Curas Populares da Ilha da Madeira
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À sabedoria popular madeirense não pode faltar o papel da crença e dos fenómenos sobrenaturais, neutralizados, como não podia deixar de ser, pelas ciências e medicinas populares vulgarizadas sob o nome de “curas”, ou “curares”, caseiras ou veiculadas por terceiros. É evidente que as “curas” hoje não vingam na cultura popular madeirense com a força com que no passado de há trinta anos e muito antes o faziam, pois que era com fácil descaro que se enraizavam nas prescrições da massa popular pela sua credulidade. Cabe sublinhar que estes “curares” tradicionais se revestem naturalmente de uma moldura católico-cristã pela robustez religiosa de que se povoa toda a ilha.
A medicina popular na Madeira
O madeirense que padece de maleitas físicas, ou que suspeita de ser receptáculo do fenómeno a que chamam “mau olhado”, pode recorrer aos ‹‹curares››, havendo todo um “mercado” espalhado pela ilha no sentido de responder às necessidades do “doente” pela mão da curandeira (a figura do curandeiro é tanto quanto se sabe geralmente atribuída ao sexo feminino). Pode, também, no seio familiar um parente do doente saber “curar”.
De todo este “mercado”, vimos partilhar dois “curares” que nos chegaram por intermédio de pessoas de idade da comunidade local com quem contactámos. O primeiro diz respeito à cura do”Mau Olhado”, o segundo inclui-se nos curares de dores de cabeça, com origem nos malefícios da Natureza (a título de exemplo, o sol forte e as correntes de ar), de nome “Curar de Ar de Sol”.
Antes de mais nada, para a cura do “Mau Olhado” a curandeira deve munir-se de um galho de alecrim, ou em alternativa de uma folha de louro disposta em cruz, após o que se benze e reza o Credo em cruz para o doente, ambas as ervas com função apotropaica. O doente deve estar sentado de costas para a curandeira, de modo que a cura possa cobri-lo com máxima eficácia. Iniciados os preparativos à cura e guarnecida a curandeira de alecrim, a oração é enunciada a par de um gesto em cruz, invocando o nome da pessoa a que se destina:
‹‹Maria, eu te curo da inveja e do empresamento [sic],
Maria, lembras-te de quem te deu esse olhado?
Foi homem ou foi mulher que te deu esse olhado?
Se to deram no comer, Jesus Cristo te queira valer,
Se to deram no teu vestir, no teu calçar,
Na tua beleza, na tua formosura,
Em todo o teu ser humano,
Jesus Cristo to queira tirar,
E assim como o menino Jesus nasceu ao cantar do galo,
Ao mar vá deitar esta inveja excomungada,
Que o mar é grande e poderoso,
Pode com o bem e com o mal,
Jesus Cristo to queira tirar,
Amem.
Ofereço este curar a Nossa Senhora de Belém,
Que tire todo o mal deste corpo em bem››.
Ao fim de cinco, sete ou nove vezes declamada a oração, a curandeira benze o doente dando por terminada a sessão. Depois, procede à queima da erva para selar o ritual.
Tanto quanto sabemos, o “Curar de Ar de Sol” é entoado ao paciente que por sobre a cabeça sustenta um copo com água debaixo do qual se dispõe uma toalha de linho. Pressupõe-se que durante a oração o mal seja transferido da cabeça para a água. A água deve, depois, ser despejada e a maleita esvai-se com ela. A oração segue desta forma:
– Para onde vais, Santa Iria?
– Vou curar o meu filho do sol e calmaria.
– Volta atrás, Santa Iria, que o teu filho está curado.
Com uma toalha de linho, um vidrinho de água fria,
Em nome da Virgem Maria!
Outrossim, sabemos existir curares de “Ar de Frio” (também para a cabeça, à semelhança do “Curar de Ar de Sol”) e “de Aberto” (para ossos deslocados), todavia, ainda não nos foi possível recolhê-los. Esperamos, pois, tê-los em nossa posse futuramente a fim de os divulgarmos nesta plataforma.