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Tida, no caso dos machos, como a maior das aves europeias e uma das maiores do mundo, a Abetarda revelou-se um dos poucos animais que associamos quase de imediato à Península Ibérica. Em Portugal, é no Alentejo que nidifica.

A pesada Abetarda

Imagine um peru, não os de criação mas os selvagens. Encurte-lhe a cauda dê-lhe uma plumagem menos escura, entre o castanho claro e o branco ou cinzento. Junte-se um talento maior para as lides do voo, já que um peru, mesmo selvagem, raramente tira o pé do chão. Encurte o tamanho das pernas, e alongue a diferença física da fêmea para o macho (este último conta com uns arames colados ao bico semelhantes a bigodes). O resultado que, mais coisa menos coisa, visualizou, não deverá andar muito longe de uma Abetarda. Ou então de um Sisão. E por isso falta o mais importante: adicione peso e dimensão ao aspecto final para excluir o Sisão da sua cabeça. Assim sim. O perfil que a imaginação pensou encaixa com o da realidade.

De facto, se uma só palavra servisse para definir uma Abetarda, essa seria porte. O tamanho da Abetarda é o que melhor a define, pelo menos em termos de aparência, não desfazendo a sua inegável graciosidade. Das aves voadoras, maior do que ela só mesmo uma prima, a Abetarda Gigante – passe o pleonasmo -, com maior distribuição na ponta sul de África. Se a fêmea dificilmente ultrapassa os cinco quilos, o macho, por oposição, consegue ir além dos quinze. E se tal animal se caracteriza como ave terrestre, não devemos deixar de anotar que ela, apesar do seu peso, voa. Quinze quilos no ar, é obra. E justifica todo o balanço que tem de tomar para remar contra a gravidade.

Ave agrícola

O lar da Abetarda varia conforme o tempo – até conforme o género, já que o macho, em certas alturas do ano, viaja de forma errante, e a fêmea nem tanto. Mas há um denominador comum: a terra operada pelo homem é quase sempre prioritária.

Se no Verão conseguimos vê-la nos mais variados tipos de habitats, de planícies herbáceas abertas e desobstruídas a florestas de mão humana, como montados ou olivais, nas restantes estações damos conta de uma maior selectividade da ave.

No Outono, estepes e terrenos amplos de cereal ceifado pós-colheita, com poucos acidentes geológicos, são as exigências da Abetarda para marcar morada.

Idem no Inverno, é aí, nos campos secos de restolho, que encontra condições para a sua dieta e a das suas crias, ao mesmo tempo que o macho, lá para Fevereiro ou Março, tem campo aberto para as suas paradas cortesãs.

Com a chegada da Primavera, escolhe sobretudo territórios dourados onde o cultivo de cereal impere, mas com preferência por aquelas que descansam de anteriores amanhos, vulgo pousios. É aí que encontra invertebrados que se tornarão alimento para as suas crias, os abetardotos.

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A vaidade dos machos

A etologia avisa-nos que a diferença entre macho e fêmea, na Abetarda, vai além das suas características físicas. Com efeito, para lá dos seus dez quilos de distância, o perfil de um e de outro pouco se toca, partilhando pouco mais do que o mesmo tipo de dieta – que, já agora, se baseia em folhas, flores, grãos, brotos, caules, frutos, lagartas, escaravelhos, formigas, até ratos – e a sua constante desconfiança em relação ao que os rodeia – o seu constante estado de alerta é a razão pela qual se torna tão difícil observá-la a menos de meio quilómetro sem ser em voo.

A fêmea, nesta espécie, tem um padrão comportamental semelhante ao de muitas outras aves. É responsável pela selecção do macho para reprodução e tão rapidamente o escolhe como se liberta dele, ficando a seu cargo as despesas da construção do ninho (montado em pequenas cavidades em terrenos de erva) e da alimentação das crias (cuja dieta é feita à base de insectos), bem como da sua protecção (é comum, num jeito que vai contra a sua própria personalidade, a Abetarda mãe chamar a si as atenções de potenciais predadores para garantir que os filhos ficam livres de perigo).

Já o macho perfila-se enquanto animal particular no mundo das aves. Na já mencionada vagueação dos seus voos e nas suas palacianas paradas nupciais. Estas últimas merecem mais umas linhas descritivas. De Fevereiro a Maio, os machos aglomeram-se em termos descampados e executam uma coreografia de um pomposidade singular – é como se estivesse a virar a casaca, subvertendo a ordem natural da sua plumagem, transformando-se num novelo de penas erectas e espampanantes. Assim se apresentam ao sexo oposto, esperando ser abordados para a cópula.

Ainda assim, apesar das pronunciadas divergências, machos e fêmeas coabitam em bandos mistos, que podem ir dos vinte aos cem exemplares, com excepção do período anterior ao acasalamento, altura em que os grupos se desagregam.

Abetarda macho em pose de cortejo

Macho a cortejar

Distribuição nacional

Não é facto conhecido que Portugal e Espanha são, hoje, os países com maior concentração de Abetardas em todo o mundo – sensivelmente metade da população global localiza-se em solo ibérico.

Por cá, em Portugal, fixam-se quase exclusivamente no Baixo Alentejo (Castro Verde, Cuba) e no Alto Alentejo (Mourão, Alter do Chão, Campo Maior, Vila Fernando, Évora, Monforte) – há pequenos focos na Beira Baixa (nomeadamente em Idanha), no Algarve setentrional, e na fronteira da Estremadura com o Ribatejo, no Estuário do Tejo. A norte disto, é quase inexistente. E de todas as regiões acima mencionadas, Castro Verde (mais concretamente Campo Branco) detém a vasta maioria da população local (há quem fale em 80% do total), correspondendo a cerca de 1200 aves – número que já foi maior, mas que também já foi mais baixo.

A predilecção que têm pela planície alentejana prende-se com a sua tendência em nidificar em campos abertos, livres de obstáculos, onde o mosaico criado pela mistura de seara, restolho e pousio acontece. É também na amplitude alentejana que o macho encontra palco suficientemente grande para expor a arte do seu cortejo.

O futuro da Abetarda

Em Portugal em específico, a Abetarda tem vindo a reduzir a área da sua presença, circunscrevendo-se na sua larga maioria à zona de Castro Verde, como já foi dito.

Razões que explicam o decréscimo nos restantes núcleos são várias, mas as principais são facilmente explicáveis e não são, de todo, exclusivas ao nosso país – aliás, já se extinguiu noutros países europeus.

Tendo a Abetarda uma preferência por terrenos plantados pelo homem, sobretudo os cerealíferos, é normal que o seu destino dependa em larga medida do que decidirmos fazer daqui para a frente. A agricultura dita tradicional, onde existe uma rotação de terras considerável, ora semeando um terreno, ora pondo outro ao lado a repousar, tem vindo a desfazer-se, e hoje, por uma questão de aproveitamento dos solos, opta-se pelo regadio intensivo em detrimento do sequeiro e o adubo entra na linha de produção – o que, naturalmente, elimina o número de terrenos em pousio, limitando a superfície prioritizada pela ave.

Da mesma forma podemos falar do abandono da agricultura em certas partes do país, substituídas, por vezes, por florestas, muitas delas não autóctones, factor que prejudica, claro, a permanência da Abetarda por cá.

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