Renda de Peniche

by | 6 Jan, 2020 | Culturais, Estremadura, Províncias, Tradições

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As rendas de bilros tiveram grande penetração em Portugal, sobretudo nas zonas costeiras, começando na nortenha terra de Caminha até à solarenga cidade de Olhão. Nisso, o ditado não engana: onde há redes, há rendas.

No entanto, em nenhum lado se tornou tão resiliente como nos concelhos de Vila do Conde e de Peniche – e, para já, focaremos o presente texto no segundo caso. Foi de tal forma popularizado o rendilhar penichense que acabámos por o categorizar numa gaveta à parte, chamando-o de Renda de Bilros de Peniche, ou muito simplesmente Renda de Peniche.

História

Em termos de documentação existente, podemos afirmar que no século XVII já havia, nas imediações de Peniche, algo parecido com aquilo que mais tarde se vulgarizou como Renda de Peniche. Tratava-se de um trabalho modesto, exclusivamente apontado às mulheres, com o fim de dar um acrescento financeiro ao escasso rendimento que os homens traziam da faina ou até para suprimir qualquer necessidade material de sua casa.

Segundo o livro “A arte popular em Portugal”, a Renda de Peniche sofreu, entretanto, e por via dessa grande auto-estrada de partilha cultural que é o mar, duas influências internacionais: uma francesa, setecentista, e outra de estilo irlandês, de nome guipure.

As primeiras rendas penichenses eram de grande fama, batendo-se com qualquer outra, viesse de onde viesse, mas assistiram a um extenuar progressivo à medida que foram adoptando um estilo mais rude. Surgiu então, no ano de 1887, a Escola de Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia para restituir às rendas o prestígio até ali perdido. O aparecimento da escola teve como consequência um reconhecimento crescente da Renda de Peniche, sendo o século XIX um de grande êxito para a arte.

Com o avançar do tempo para a segunda metade do século XX, as mãos que antes rendilhavam foram necessárias para outras actividades ligadas à conservação do peixe, actividade de maior lucro. Por outro lado, o automatismo e esse conceito económico pouco dado a romantismos chamado escala, empurraram os trabalhos manuais para o baú dos obsoletos. A Renda de Peniche tornou-se, assim, cada vez mais, um passatempo em vez de um trabalho, se tanto.

Todavia, contra correntes e marés, há hoje quem ainda queira saber da Renda de Bilros de Peniche (e, faça-se justiça, o mesmo se passa em Vila do Conde), entregando parte do seu tempo à aprendizagem na Escola Municipal de Rendas de Bilros. A esperança reside, até, na mocidade: grupos de miúdas que viram na arte uma continuação da sua identidade penichense. Haja futuro!

Tudo se passa à superfície de uma almofada gorda e cilíndrica que se põe, apoiada num cavalete, à frente dos olhos das artesãs como se estas fossem dactilografar. Nela se coloca o pique, cartolina com padrão geométrico que irá orientar a execução. E depois, nos pontos principais de inflexão, espetam-se alfinetes – estes serão os apoios da renda, aquilo que garante que, sempre que um bilro é cruzado com outro e largado da mão, uma linha no molde seja traçada. No fim, completa-se o quadro com a ajuda de pontos minuciosos, processo esse que tem o nome de cerzidura.

A complexidade de cada renda varia, como é óbvio. Se as mais gaiatas, para aprenderem o básico, usam meia dúzia de bilros, conseguimos apanhar mulheres de meia idade a executarem rendas com cerca de cem bilros ou até mais, numa dança de dedos e carretos que daria inveja a muito ilusionista.

Palma Rodrigues, nome que, confesso, desconhecia, tem um lindíssimo poema dedicado às mulheres da renda em Peniche:

Tem Peniche nas maneiras
E passa tardes inteiras
No seu banco, no seu trono
Enquanto pensa na vida
Com linha sentida
Noites e noites sem sono
Há quem diga
Rendilheira
Que passaste a vida inteira
Com essa linha sentida
Que nos teus dedos desliza
Serena, forte, precisa
Enquanto pensas na vida!

