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A raposa vermelha (Vulpes vulpes), vulgar “Raposa”, a par com o lobo ibérico, é um dos canídeos selvagens que marcam presença no território nacional. Ao contrário do lobo, no entanto, a raposa não tem um estatuto de espécie ameaçada, felizmente, e é possível encontrá-la por todo o país.

A sua aparência de canídeo de pequenas dimensões, com pêlo acastanhado/alaranjado felpudo e uma longa cauda felpuda de ponta branca, juntamente com o seu focinho alongado, grandes orelhas atentas e um olhar sábio e inteligente remete-nos para uma figura icónica e inconfundível que está presente na imaginação de miúdos e graúdos sempre que pensamos em animais do bosque, em fábulas ou em contos de fadas.

Felizmente, é um animal que não se restringe à imaginação, e que se encontra com relativa frequência se dedicarmos algum tempo a percorrer as zonas mais serranas, arborizadas e rurais do país, e por vezes até mesmo em zonas relativamente perto de centros urbanísticos.

A raposa é uma presença assídua em fábulas, cujo encanto se torna maior quando as encontramos em plena natureza de norte a sul do país, e verificamos que não ficam nada a dever à sua versão imaginária, mas sim o inverso. As raposas das fábulas podem falar, mas são as raposas reais que nos dizem mais.

Dar de caras com uma raposa provoca um encanto que ultrapassa qualquer uma das suas encarnações imaginárias, sendo capaz de alegrar o dia mais cinzento de uma pessoa, embora os donos de galinheiros possam discordar.

De norte a sul lá encontramos uma a passear numa qualquer caminhada pelo mato, seja um bosque beirão ou nortenho, ou um montado alentejano, seja a atravessar uma estrada perto de uma localidade ou numa serra, ou até mesmo em locais tão improváveis como numa área de serviço do interior, em busca de restos de comida.

As mais fugidias têm a tendência a correrem de imediato para dentro da protecção do mato quando são avistadas por humanos, porventura com receio que seja algum caçador, mas frequentemente voltam para vir dar uma espreitadela, motivadas por uma das suas principais características: a curiosidade. Nestas ocasiões podemos vê-las a ressurgir por entre a vegetação, meio escondidas, com as suas orelhas e olhos a escaparem à camuflagem das ervas, a observarem rapidamente quais as nossas intenções, e se porventura não trazemos algum petisco como oferenda. Outras, por outro lado, embora sejam sempre animais selvagens, tornam-se mais amistosas quando estão habituadas à presença humana, podendo até serem uma breve companhia num trilho se forem na mesma direcção e não sentirem perigo da nossa parte, ou até mesmo virem ter connosco se estiverem habituadas a que alguns humanos lhes dispensem alguma comida. Estas últimas são mais raras claro está, e conseguir estar na companhia de uma raposa torna-se um momento que deve ser apreciado com todo o respeito e carinho por este simpático e belo animal.

O salto da raposa

As raposas preferem tendencialmente caçar animais de pequeno porte como coelhos, lebres, ratos e pequenos pássaros, mas o interessante é a sua forma peculiar de caçar muitas das suas presas.

Quando estão perante uma possível presa, as raposas tentam ser o mais discretas possível na sua aproximação e depois realizam um salto no ar quase na vertical até uma considerável altura para de seguida “mergulharem” na direcção da sua vítima. Com o apoio do seu faro para rastrear pequenos animais, esta técnica da raposa permite-lhe até perfurar neve densa para conseguir apanhar as presas.

O estudo científico do salto da raposa revelou algo ainda mais surpreendente: A raposa tenta sempre tendencialmente alinhar-se com um eixo Norte-Este, levando à possível conclusão de que a raposa utiliza naturalmente o campo magnético da Terra para maximizar a probabilidade de sucesso em capturar a presa através do salto. À partida poderia parecer uma teoria fantasiosa, mas a verdade é que partiu de um estudo científico levado a cabo pelo investigador Jaroslav Cerveny, cuja equipa de investigação estudou mais de 600 saltos de raposa em 84 exemplares da espécie na República Checa, e descobriu que este alinhamento dava à raposa uma taxa de sucesso de 73% no seu ataque, quase como se estivessem munidas de um sistema de mira natural.

