Jogo da Malha

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O Jogo da Malha, por alguns mais conhecido por Chinquilho ou Jogo do Fito ou Jogo do Bicho (sendo que estes quatro nomes poderão, a bem do rigor, representar quatro tipos de jogos parecidos mas ligeiramente diferentes entre si), é praticado em várias povoações do Portugal rural e mesmo em certos perímetros de índole urbana ou suburbana.
Com o avanço daquilo a que se convencionou chamar evolução tecnológica, tem perdido significância. Mas mantém-se orgulhoso na prateleira dos jogos populares, e talvez por lá fique mais tempo do que se pense. Como dizem os ingleses: old habits die hard.
Origem e história da Malha
O Jogo da Malha é, pela sua própria natureza, básico de se jogar. Ou antes, básico de se entender, porque para jogar é preciso ter um combo de duas competências: concentração e perícia. Bastam duas pedras e um pau para se improvisar uma partida, mesmo que não cumprindo com todos os seus escassos requisitos. Isso significa que o seu inventor pode ser qualquer miúdo, adulto ou idoso que, à falta de melhor ideia para passar o tempo, se lembrou deste entretém.
Fazendo essa ressalva, sabemos que os romanos, nomeadamente os seus soldados, se juntavam em convívio e exercitavam os braços num jogo muito semelhante: pegavam em ferraduras de cavalos velhas e atiravam-nas a estacas de madeira – ganhava quem mais se aproximasse do alvo. Regras em tudo idênticas ao Jogo da Malha e Chinquilho contemporâneos. E diz-se que Roma recebeu tal costume por herança grega, atirando o jogo para anos mais longínquos.
Como é que dos romanos e gregos se chegou até aqui? A resposta encontra-se, muito provavelmente, na singeleza do jogo em si, tão simples que passa por universal e intemporal, facilmente adaptado a outras culturas e a outros períodos históricos.
De facto, começando na época romana, contamos depois práticas similares em França, em Espanha, em Itália, na Colômbia, no Brasil, nos Estados Unidos, o que só prova que, metendo regra aqui, tirando regra ali, a Malha é mais um desporto do Homem do que de um país ou cultura em particular. Até no Canadá e noutros países de clima rigoroso conseguimos descortinar qualquer coisa dele – olhe-se para o actual Curling, por exemplo, que é uma espécie de Jogo da Malha das terras frias.
E no entanto, sendo ele um desporto do mundo, raramente se viu tanto fervor no seu exercício como em Portugal. Não sabemos exactamente como cá chegou – a influência romana, como se viu, pode ser uma hipótese para o seu nascimento em território luso. O que sabemos com certeza é que desde há séculos que pastores, operários, homens da lavoura, caçadores e pescadores, todos tinham o seu modo de atirar a malha. Sendo associado às classes mais baixas, e sendo as classes mais baixas menos permeáveis a novas modas – mais não seja pelo custo inerente à mudança -, manteve-se como passatempo de eleição durante anos a fio.
A chegada dos jogos de computador e consola e, mais do que isso, a penetração dos telemóveis e dos seus jogos digitais na população portuguesa, submeteu o Jogo da Malha para a condição irremediável de coisa de velhos. Não sendo de todo uma pessoa dogmática, anseio que as gerações mais grisalhas consigam explicar às gerações do acne que a Malha, em todas as suas versões, não é apenas uma primária jogatina de arremesso. Não falando para já da perícia necessária à sua prática, o que convém lembrar é toda aquela sincera oportunidade de convívio, um tempo de partilha competitiva, de camaradagem e cavaqueira, que se perde quando nos fechamos nos teclados de um smartphone.
Regras do Jogo da Malha
Antes de mais, saliente-se que as regras do Jogo da Malha variam de região para região, não só no que toca ao sistema de pontos atribuído como até à própria forma como os arremessos e os posicionamentos dos jogadores são regulados.
Lembremos, também, que o Jogo da Malha não tem um número obrigatório de jogadores. Pode ser feito com dois jogadores, um contra o outro; com duplas, ou seja, dois contra dois (talvez a forma mais comum, pelo menos quando jogado em torneio); ou em equipas de mais elementos, variando consoante o contexto.