As rendilheiras e o rendilhado

As mulheres que engrandeceram esta arte apresentavam-se ao trabalho desde muito novas, a maioria desde miúdas, a melhor altura para aprender.

Começavam por estudar os pontos que desembocavam nas geometrias habituais das rendas e, posteriormente, aprendiam a construir os padrões, sempre com as palmas das mãos voltadas para cima – o que as distingue da técnica usada em Vila do Conde, onde se trabalha com a palma da mão virada para baixo (nota deste que vos escreve – que me desculpem as senhoras de Vila do Conde, terra que adoro, mas prefiro a forma de trabalhar das penichences, porque me permite ver melhor a correria dos bilros entre os seus dedos).

Quando olhamos para as rendilheiras mais experientes a construírem o seu mar de rendas ficamos pasmados. Será possível fazer-se renda desta forma, usando tantos bilros que eles mal têm espaço para pousar? Atirando um carreto para a esquerda, dois para a direita, três para o centro, sem nunca perder o pé à ordem, por muito que tal pareça? Desenhando com linha modelos que, à caneta, já seriam difíceis o suficiente? A resposta é sim, mas se não testemunhássemos poderia bem ser não.

O emaranhado de linhas e bilros

Rendilheiras penichenses concentram-se nos seus pontos e bilros

Estátua de homenagem à rendilheira e à renda de Peniche

Monumento à Rendilheira, em Peniche

A Renda de Peniche no século XXI

A inovação nunca deve estar alheada de uma arte centenária. Só assim ela refloresce. Só assim se consegue que ela não se deposite num bafiento quarto ao qual ninguém volta. Percebendo isso, o município garantiu que a Renda de Peniche se atirasse a sectores onde antes não ousava entrar.

Das toalhas e colchas de casa, panos de decoração e napperons, ou seja, de um consumo que quase não passava do seu criador, as rendas são agora matéria prima para artigos de moda (vestuário, colares, brincos, gargantilhas) e outros utensílios utilitários (marcadores de livros, por exemplo). Para isso foi necessário uma adição materiais que antes não eram usados nas rendas, nomeadamente a lã. Como curiosidade, hoje em dia até já se fazem rendas comestíveis, como biscoitos adornados com rendas de açúcar.

A outro nível, foi também fundado pelo concelho de Peniche, em 2016, o Museu da Renda de Bilros, situado no lado sul da península penichense, oposto à Papôa, com o objectivo de preservar e impulsionar um património que, por todas as razões, não deveria finar.

A própria cidade de Peniche homenageou as suas mulheres com o Monumento à Rendilheira, situado num jardim público não muito longe do museu acima mencionado.

Peniche – o que fazer, onde comer, onde dormir

Peniche vive cara a cara com o mar. Tirarem o Oceano a um penichense é roubarem-lhe o chão. E por isso toda a movida do concelho distribui-se ao longo da linha costeira: da Consolação à Praia dos Supertubos , do Cabo Carvoeiro à península da Papôa, do Baleal às Berlengas, tudo é mar em Peniche. Aqui se misturam banhistas, surfistas, pescadores e rendilheiras. É o Oeste no seu zénite.

E para o viver há escolhas boas que cheguem. Para quem vem de prancha debaixo do braço, o Supertubos Beach Hostel, mesmo em frente à praia homónima, é escolha certa. Os que privilegiam o conforto têm dois hotéis a ter em conta: o MH Atlântico, a sul, junto à praia, e o MH Peniche, à entrada da cidade. Quanto a casas, o apartamento Berlengas à Vista diz tudo no nome - de todo o lado, vê-se o mar. Mais a norte, no meio do pequeno povoado do Baleal, temos a Silver Coast - Casa da Ilha, um pequeno poiso de dois quartos com cozinha equipada.

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