Gaita de Fole da Estremadura

by | 8 Jul, 2016 | Culturais, Estremadura, Províncias, Tradições

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O Portugal Num Mapa foi ao encontro de Henrique Oliveira e Francisco Pimenta, membros da Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita de Foles, para sabermos mais sobre o uso da gaita de fole numa região a que muitos portugueses não a associam: a Estremadura. A informação que trouxeram é preciosa e minuciosa. Ainda assim, se se quiser saber mais, recomenda-se o livro “Joaquim Roque, o último gaiteiro de Torres Vedras”.

Consegue desmistificar um pouco isto de associarmos a gaita-de-fole às nações ditas celtas? Creio ser também essa a razão para, no inconsciente dos portugueses, a ligarem tanto às regiões mais setentrionais de Portugal, esquecendo que ela foi um elemento muito presente na província da Estremadura.

A gaita de fole está hoje presente na Irlanda, Escócia, Bretanha (França), países historicamente relacionados com a cultura celta, assim como na Inglaterra e na Galiza, regiões que também receberam influência dos povos célticos.
Mas um olhar geral sobre a sua distribuição mundial mostra que ela não é tocada exclusivamente nas regiões que receberam influência de matriz celta. Ao contrário, observamos que muitas culturas não europeias, sem relação direta ou indireta com os povos celtas, conhecem o instrumento desde há muito.
O contributo da História, Arqueologia e Iconografia são a chave para o que sabemos – e não sabemos – sobre a origem e difusão da gaita de fole. Sem dúvida, podemos afirmar que é um instrumento musical conhecido do Mundo Antigo, pelo menos desde o período Greco-Romano. E que a sua invenção foi a combinação inteligente entre instrumentos de vento pré-existentes (de palheta e sopro direto) e um fole em pele, recorrendo aos odres usados como recipientes, para transporte ou conservação de alimentos, ou ainda como flutuadores.
Sabe-se muito pouco sobre as práticas musicais dos Celtas, mas do Médio Oriente chegaram até nós instrumentos de palheta datados do 3º milénio a.C., que foram produzidos por civilizações prósperas assentes numa economia agro-pastoril. Será a gaita de fole originária dessa região, tendo sido depois difundida para outras partes do mundo, através da expansão de diversos povos (fenícios, cartagineses ou romanos)?
Ou a invenção do instrumento poderá ter-se dado ao mesmo tempo em diferentes culturas sem contacto entre si?
Tomemos o exemplo da gaita de fole tocada hoje na Tunísia. A sua presença nesse país será influência das culturas do Médio Oriente ou corresponde a uma invenção local? Ou ainda, terão sido os próprios Romanos, na sua expansão para o norte de África, que aí introduziram o instrumento? Ou terá sido levada pelos povos germânicos (Vândalos) estabelecidos na Ibéria, em êxodo forçado pela chegada de nova invasão germânica (Visigodos)?
Além das regiões “consagradas como celtas”, vemos assim que as gaitas de fole são tocadas em países tão diferentes como a Suécia e Irão, Grécia e Ucrânia, Argélia e Índia.
Determinar a origem (ou origens) e difusão de instrumentos musicais antigos, como a gaita de fole, exige acima de tudo muita prudência.
É de notar que para esse imaginário da origem celta das gaitas de fole muito contribuiu a notoriedade da gaita de fole escocesa (great highland bagpipe), originária das terras altas do norte da Escócia, justamente um dos últimos redutos desse país onde uma língua celta sobreviveu. Essa gaita de fole foi integrada ainda no século XIX nos regimentos militares do Império Britânico, então o mais extenso do globo. Esta difusão militar dessa gaita de fole levou-a praticamente todos os cantos do globo, razão pela qual ainda hoje existem bandas desse instrumento em países tão improváveis como a Jordânia, um país árabe.

Falamos da gaita-de-fole ter sido muito tocada na província estremenha, mas de que concelhos ou zonas falamos exatamente?