Convém notar, igualmente, que os especialistas separam o Jogo da Malha do do Chinquilho. E terão toda a razão porque o segundo obriga a que o alvo esteja colocado em cima de um tabuleiro, e que os jogadores atirem as suas malhas de cima de uma plataforma de madeira – moda que pegou em determinadas zonas do país, com grande concentração na Estremadura.
Mas, para não complicar mais esta questão, focar-nos-emos no Jogo da Malha em dupla, por ser o que habitualmente é escolhido nos convívios rurais.
Há dois lados, designados como cabeceiras, e cada um deles deve receber um elemento de cada equipa. Ou seja, antes de começar, cada jogador deve ter ao seu lado um elemento da equipa adversária.
Em cada uma das cabeceiras é colocado um pau ou tubo de forma mais ou menos cilíndrica, popularmente conhecido por fito ou meco ou xino. O objectivo de cada elemento é derrubar o meco da cabeceira oposta à sua através do lançamento de discos de ferro (as malhas que dão nome ao jogo) – mesmo que não se consiga derrubar o meco, é pontuada a equipa cuja malha mais se aproxima dele.
O número de lançamentos a que cada elemento tem direito varia, mas o normal é que sejam dois arremessos alternados por jogador. Da mesma forma, a pontuação de cada jogada pode sofrer alterações mediante o sítio em que é praticado: já vi jogos em que o derrube do meco dá três pontos e outros em que dá apenas dois. E um ponto é dado à malha que mais se aproxima do fito (que pode não ser a mesma que derruba o meco). Alguns torneios, como incentivo, oferecem prémios aos jogadores que mais vezes derribam o xino (vinho, jantares, rodadas de cerveja, até galinhas ou galos).
Também a distância a que cada alvo está do atirador pode alterar – para gente com experiência vai além dos quinze metros, mas o habitual é rondar os dez, onze ou doze metros. Para as mulheres, que não são propriamente uma presença constante no Jogo da Malha, a distância costuma ser encurtada – os discos são pesados e certamente um lançamento feminino não consegue, em média, ir tão longe quanto um masculino.
É frequente fazer-se uma partida à melhor de três (isto é, ganha quem vencer dois jogos). E cada jogo é vencido quando uma das equipas totaliza determinado número de pontos – quase sempre algures entre vinte e trinta.
Onde se joga a Malha, o Fito ou o Chinquilho
Dirá muita gente que quem quer treinar o lançamento da malha tem de sair da urbe, o que não é bem verdade – não descorando, claro, o facto de ser no meio rural que mais penetração o jogo tem.
Toda a Estremadura e a sua continuação para a lezíria do Ribatejo tem duradoura relação com esta prática, nomeadamente no modo a que chamamos de Chinquilho, onde ainda conseguimos ver treinos e campeonatos de clubes de freguesia.
O distrito de Évora, por exemplo, promove uma Festa da Malha todos os anos, no mês de Setembro. São também muitos os cafés que, numa acção que une o lado comercial à promoção da vida comunitária das aldeias, organizam campeonatos de Jogo da Malha.
Não há mesmo nenhuma região portuguesa em destaque. Todas a jogam. É certo que algumas com uma versão muito particular, como é o caso de Trás-os-Montes e Beira Alta e a sua variante, o Jogo do Fito, ou de determinadas povoações do Douro Litoral, onde o Jogo da Malha pode levar com novas variáveis, como por exemplo a introdução de obstáculos que dificultam a vida do arremessador.
Não é, decerto, um desporto regional, mas sim nacional, embora decifrado de diversas maneiras consoante a região.
É jogado como relaxante no fim do dia de trabalho, como passatempo nos fins de semanas, como marco cultural nos dias de festa popular. Nas eiras e nos terreiros e nos largos empoeirados das terriolas de Portugal inteiro. E alguns desses sítios ficaram tão filiados à sua prática que não escaparam a que levassem com o seu nome. Isso mesmo, sempre que virem uma Rua da Malha lembrem-se de todas as derrotas e vitórias que, entre apostas e copos e alvoroço, ali passaram.
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