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Não se confunda com outra com o mesmo nome, do lado galego, nem com a gigante cascata da Mizarela que está próxima de Arouca. Esta Ponte da Misarela anda por terras do Barroso e tem uma prima direita na Póvoa de Lanhoso, a também mítica Ponte de Mem Gutierres. Poderá ser a mais bela do país e no entanto não é esse o atributo que mais se lhe conhece. Esse será toda a bruma que a envolve e que lhe deu um nome alternativo: a Ponte do Diabo.

Uma ponte que, segundo o povo, é guardada por um Diabo que procurava novos Faustos em toda a gente que se atrevesse a atravessá-la

 

Uma ponte perdida no Gerês

Ligeiramente fora do Parque Natural do Gerês, o Rabagão serve de fronteira entre o distrito de Braga e o distrito de Vila Real. É um pequeno pedaço que corre para norte, logo depois da lagoa formada pela Barragem de Venda Nova, terminando quando o rio se entrega a outro maior: o Cávado.

Mas antes dessa foz, num vale que se afunda meio a pique, e imediatamente a seguir a uma cascata decorada com pedra bruta, uma ponte que vai para lá dos dez metros de comprimento eleva-se acima da água. De um lado e de outro, até chegarmos a meio dela, vai-se a subir. O pico está no seu centro, num vértice alinhado pelos blocos de granito.

A sua origem reside na Idade Média mas foi depois reconstruída, sendo até veio de passagem no cair do pano das Invasões Napoleónicas, como último escape das tropas francesas.

O acesso a ela não é fácil. Podemos desde já adiantar os inúmeros deslizes que o musgo poderá provocar, sobretudo quando descemos. Mas também podemos adiantar que toda a cautela que nos faz demorar mais o passo tem recompensa no final. A meio do troço já a vemos. E aí a Ponte da Misarela torna-se uma peça de lego que só poderia ali encaixar daquela maneira. Por baixo, o rio, que antes corria desalmado, acabado de cair de um degrau bem alto metros antes de aqui chegar. Agora essa fúria desmoronou-se – a barragem deu-lhe calmantes e só mesmo em dias de excepção poderemos ter um trailer do que o Rabagão já foi.

Tudo isto é uma mistura de beleza e medo. E é neste combo que conseguimos compreender por que razão o povo sempre divinizou ou amaldiçoou este ermo.

O granito da Ponte da Misarela

O granito na Ponte da Misarela

Ainda hoje apelidade de Ponte do Diabo, os mais estranhos rituais ocorrem por cá

O Diabo da Misarela

Lenda da Ponte da Misarela

Não poderíamos falar de outra coisa. A Lenda da Ponte da Misarela é tão famosa que hoje, nas festas que lá andam por volta do início de Julho, a reproduzem num teatro que funde o místico e o natural.

Em terras a sul do Barroso havia um criminoso que escapava à ordem real. Fugia por onde dava, e onde dava era todo o sítio sem gente – nas falésias e ribeiras e vales profundos dos montes colados ao Gerês.

Um dia, num desses afunilados montes, deu com um rio de forte corrente, onde as águas corriam com um impulso oceânico, impossível de atravessar a nado. Chamando ajuda Divina por diversas vezes, e observando que ela teimava em não chegar, virou a agulha e resolveu pedir apoio ao Outro: o Diabo, pois claro.

Apareceu assim Belzebu, das entranhas daquela terra, e perguntou ao homem o que é que ele lhe queria. O homem respondeu que precisava de cruzar o rio e não tinha como, dispondo-se a entregar a sua alma se fosse preciso. E foi preciso, a pedido do Diabo: “Passarás, passarás, sem olhar para trás!”. Assim que o disse uma estreita ponte pétrea ligou as duas margens.  E o foragido aproveitou a dádiva, atravessando-a sem mais voltar atrás. A própria ponte desfez-se assim que serviu esse propósito para não mais existir.

O criminoso acostou-se às terras do Barroso e deixou de ser procurado. No entanto, vivia mal com o pacto que tinha feito, e no dia da sua morte resolveu confessar esse episódio ao padre. Absolvido, foi o próprio padre a querer procurar vingança, e ele mesmo se deslocou ao local do crime, esperando encontrar o Diabo e enfrentá-lo cara a cara.

Lá chegado, gritou o padre: “Satanás, Satanás, passa-me que te dou a alma”. Satanás ouviu o pedido e tornou a aparecer, com o estrondo habitual, e com ele a mesma ponte se construiu, unindo os dois lados. “Passarás, passarás, sem olhar para trás” tornou o Diabo. O padre assim fez, mas ao contrário do foragido, não cumpriu a última parte – e olhou para trás. Nesse momento, munido de uma caldeirinha, entornou água benta sobre a ponte. Logo depois o Diabo caiu, regressando às entranhas de onde tinha saído, deixando um intenso cheiro a enxofre. A ponte, todavia, não acompanhou o seu dono, e por ali se manteve até aos dias de hoje.

