Azulejos

by | 16 Fev, 2016 | Culturais, Tradições

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Em publicidade há um conceito muitas vezes usado para se estabelecerem correlações entre os investimentos feitos e o reconhecimento da marca daí gerado. Dá-se a ele o nome de top of mind awareness – ou seja, qual a primeira marca que vem à cabeça de uma pessoa quando se fala em determinada indústria.

Ora, descontando personalidades futebolísticas, se perguntarmos a turistas que tenham passado por Lisboa (ou mesmo pelo Porto), qual a primeira imagem que lhes vem à cabeça quando pensam em Portugal, é muito provável que a resposta seja uma de duas: a calçada portuguesa, ou, em alternativa, aquela que aqui vamos falar, os azulejos.

Não há volta a dar. A azulejaria está intimamente ligada à percepção deste país. Quer cá dentro, quer lá fora. E sabendo de antemão que não nasceu cá (à partida virá já do antigo Egipto), tornou-se português porque, quando adoptado neste país, ganhou uma identidade própria.

É difícil ter uma região portuguesa à qual possamos atribuir esta vício cultural de forrar fachadas, paredes, pavimentos e tectos. O sul e centro-sul parecem ser os melhores sítios para vermos como eles eram no seu início, enquanto fenómeno de base religiosa. Mas já lá vamos. Lisboa é um caso especial, e serve como exemplo máximo de como usar o azulejo já de forma industrializada, sendo já quase vulgar recorrer-se a ele para tudo e mais alguma coisa. E o norte, em especial o Douro Litoral, passa a ser paradigma para descortinarmos a sua evolução barroca.

No fundo, os azulejos, em Portugal, estão em todo o lado, e não se vão ficar apenas por aqueles que já existem porque, sabemos, sem ser preciso adivinhar, que haverão muitos mais.

Mas demorou até que esta tradição pegasse.

Mais do que por uma razão utilitária, e mais do que por uma conivência religiosa, os portugueses passaram a usar o azulejo por ser bonito. Só essa maneira simplificada como o vemos justifica o carinho que ganhou por cá…

A origem islâmica dos azulejos

O ponto de partida, tudo indica, foi a invasão sarracena e o islamismo como doutrina religiosa e filosófica. Assim, o azulejo entrava como acetato para a geometria islâmica, que, na sua abordagem de inspiração sufista, se ancorou no platonismo e pitagorismo.

O platonismo, enquanto filosofia, suportava a ideia de imutabilidade dos padrões que se viam nos painéis de azulejos, e o pitagorismo complementava-os na matemática mística das formas, habitualmente recorrendo a intrincados e repetidos laços – de onde saíam entrelaçados labirínticos, sendo o labirinto um símbolo da descoberta interna e da emancipação do eu (já aqui foi dado o exemplo do Labirinto do Minotauro de Conímbriga). E servia este todo como uma representação figurativa de um mundo estático (porque repetido nos padrões) e infinito (porque contínuo), apelando ao repouso, à concentração e à meditação interior e individual, características próprias da gnose islâmica.

Este tipo de azulejaria é, contudo, raro de se encontrar em Portugal, até por ser o mais antigo e algum dele ter ficado à mercê do terramoto. Em Santarém, a Igreja de Santa Maria de Marvila, no entanto, funciona como bom exemplo.

Quando a azulejaria ganha nacionalidade portuguesa

E é partindo daqui que os azulejos levam um cunho português, transformando-se num caso único no mundo. A personalidade do azulejo luso inicia-se com a introdução dos motivos, normalmente folhas ou flores, contemplando três cores principais: o amarelo, o azul, e o branco. Era o azulejo de tapete ou o azulejo de padrão a dar cartas e a entrar no inconsciente das gentes. Olhando para eles parecem, de facto, tapetes persas, embora em cerâmica – uma visita ao Museu Nacional do Azulejo é a melhor forma de os conhecer.

O primeiro passo para uma azulejaria portuguesa distinta das restantes, árabes ou espanholas, estava dado, com alguns pilares a sustentá-lo: um padrão foliáceo, perspectiva de espaço, antagonismo de cores (o amarelo enquanto oposto do azul, e o branco como elemento neutro), jogos de luz com o exterior.

O segundo chegou, no final do século XVII, com ajuda de um produtor inesperado, a Holanda, que passou a ter selo de qualidade no que à sua criação dizia respeito. Agora já não chega ter um motivo. Aposta-se na pintura, funcionando o azulejo como uma espécie de derivado moderno da tela. E daqui até passarmos a encomendas ao critério do freguês foi um pulinho. Igrejas passaram a pedir que os seus Santos fossem lá representados. Nobres quiseram ter os seus brasões lá desenhados. Mais tarde, a burguesia abastada começou a entrar no jogo. E o azul passou a dominar, como traço elegante, sob fundo branco.

O terceiro passo, revelador, chegou a reboque do barroco. E revelador porque esta é talvez a característica mais peculiar da azulejaria em Portugal: acompanhou os estilos de cada época. E acompanhou colando-se (ou mesmo substituindo-se) a outras artes, nomeadamente a pintura e a arquitectura. Esta é a fase do exagero estilístico. Algumas igrejas exibem a exuberância dos seus painéis como se de ouro se tratasse. As fachadas de alguns prédios idem. As cidades ganham uma luz redobrada, com o reflexo do sol a projectar-se nos azulejos, como espelhos. No Porto, por exemplo, conseguimos ter três magníficos paradigmas do barroco azulejar português: a Igreja dos Carmelitas, junto ao Largo dos Leões, a Igreja de Santo Ildefonso, na Batalha, e a Capela das Almas, na Rua de Santa Catarina.

E, por fim, um quarto passo, vigente até aos dias de hoje, e que é o do quase total improviso em relação ao uso do azulejo, este mais difícil de situar, e mesmo de explicar. De facto, Portugal parece ser o único país a fazer do azulejo um papel de esboço para o que se quiser. Ao contrário, por exemplo, da utilidade funcional que outros países europeus lhe dão, enquanto revestimento impermeável para zonas molhadas, como casas de banho ou cozinhas. E ao contrário dos países que estão na sua origem, onde se detém com o papel de condutor religioso e místico – e por isso, levado demasiado a sério.

É esse lado popular que garante à azulejaria portuguesa uma renovação constante e a ritmo imprevisível. Chega a atacar as regras elementares do bom gosto, mas em certos casos é preciso isso, forçar limites para criar novos veios artísticos.