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A Gineta, ou Geneta, podia ser um gato. As semelhanças estão em todo o lado. No rosto. Na cauda. Na personalidade. Até nos nomes alternativos que lhe espetaram – gato-toirão, gato-bravo, gato-bravio, gato-gineto, gato-árabe. Contudo, não é um gato. Não é sequer um felino. Trata-se antes de um dos mais frequentes mamíferos selvagens portugueses, e só não damos tanto com o bicho porque ele guarda quase toda a sua energia para as horas da noite.

O gato que não o é

Tem pelo aveludado, orelhas triangulares, cauda bamboleante, olhos achinesados, unhas afiadas e bigodes pontiagudos. Mostra independência, gosta de estar sozinha, presta pouco cavaco a quem quer que seja. Tem equilíbrio de acrobata, impulsão de trampolim, agilidade de plasticina, escalada de alpinista. Faz ninhadas de uma ou duas ou três crias e solta uma espécie de miado no acto reprodutivo.

Dando estas pistas para uma eventual pergunta de quem se trata?, a resposta seria, com boa dose de certeza, o gato. A surpresa não é só que estas sejam características de um outro animal, a Gineta, mas que esta espécie não esteja sequer na mesma família dos restantes felinos no que toca à classificação científica.

Há diferenças marcantes, claro, a começar pelo nível de domesticação de cada um, sendo a Gineta bem menos sociável. Mas também existem divergências no aspecto: no focinho, que é mais longo e afunilado no caso da Gineta, e no pelo, que é genericamente mais felpudo e que conta com um padrão muito característico – no corpo, as manchas assemelham-se às de um leopardo, na cauda, os anéis lembram os de um tigre. Igualmente a marcar a diferença está a dieta, que no caso da Gineta podemos dizer que é tudo menos esquisita: marcham plantas, frutos, peixes, ovas e ovos, insectos, marisco, moluscos, pequenos roedores, aves, répteis, anfíbios, aracnídeos.

Por outro lado, a Gineta funciona ao contrário do horário humano. Quando nós recolhemos, elas despertam. Quando nós despertamos, elas recolhem. Um nightwatch de quatro patas. Daí que seja difícil vê-las, muito embora gozem de boa distribuição por todo o território nacional continental e não estarem, de todo, ameaçadas. No meu caso, por exemplo, só uma vez fiquei com a certeza de me ter cruzado com uma – foi na Serra de Aire e Candeeiros e só aconteceu porque ela se deixou hipnotizar pela descarga de luz dos máximos do carro no meio de uma noite de breu. Podemos, de resto, fazer o teste de procurar por imagens suas, e é garantido que mais de noventa por cento são conseguidas em ambiente nocturno, quase sempre com recurso à foto-armadilhagem.

Gineta de Bordalo II, na cidade de Bragança

Gineta em arte urbana, Bragança

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Gineta observa a noite

A Gineta, animal da noite

A migração para Portugal

Originalmente, a Gineta é autóctone de África – muito em especial do norte de África, aquém do Sahara. Mas hoje a sua população alastrou para toda a Ibéria e até a uma porção do sul de França, isto esquecendo pequenas bolhas que possam existir noutros países do Velho Continente. Ora, havendo um mar a separar o continente africano do europeu, fica a pergunta: como é que a Gineta atravessou o Mediterrâneo e se instalou, quase exclusivamente, na Península Ibérica?

Uma possível explicação, aliás aquela que mais lemos nas prosas zoófilas, defende que terão sido os povos norte-africanos, aquando da ocupação da Península Ibérica, que terão trazido a Gineta consigo, voluntariamente ou não – há quem justifique que terá havido intencionalidade de as levar consigo porque esta tinha alguma capacidade de domesticação e ajudava a matar os roedores destruidores de colheitas. Outra teoria vai até ao Médio Oriente, onde a Gineta tem também bom histórico em número de exemplares, e afirma que terão sido outros povos, eventualmente os fenícios e as suas famosas rotas comerciais, a carregar a espécie até cá. Uma última tese vai bem atrás e argumenta que a Gineta atravessou o mar Mediterrâneo quando o estreito de Gibraltar ainda não existia – esta hipótese, está visto, teria como conclusão que a Gineta é, contas feitas, autóctone da Península Ibérica, já que o estreito de Gibraltar se começou a formar milhões de anos antes de haver humanidade.

Deixando a história para trás, fiquemos agora pelo presente.

Tendo em conta que a Gineta gosta de campos com algum capital de resguardo, como penedia quebrada ou árvores fendidas que lhes dêem abrigo para o descanso diurno, elas tendem a escolher zonas mais rurais. Se houver rios por perto, melhor, a barriga agradece. Ainda assim, e aqui volta a peculiaridade capacidade de adaptação da Gineta, não é incomum encontrá-la nos subúrbios menos apressados das grandes cidades. Da mesma forma, embora prefira climas temperados ou mesmo quentes, também não vem como surpresa tê-la em alguns planaltos mais friorentos.

Ainda assim, há sempre uma preferência. As zonas do sul, por estarem sob maior influência mediterrânea, acabam por beneficiar de maior penetração, nomeadamente nas zonas arborizadas. O Algarve e o Baixo Alentejo, quer no Parque da Costa Vicentina, quer no Parque do Vale do Guadiana, são regiões privilegiadas para a sua observação, nomeadamente em manchas de olival ou de montado. Mas também mais acima, na Serra de São Mamede, na Serra da Malcata, na Serra de Aire… A população só começa a cair consideravelmente quando chegamos às terras altas beirãs e transmontanas, e mesmo assim, não parece ser difícil observá-la em geografias nortenhas como no vale do Tâmega, no Planalto Mirandês, mesmo Bragança, onde até conta com um mural criado por Bordalo II.

De fora estão, contudo, os arquipélagos, quer da Madeira, quer dos Açores – ao contrário do que acontece em Espanha, onde está presente, e com afinco, nas ilhas Baleares. Tal distribuição parece dar alguma razão à teoria que defende a migração da Gineta para a Península Ibérica a reboque da ocupação sarracena, tendo em conta que os árabes estiveram nas Baleares do Mediterrâneo mas não estiveram nas nossas ilhas atlânticas (o povoamento da Madeira e dos Açores foi bem posterior).

Resumindo: Ginetas não faltam, falta é dar-se com elas. Acaso a noite vos dê uma pequena luz sobre uma, guardem esse momento convosco. Dificilmente se repetirá.

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