Existem gaiteiros documentados no século XX em diversos pontos desta província, nomeadamente na Nazaré, Alcobaça, Bombarral, Lourinhã, Torres Vedras, Alenquer e Mafra (Estremadura aquém Tejo), e ainda no Montijo, Palmela e Sesimbra (além Tejo). São estes os concelhos onde, ao longo do século XX, foi possível reunir mais informação, direta ou indireta, sobre vários tocadores: os seus instrumentos, repertório e memórias de vida. Em geral, sobressai a ligação dos gaiteiros estremenhos aos peditórios e Círios, romarias específicas da Estremadura que acorrem a santuários da região, designadamente a Nossa Senhora dos Remédios (Peniche), Nossa Senhora da Atalaia (Montijo), Nossa Senhora da Nazaré, Bom Jesus do Carvalhal (Bombarral) e Nossa Senhora do Cabo (Sesimbra).

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Gaiteiro de Torres Vedras

A gaita de fole em Torres Vedras

De que forma a gaita de fole tocada na Estremadura difere de outras tocadas mais a norte, como a galega no Minho, ou a mirandesa no Planalto Mirandês?

Não existe um estudo aturado sobre as escalas musicais das gaitas da Estremadura. Todavia, as gaitas que foram possíveis documentar, regra geral, apresentam afinidade tipológica com o Minho e Galiza, sendo sabido que parte das gaitas tocadas pelos gaiteiros desta região era adquirida em lojas localizadas em Lisboa, que as encomendavam no norte do país ou importavam da Galiza.
Mas não é de excluir, e é até mesmo natural, que algumas gaitas fossem construídas localmente. Por exemplo, existem casos de ponteiras de gaiteiros estremenhos que não apresentam identidade absoluta com modelos de gaitas provenientes do norte de Portugal ou Galiza.

Tenho notado um novo interesse pelo cancioneiro e os tocadores transmontanos e minhotos, mas não noto o mesmo na Estremadura. Concorda? Os gaiteiros estremenhos estão em vias de extinção?

A visão que temos, sobretudo a partir da atividade da Associação Gaita de Foles, com sede na região, é que o trabalho de documentação e divulgação dos antigos gaiteiros despertou a curiosidade dos novos gaiteiros que residem na área Metropolitana de Lisboa. Reforçou esse interesse a publicação do primeiro livro exclusivamente dedicado a um gaiteiro tradicional da Estremadura (“Joaquim Roque: O Último Gaiteiro Tradicional de Torres Vedras”). Não apenas os alunos aprendem repertório desse e de outros tocadores estremenhos, como têm a oportunidade de com eles conviver em eventos musicais de abrangência regional ou nacional.
Gaiteiros como Joaquim Roque (80 anos) estão deixando a vez aos novos gaiteiros, que começaram já a participar nos círios da Estremadura. E, com efeito, existem hoje mais gaiteiros a tocar nos círios do que há 15/20 atrás.
O que precisamos entender é que estamos perante um contexto diferente: a nova geração de gaiteiros na região tem surgido não na linha da transmissão oral dos meios rurais, mas sim como resultado de movimentos urbanos revivalistas deste instrumento. Na Estremadura, hoje, os gaiteiros que podemos chamar de “estremenhos” – afinal, a Grande Lisboa é Estremadura – invertem, de certa forma, o sentido do movimento das migrações “campo” – cidade do séc. XX. Os novos gaiteiros, que aprendem lendo partituras ou ouvindo os tocadores “rurais”, moram sobretudo em contexto urbano, mas são contratados pelas comissões dos círios de concelhos afastados, para serem o gaiteiro da festividade todos os anos.
Na Estremadura extra urbana também têm surgido novos gaiteiros, nomeadamente na Freiria, Torres Vedras, de onde eram naturais pelo menos dois antigos gaiteiros estremenhos.

Onde e quando, se é que ainda é possível, conseguimos ouvir gaiteiros estremenhos a tocar hoje em dia?

É possível ouvi-los em Outubro no Santuário da Sra. dos Remédios (Peniche), quando aí afluem vários círios, e também no Santuário de Bom Jesus do Carvalhal (Bombarral), Nossa Sra. da Atalaia (Montijo) e Festas do Espírito Santo (Alenquer).

Entrevista sobre a Gaita de Fole da Estremadura

O Portugal Num Mapa quer agradecer ao Henrique Oliveira e ao Francisco Pimenta pelo tempo dedicado a este assunto. Ambos são membros da Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita de Foles, normalmente referida por Associação Gaita de Foles.

Fotografia dos entrevistados por Daniela Fragateiro.

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