A Raposa no imaginário popular e a raposa na vida real

Tal como o lobo, a raposa nem sempre é retratada de uma forma positiva nas fábulas e contos de fada que preenchem o imaginário popular, de facto, é frequentemente caracterizada como sendo manhosa e trapaceira, enganando tudo e todos de forma a levar a sua avante, o que, embora menos diabolizada do que o lobo, também lhe dá alguma má fama.

Estando perante uma raposa real, é difícil sentirmos algum sentimento negativo por esta adorável criatura, pelo contrário – então porquê esta má fama?

É possível que as características trapaceiras da raposa no imaginário popular sejam um reflexo do oportunismo e da esperteza extraordinária da raposa, para além das suas capacidades de adaptação (e também possivelmente de algum ressentimento por uma ou duas galinhas por vezes irem parar ao estômago de uma raposa). Isto porque as raposas, apesar de preferencialmente carnívoras, na realidade são omnívoras e conseguem adaptar-se a outros regimes alimentares caso as suas refeições preferidas escasseiem, podendo facilmente alimentarem-se de frutos e bagas. Além disso, as raposas são inteligentes até na forma como gerem a comida ao seu dispor: a raposa nem sempre come tudo o que caça, muitas vezes enterra os alimentos de forma a armazená-los para o futuro.

É uma hábil escavadora, escavando até compulsivamente, e pode enterrar comida em cerca de vinte locais diferentes, lembrando-se sem falha de qualquer um deles quando a ocasião o pedir. Adicionalmente, têm de facto um sentido oportunista do qual a sua versão no imaginário popular poderá ser uma alegoria. As raposas não têm problema algum em alimentarem-se de animais já mortos, caçados por outro animal, e em roubarem ovos de outros animais à socapa. Neste mesmo contexto, por vezes as raposas sondam os terrenos para ver se encontram tocas de outros animais, e com a ajuda da sua fantástica habilidade em escavar, vão escavando e enfiando o focinho na toca até capturarem uma presa fácil no seu próprio lar. É aliás no sentido oportunista da raposa que encontramos exemplos da sua mítica trapaça, um exemplo ilustrativo é a forma como algumas raposas entram com audácia no covil de aves que façam ninhadas em conjunto, como é o caso de algumas aves marinhas, e começam correr de forma aleatória, o que leva a que estas aves as persigam para proteger os ninhos, mas o que sucede é o contrário, pois as raposas manipulam as aves para se afastarem dos ninhos ao persegui-las e depois rapidamente correm para estes para roubar os ovos, uma trapaça sem dúvida fiel à sua fama. Claro está, não se pense mal das raposas devido a isto, apenas usam a sua inteligência para sobreviver, não por malvadez como nas histórias de embalar. Este sentido de oportunidade e capacidade de adaptação é aliás possivelmente o que permite à raposa manter-se como uma espécie que ainda não está ameaçada, explicando ainda como estas, apesar de preferencialmente habitarem em meios silvestres e selvagens, por vezes se poderem encontrar perto de povoações e mesmo em redor de centros urbanos.

Ameaças à Raposa

Apesar de não se encontrarem ameaçadas e da sua fantástica capacidade de adaptação e de sobrevivência, a verdade é que a raposa tem algumas ameaças, desde os agricultores ciosos dos seus galinheiros, passando pela destruição dos seus habitats, até caçadores que as pretendam caçar pelo seu valioso pêlo ou simplesmente pela caça em si.

No caso da agricultura é até contraproducente, visto que as raposas podem ser um importante recurso para controlar as populações de coelhos, os quais são muito prejudiciais para algumas colheitas. Parece inacreditável que alguém seja capaz de caçar estes adoráveis animais, mas infelizmente estes caçadores existem. Para piorar a situação, dado o facto de não estarem numa situação de espécie ameaçada, há um limite demasiado amplo para o número de raposas que podem ser caçadas, podendo ir até 3 por dia por caçador, durante a época autorizada de caça à raposa, uma situação gravíssima que pode no futuro levar a que a raposa se veja no mesmo problema do lobo ibérico. Esperemos que tal não suceda e que haja uma progressiva consciencialização do valor da vida destas belas e inteligentes criaturas, e que nas gerações vindouras continue a haver uma densa população de raposas.

Talvez assim possamos continuar a ver as raposas a saltitar e pelas nossas matas e campos, felizes e livres, com a sua cor avermelhada a colorir o nosso património natural. Ver ou estar com uma raposa é algo que proporciona sempre um sorriso a quem a vê, esperemos que nunca deixe de haver essa oportunidade em abundância.