite de Natal? Porquê esta mania de entrar em choque com as regras do bem fazer, e se permitir que haja roubo de lenha num dia destes? Por que razão há, no nordeste, esta tradição macabra dos Caretos, mafarricos a quem tudo se permite, e que costumam dançar diabolicamente em redor do fogo?
Toda esta manifestação caótica e de forte envolvente comunitária encontra explicação na verdadeira origem do Natal, palavra latina para nascimento, mas não obrigatoriamente de Jesus Cristo, que ninguém sabe ao certo o dia em que veio ao mundo, e a aventurar-se uma data para tal feito, os investigadores apontam mais para a Primavera do que para o Inverno.
Sabe-se que, no hemisfério norte, o sol começa a decrescer em força a partir do Solstício de Verão, a 20 ou 21 de Junho. Dessa data até dia 21 de Dezembro, as noites vão, progressivamente, tomando as horas ao dia. A natureza entra na sua fase decadente, esmorecendo após as colheitas e quase morrendo definitivamente no último mês do ano. Mas há um volte-face: depois do dia 21 de Dezembro, dia em que, arredondando datas, a noite é a mais longa do ano, o sol estagna a sua aparente rota descendente. O dia aguenta-se sem perder mais minutos para o lado da noite. E no dia 25 de Dezembro há a grande novidade: o sol rejuvenesce, o dia recupera parte do seu tempo face à noite, e entra na sua fase ascendente, trazendo a esperança da Primavera e da terra fértil, que chegará dali a três meses.
E é este o grande nascimento do dia 25 de Dezembro, o natal do astro responsável pela vida que cá existe, o Sol Invictus que os romanos puseram em calendário e que druidas celtas e tribos indo-europeias já antes festejavam.
O nascimento de Cristo a 25 de Dezembro surge portanto de uma necessidade de ocultar todo o paganismo anterior, substituindo-se a luz do Deus Sol pela luz do Deus Cristo – não é por acaso que muitas representações de Jesus recém-nascido o trazem com uma auréola dourada e reluzente à volta da sua cabeça (ou mesmo da de Maria e aplicada posteriormente a vários santos), muito semelhante ao sol, sendo isto uma sobreposição de novas imagens, agora bíblicas, a antigos cultos solares.
Todos os detalhes natalícios enunciam o sol: a já falada luz que emana de Jesus quando nasce, a árvore de Natal que é decorada com uma enorme estrela no seu topo, a sugestiva Missa do Galo que deve o seu nome ao animal mais cultuado ao sol (o galo, que canta quando ele reaparece todas as manhãs)… e os Madeiros, essas dantescas fogueiras que sobem acima de casas e igrejas e que reúnem toda uma comunidade, são uma emulação do sol na terra, uma ode humana à recuperação do esplendor do seu astro, depois de um Inverno lhe prometer uma morte que, felizmente, não aconteceu.
Madeiros em Portugal
Como já foi dito, há Madeiros em toda a largura e altura do país, mas é do Tejo para cima que encontramos mais deles.
É famoso o Madeiro de Penamacor, bela aldeia histórica da Beira Baixa, tido como aquele que apresenta a fogueira de maior dimensão e que, por isso, reúne o maior número de curiosos – e que conta com um objectivo ambicioso, ter sempre um Madeiro mais volumoso do que o do ano passado. Ainda lá perto, em Proença-a-Velha e Toulões, há outros Madeiros bem conhecidos na região.
Mais a norte, na cidade da Guarda, é também montada uma grande pilha de madeira junto à Igreja da Misericórdia, num programa que começa bem cedo, logo depois da hora de almoço do dia 24 de Dezembro. Aldeia Viçosa segue o mesmo caminho com uma peculiaridade: a do Magusto da Velha, no dia 26 de Dezembro.
Em Trás-os-Montes, as supracitadas Festas dos Rapazes são acompanhadas de grandes fogueiras na noite de 24.
São várias as Aldeias Históricas de Portugal que alinham na tradição: Monsanto, claro, mas também Belmonte ou Linhares ou Marialva.
Puxando a brasa à minha sardinha, Mira de Aire, vila do distrito de Leiria onde passo a Consoada e responsável pela minha linhagem materna, faz também o seu Madeiro no Largo da Igreja, sítio onde todos os caminhos vão dar antes da hora de jantar. Em Cem Soldos, terra templária não muito longe dali, fenómeno semelhante repete-se.
Mais a sul, já no Alto Alentejo, é costume de Vila Boim entoar cânticos junto a um fogo colectivo, embora não exclusiva ao dia 24 de Dezembro – é antes um acto recorrente que começa uns três ou quatro dias antes da Consoada e termina no dia 6 de Janeiro.
São dezenas (centenas?) os exemplos que podem ser dados. E muitos que ainda podem ser vistos. Infelizmente, não é propriamente um dia fácil para se viajar.