Lenda dos Baptismos Nocturnos

Há ainda uma segunda lenda que nos fala de uma crença que ainda hoje existe na cabeça das mulheres grávidas e que vem na continuação da primeira.

A verdade é que depois de tudo o que se contou sobre o Diabo e sobre a ponte que terminou lavada com água benta, aquela passagem de nível tornou-se famosa e tida como abençoada. Muitas mulheres começaram a ver naquelas águas uma cura para gravidezes difíceis.

E no meio disto, uma mulher que já tinha perdido um dos seus filhos e estando embaraçada do segundo, avisa o seu marido que quer ir à tal ponte milagrosa para que 0 infortúnio não se repita.

Lá se dirigiram e esperaram, como mandava a tradição, pelo primeiro caminhante a lá passar depois da meia noite. Acenderam fogueira e acomodaram-se ao frio.

Ali esperaram por boas horas e quase à chegada do sol, veio um barrosão. O barrosão disse que tinha visto o fumo da fogueira e que calculou que haveria por ali mulher à espera de receber a bênção daquelas águas. E que para isso trouxe o que era preciso:uma corda e um pequeno pote. Atirou o pote ponte abaixo, atado ao cordel, buscou a corrente do rio, e trouxe a água de volta ao topo da ponte. Depois entornou tudo na barriga da mulher e entoou: “Eu te baptizo, criatura de Deus. Se fores rapaz, serás Gervaz, se fores menina, serás Senhorinha”. O casal garantiu que, a nascer a criança, o homem que ali esteve seria o padrinho. E nasceu mesmo, e o barrosão foi seu padrinho.

Até há pouco tempo, e mesmo hoje em dia, embora mais raramente, grupos de mulheres vão com os seus homens, a meio da noite, dar um empurrão às suas gravidezes, e ainda hoje encontramos raparigas chamadas Senhorinhas e rapazes chamados Gervásios, tudo por causa da lenda dos baptismos da meia noite.

À meia noite, como nas noites de São João, as águas que correm sob a Ponte da Misarela tornam-se sagradas e ajudam futuras mães

Mistérios da Ponte da Misarela

Uma das possíveis razões para o nome da ponte poderá estar associado ao grau de dificuldade que houve em edificá-la – e nesta perspectiva, advém de expressão popular, que a consideraria uma ponte dos diabos por nunca mais estar pronta ou por ser de exigente montagem. Desta forma, a lenda surgiria depois, como complemento ao nome.

No entanto, parece-me mais provável a hipótese da origem de tudo isto residir, precisamente, nas tradições locais.

Ambas as lendas contam com um elemento de transição. Numa, o destaque vai para a ponte, e uma ponte é sempre um sítio de transgressão, de passagem para o outro lado, que é conotado como uma acção de provação. Noutra, sobressai a água, adicionando-lhe outro elemento de passagem, a meia-noite, que no fundo é uma nova ponte, neste caso entre um dia que acaba e outro que começa. A água, enquanto elemento fundador, é objecto de adoração pelo homem, que lhe foi entregando Deuses de toda a espécie, conforme esteja ela em forma de mar, ou de rio, ou de fonte, ou de qualquer outra.

Parece haver uma confluência de ritos misteriosos e de origem pagã que a igreja, por não obedecerem ao dogma estabelecido, certamente desaprovou ou tentou integrá-los numa nova ordem. É sabido que o simbolismo das pontes foi assimilado por ela – bastará lembrar a palavra pontífice, que significa construtor de pontes, e atribuída ao Papa como sumo pontífice. O mesmo para a água, introduzida na igreja enquanto via para o baptismo.

Na realidade, o que aqui vemos são antiquíssimos cultos à água modernizados por olhar católico. Poderá a imposição do Diabo a esta obra ter sido uma invenção bispal para afastar o povo de ritos hereges? Pode, claro. Mas, como aconteceu em variadíssimos exemplos, não teve o resultado esperado.

Onde Ficar

O Hotel Rural da Misarela (foto em baixo) está a poucos quilómetros da Ponte do Diabo. Para ir deste poiso até lá, bastará tomar a Rua do Teixeira em direcção a sul. Ela própria termina nesse destino, o que só mostra a importância que todo este cenário foi ganhando.

Tem piscina e restaurante que serve comida regional. No inverno há lareira e biblioteca a acompanhar o lume. Todos os quartos têm vista para o Rio Rabagão.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.692006 ; lon=-8.019354