Lenda de Maria Mantela

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A tradição oral pode ser de tal modo forte que uma estátua que deveria funcionar como homenagem à maternidade, se tornou, por via da lenda, a Estátua de Maria Mantela.
A história de Maria Mantela é uma das maiores curiosidades do lendário português, havendo uma boa dose de versões e mais uma mão cheia de diferentes maneiras de a contar. Por isso, vamos deixá-la aqui em jeito de compilação, apanhando pormenores de várias fontes, sabendo à partida que nenhuma lenda está completa e que há que deixá-las variar com o tempo.
A lenda
Maria Mantela era mulher abastada e conservadora, casada com Fernão Gralho, e viviam ambos junto à actual Rua da Misericórdia, em Chaves. Educada para ser rígida, impunha a si mesma um padrão de comportamento retrógrado, mesmo para aquele tempo. E era nesse sentido que via o nascimento de gémeos como um pecado, já que na sua cabeça seria impossível que de um só parto pudessem nascer duas ou mais crianças, e se tal acontecesse, isso só poderia significar que haveria mais do que um pai, ou seja, que o adultério seria a única explicação para isso.
Um dia uma pedinte, com duas crianças ao colo, iguais, da mesma idade, bateu à porta da casa apalaçada de Maria Mantela pedindo esmola. Maria Mantela, incomodada com o que via, perguntou à pobre mulher diante de si como tinha dois bebés consigo e a pedinte confirmou: eram gémeos, e, obviamente, de um só parto. Indignada, Maria Mantela ofendeu-a e expulsou-a de casa, deixando a mãe a chorar de vergonha enquanto partia, não sem antes gesticular um sinal da cruz junto à porta por onde havia entrado, amaldiçoando o destino de Maria Mantela.
O marido, Fernão Gralho, um bom homem, sabendo da desavença, chamou a atenção da sua esposa, dizendo que ninguém, por ter tido gémeos, entrou em qualquer pecado, mas a sua mulher tinha a ignorante certeza de que tal não poderia ser possível.
Ora, Maria Mantela engravidou pouco tempo depois, e soube-o numa altura em que o seu marido estava fora em negócios. E numa das maiores ironias que o destino pode dar, a maldição da pedinte surtiu o efeito pretendido: caíram-lhe na rifa sete filhos, todos homens, todos iguais. A vergonha e culpa não poderiam ser maiores. Era tanto o embaraço, que nenhuma outra ideia lhe ocorreu que não livrar-se de seis dos sete filhos que deu à luz. E, como coragem era coisa que lhe faltava, pediu a uma criada da sua confiança que o fizesse por si, ordenando que os recém-nascidos fossem atirados, numa cesta, para o canal mais profundo do Tâmega.
A criada, a contragosto, assim fez, e metendo os bebés num cesto, tapando-os com uma manta, fez-se a caminho, com destino à zona mais selvagem e profunda do Tâmega. Enquanto fazia, em segredo, aquele troço sinuoso, deu de caras com Fernão Gralho, pai de todas as crianças que carregava consigo, e que voltava finalmente a casa. A criada não conseguiu disfarçar o pudor, e Fernão Gralho, apercebendo-se disso, levantou a ponta do manto, dando conta dos seis filhos que se preparava para perder. Pressionada, a criada contou tudo. E Fernão Gralho, homem de elevado sentido moral, pediu-lhe que esta arranjasse uma ama para cada um dos seus filhos e que estes fossem criados em segredo, e que quando voltasse a casa dissesse à sua Senhora que aquilo que lhe fora pedido tinha sido cumprido.
Passaram-se anos. Sete anos, mais precisamente. O miúdo de Maria Mantela e de Fernão Gralho estava mais velho, e julgava-se, até aí, filho único. Mas Fernão Gralho, que tinha mantido a sua decisão em sigilo absoluto até essa data, quis mostrar à sua mulher o que sabia.
Uma vez, estando Maria Mantela fora, Fernão Gralho pediu que reunissem as seis crianças abandonadas às suas amas. Vestiu-os de igual para vincar ainda mais as suas parecenças. E pô-los à mesa de jantar, todos juntos, à espera da mãe que, sete anos antes, os tinha enviado para a morte. E a sua mãe acabou por chegar, deparando-se com a verdade que andou a negar durante tanto tempo. Eram tão parecidos, os seus filhos, que nem aquele com que ficou conseguiu reconhecer. Consumida de vergonha, ajoelhou-se em choro, e confirmou tudo o que o seu marido já sabia.
Fernão Gralho, que não era homem de guardar rancores, disse que se ela se arrependesse verdadeiramente daquilo que quis fazer, mas que graças a ele não aconteceu, Deus a perdoaria. E ela, caindo em si, assim fez.
Os miúdos cresceram sãos e felizes, e todos deram em padres, fundando cada um a sua igreja, e que hoje correspondem a estas: Igreja do Mosteiro de Daso, Igreja de Vilar de Perdizes, Igreja de Santa Maria de Moreiras, Igreja de Santa Maria de Emeres, Igreja de Santa Leocádia, Igreja de Santa Maria de Calvão, e, como não poderia deixar de ser, a Igreja Matriz de Chaves. Nesta última, conta-se, existia uma placa que atestava a lenda: “Aqui jaz Maria Mantela com seus sete filhos em redor dela”.
Em tempos recentes, uma estátua exposta no Jardim do Bacalhau pretendeu fazer uma homenagem às mães, ou em sentido lato, à maternidade. Esculpiu-se uma mulher com gémeos ao seu colo. Mas o povo, que não perde pitada, virou o prego, e fez dela a estátua à lenda que sempre lhes esteve nos ouvidos. Aquela estátua não era apenas de uma mãe. E para sempre ficou, irreversivelmente, a Estátua de Maria Mantela.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.742037 ; lon=-7.471863