Colhões de São Gonçalo

by | 10 Out, 2016 | Douro Litoral, Gastronómicas, Províncias, Tradições

Monumentos

Natureza

Povoações

Festas

Tradições

Lendas

Insólito

Há vários nomes para este doce amarantino. Doces fálicos é o que melhor o designa com palavras meigas. Mas há mais, e menos óbvios. No final, o vocábulo que o popularizou foi mesmo este que destacamos – Colhões de São Gonçalo, ou, em alternativa, Caralhinhos.

Um doce fálico ao qual chamaram Colhões de São Gonçalo – uma ousadia herege que tem mais que se lhe diga

Origem dos Colhões de São Gonçalo

Engane-se quem vê a origem destes doces no passado recente da região, como uma brincadeirinha de mau gosto das pastelarias da cidade. Engane-se também quem procura a origem no culto a São Gonçalo, que aqui passou grande parte da sua vida, porque, ainda que antigo, não vai suficientemente longe na explicação. Para chegarmos à verdadeira justificação, é preciso ir a um tempo mais brumoso, pré-Cristão, e influenciador do que depois se viria a tornar na devoção amarantina ao seu padroeiro.

Aliás, dá para entender que juntar colhões e São Gonçalo não é um gesto de grande catolicismo, e não faltaram autoridades maiores – isto é, a igreja, em primeiro lugar, e o Estado Novo, em segundo – a levantarem os seus dedos contra uma heresia destas. Mas o povo não se regra, e ainda bem.

A verdade é que Gonçalo (que é beato, a atribuição de santo veio do povo e não da igreja) foi conhecido pelos casamentos que ajudou a realizar. E essa história foi fundamental para que se passasse a ter a imagem do santo como substituta de antigos ritos ligados à fecundidade. A sua fama de casamenteiro – como aconteceu com Santo António – veio mesmo a calhar, numa de fundir o pagão com o cristianismo entretanto institucionalizado.

Ficou assim ligado a prestações religiosas antigas, de culto à fecundidade da terra. Salva velhinhas da viuvez, ajudando-as a casar novamente. Ajuda a impotência dos homens, que lhe rezavam a pedir solução. As solteiras roçam os seus corpos no túmulo do santo numa de se tornarem férteis ou arranjarem marido. E começaram a honrá-lo com um símbolo tão antigo quanto a existência humana, o falo, que aqui é feito com a originalidade da doçaria tradicional, e ao qual passámos a apelidar, muito graficamente, de caralhinhos ou colhões ou ainda quilhõezinhos de São Gonçalo.

Em Junho, uma das duas vezes do ano em que é celebrado – a outra é a 10 de Janeiro, data da morte do santo -, estes pénis de açúcar eram cozinhados numa espécie de oferenda ao santo. Em paralelo, os rapazes ofereciam-nos às raparigas, numa espécie de engate pouco subtil. E lá está Junho, o mês em que o sol está na sua máxima força no hemisfério norte, a ser alvo de devoções ao brotar da natureza.

A sua massificação só se deu posteriormente, depois de passado o período de censura a que o regime salazarista o votou, quando começaram a ser fabricados de forma mais industrial. Hoje, encontramo-los em quase todos os cafés de rua da zona histórica de Amarante.

Há poucos anos, num projecto de divulgação à gastronomia amarantina construíram um enorme doce com cerca de 21 metros de comprimento.

A secreta receita dos Doces Fálicos

Não existe uma, mas sim várias receitas. Culpa de uma terra que, através dos mosteiros – sempre foi dada à invenção e reinvenção da doçaria regional. Quem o produz é relutante em dizer mais do que os ingredientes principais.

Parece que o único padrão que conseguimos encontrar é no uso de certa matéria-prima: açúcar – grosso e fino -, farinha, manteiga, e os indispensáveis ovos.

Sem nunca ter visto tal coisa ser feita, presumo que se prepare o açúcar com água e depois se juntem os ovos – provavelmente mais gemas que claras. Coisa simples de fazer, embora se conte que o segredo está no tipo de massa usada. A cobertura açucarada é feita no final, pincela-se primeiro com açúcar quente, e os pós de açúcar frio vêm depois. Algumas versões contam ainda com recheio interior.

Pode ter diversos tamanhos.

 

Ficar em Amarante

Se há uma vista cinematográfica em Amarante, é a que temos dos luxuosos quartos do Hotel Casa da Calçada Relais & Chateaux. Famoso pela imponência que causa, ocupando uma boa parte da margem esquerda do Tâmega, é impossível não olharmos para ele – pela dimensão e pela beleza.

Estamos a um salto de rio da famosa Igreja de São Gonçalo. E doces fálicos estão logo ali ao lado, bastará correr a Rua 31 de Janeiro até ao Largo Conselheiro António Cândido.