Cantos Populares Madeirenses (III)
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Uma nova edição de cantares populares madeirenses impõe-se-nos para divulgação, que celebramos com dedicação ao vernáculo de tradição pitoresca, como não podia deixar de ser, ao mesmo tempo íntimo e de humores peculiares. Nos versos dos dois primeiros exemplos de canção que serão elencados, nota-se a presença dominante das obrigações morais que entroncam na questão moral da vergonha, essencial à ordem dos bons costumes e à manutenção do virtuosismo, do pudor e da modéstia entre famílias. A primeira canção, quadra que desvela a propensão para a coscuvilhice (bilhardice, a emprego do bom vernáculo madeirense) entre os pares de uma sociedade, trata de forma subtil os perigos iminentes de dois jovens de sexos opostos que travam conversa, não fosse esta evoluir para interesses amorosos correspondidos.
‹‹Se visses o que eu vi/
Ali além no lombinho/
Uma rapariga nova/
A falar com um rapazinho.››
O tema da viúva é recorrente em vários cantares madeirenses, conhece-se, até, por intermédio das árias bradadas à época das festividades religiosas do Espírito Santo pelas saloias cantadeiras, que versos especiais são dedicados à viúva, a cuja figura de pranto e recato deve ser prestada homenagem (podem ler-se nas seguintes estrofes: o divino Espírito Santo/ retratado numa núvia [sic: nuvem]/ agradeço esta oferta/ e das mãos da, e das mãos daquela viúva, e na sua contraparte masculina: o divino Espírito Santo/ que lá do céu vê tudo/ agradeço esta oferta/ e das mãos da, e das mãos daquele viúvo). No quadro que se segue, parece a canção ter originado no tempo da Primeira Grande Guerra, como desvendam os versos, por essa razão recolhidos com a impressão de serem bastante antigos, como nos disse a fonte, segundo a qual já os pais e os avós os cantavam.
‹‹A viuvinha está triste/
Que lhe morreu o marido/
Não tem quem lhe faça a cama/
Anda com o sono perdido/
Diga lá, ó senhora viúva/
Com quem é que quer casar/
Se é com um senhor da Alemanha/
Ou com um senhor general/
– Eu esses homens não quero/
Que não são dados a mim/
Sou uma pobre viúva/
Tudo tem pena de mim.››
A terceira canção popular é uma quadra que em essência projeta os afazeres caseiros e a imagem da fazenda como elemento social, essencial à produção agrícola das famílias. Nos tempos idos, quando a família não tinha uma pouca de terra sua, recorria ao vínculo morgadio e cultivava um bocado de terra a um morgado, a fim de colher as benfeitorias (produto da terra).
‹‹Menina, vamos à erva/
Que o cantar da erva alembra [sic]/
Senhora, não vou à erva/
Que o meu pai não tem fazenda.››
O próximo e último excerto não trata da moral e da sua compensação social em verso, mas é feito de duas pouco conhecidas quadras que se popularizaram e estabeleceram na região há muito tempo. Não podemos prescindir de trazer esta canção à colação que até então tem sido reproduzida sob diferentes versões. A nossa parece mais próxima da original.
‹‹A minha terra é a Madeira/
Embalada ao som do mar/
Tem prados cheios de relva/
E ribeiros a cantar (bis).
Toda ela é um jardim/
De cravos e brancas rosas/
Onde vão nitar (nidificar) ao sol/
Ondejantes mariposas.››